A Batalha de Gênova (final):
Balanço e perspectivas

Por Gregório Maestri



Os acontecimentos de Gênova motivam atualmente forte debate. Sobretudo na Itália, os fatos são aproximados a um ensaio virtual de golpe de Estado. Agora, sabe-se que, durante o cobre-fogo de 48 horas, Gênova foi "comandada" pelo fascista Gianfranco Fini, da Aliança Nacional, desde a célula operativa da polícia, onde se permite apenas o acesso de membros regulamentares do Estado, e não do governo!

Discute-se também sobre a responsabilidade dos dirigentes do GSF na proposta da estratégia de "assalto ao poder", que teria levado os manifestantes às "armadilhas" de Gênova. Critica-se a não preparação dos manifestantes, em boa parte inexperientes, para a repressão, em parte previsível, em nome de uma "pacifismo" romantizado.

Propõe-se que seria eventualmente preferível promover manifestações através da Itália e do mundo, criando dinâmicas políticas, sociais e territoriais mais vastas e permanentes. Defende-se que essa estratégia, menos midiatizável, globalizaria a luta e dificultaria a repressão.

Critica-se a ação da direção do GSF que, ao deparar-se com um morto e milhares de feridos, procurou elidir suas responsabilidades na orientação da manifestação, criminalizando acriticamente grupos radicalizados, como se esses velhos conhecidos da luta anti-globalização se apresentassem, em Gênova, pela primeira vez.

MOCINHOS E BANDIDOS

Denuncia-se o comportamento contraditório da direção do GSF que acusou os Blocos Negros de terem estragado a festa sem reconhecer o sentido estatal da infiltração policial. Lembra-se que ela propôs manifestação "pacífica" pelo direito de expressão e circulação e exigiu da polícia que os jovens radicalizados fossem reprimidos, presos, afastados!

Ressalta-se que a direção do GSF explica o extremismo juvenil como resultado da infiltração policial, sem compreender que essas ações, estúpidas e manipuladas, nascem de ódio anti-capitalista profundo que se expressa no ataque a valores e símbolos da ditadura do capital – bancos, marcas, lojas etc. Sentimento que deve ser valorizado e canalizado politicamente.

Lembra-se que não há sentido em criticar a resistência e transformar Carlo em mártir de Gênova. Mesmo não pertencendo às milícias negras, ele foi assassinado ao atacar unidade móvel da Polícia. Não era anarquista, comunista ou pacifista. Era apenas um jovem em ruptura com o mundo capitalista em que vivia, que respondeu violentamente à violência do Estado.

Critica-se duramente a ordem para que os manifestantes se entregassem à fúria policial, ajoelhados e de mãos levantadas. Forças sindicais e velhos combatentes comunistas e anti-fascistas lembram que essa orientação rompe com a tradição de luta operária e popular, oposta ao vandalismo, à provocação e às posturas martirizantes diante do opressor.

PAZ ENTRE NÓS, GUERRA AOS PATRÕES!

Aponta-se esse pacifismo como negação ontológica do direito de resistência. Lembra-se que foi a violência das massas que destruiu o absolutismo feudal, em 1789; a sociedade de classes tzarista, em 1917; o nazi-fascismo na Europa, em 1940-5; a ditadura cubana, em 1959-61 etc.

Denuncia-se o maniqueísmo da direção do GSF ao dividir a anti-globalização em "malvados" e "bonzinhos", amalgamando provocadores e anarquistas anti-capitalistas, gentis militantes ambientalistas e combativos "macacões brancos" defensores da desobediência civil e da resistência à violência policial.

Ainda recentemente, os militantes "bonzinhos" dos centros sociais transformaram Milão em campo de batalha, no exercício do direito democrático de impedir reunião internacional de neo-fascistas em cidade que se destacou pela resistência durante a Segunda Guerra. A reação organizada desses grupos impediu que o massacre de Gênova tivesse sido maior.

Denuncia-se também a crítica oportunista da direção do GSF à falta de apoio da social-democracia ao anti-G8 e seu silêncio sobre os desastres políticos, sociais e econômicos causados pelos senhores da Terceira Via. Lembra-se que é demagogia atacar Berlusconi, mas nada dizer sobre as guerras "humanitárias" da social-democracia; sobre as repressões ‘socialistas’ da anti-globalização de Goteborg, Nice, Nápoles etc.; sobre a organização do esquema repressivo de Gênova pela coalizão da Oliveira.

PALANQUE MUNDIAL

Propõe-se que a vontade de "diálogo" de setores do movimento constitui estratégia de legitimação de direções anti-globalização diante dos líderes imperialistas e de utilização do movimento como meio de pressão nas disputas travadas no interior da Internacional Socialista.

Denuncia-se que a organização de diálogo excelente – as famosas tele-conferências – entre "porta-vozes" da globalização e da anti-globalização apenas aumenta a visibilidade das tendências ‘integracionistas’ em detrimento das ‘autonomistas’, facilitando a proposta demagógica de uma globalização com rosto humano e aberta ao diálogo, avançadas em Gênova.

Assinala-se que os sucessivos anti-fóruns produziram cenário político onde "porta-vozes" da anti-globalização propõem ações e programas que não expressam as bases do movimento, mas forças e tendências superestruturais. Uma realidade facilitada pela prática dos anti-fóruns de não votarem programas conclusivos discutidos democraticamente.

Atualmente, as grandes estrelas da anti-globalização são Agnoletto, do GSF; Casarini, dos centros sociais; Ramonet, no Le Monde Diplomatique; o grupo ATTAC, defensor de propostas neo-keynesianas – Taxa Tobin etc. Ironiza-se o empurra-empurra entre políticos europeus e sul-americanos para conquistarem um lugar na estreita boléia da anti-globalização e, conseqüentemente, na mídia nacional e mundial.

QUE LUTA LUTAR

A grande polêmica prossegue sendo os objetivos de um movimento que reúne tendências que compreendem o neoliberalismo e a globalização como face reformável do capital e outras que os vêm como a essência da produção capitalista em sua fase senil. Discute-se sobretudo se a luta é pela humanização do capitalismo ou pela construção de uma sociedade apoiada no humanismo anti-capitalista.

Assustado com a resistência de Gênova, Berlusconi propôs transferir o próximo encontro da FAO, de Roma, sua sede há mais de 50 anos, para Nairobi, mesmo não possuindo autoridade sobre a organização! Ao mesmo tempo, organiza com entusiasmo a reunião da OTAN sobre o Escudo Espacial, em Nápoles! Em resposta, o movimento anti-globalização já mandou seu recado para o chefe máximo da direita italiana: "– Nos veremos em Roma!".

Desde o fim dos confrontos, centenas de italianos reúnem-se diariamente na Praça Allimonta, onde fotos, flores, pensamento e poesias assinalam o local onde caiu, para sempre, Carlo Giuliani. Noite e dia, jovens de rostos tristes e duros vigiam para que não se destrua, com jatos d’água, o miserável sacrário urbano levantado em honra à memória do jovem assassinado e de todos que, com ele, levantaram o punho contra os poderosos durante a batalha de Gênova.

Gregório Maestri, ítalo-brasileiro, trabalho e estuda em Milão, Itália.

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