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O comunismo já chegou ao Brasil.
Você não sabia? Então certamente deixou de ler o último texto de Olavo de Carvalho na
revista Época, da editora Globo.
Sem medo de errar, o artigo de Carvalho é uma das maiores pérolas que já tive a
chance apreciar. Só para o leitor deste Correio sentir o clima, o texto começa
assim: "Pessoas que só sabem por ouvir dizer juram que o comunismo morreu. Eu e o
senhor Antonio Negri, que estudamos o assunto por décadas (...) asseguramos que ele está
mais vivo que nunca. Também o senhor Fidel Castro, que está por dentro das preparações
subterrâneas, anuncia para breve a rentrée espetacular da sangrenta pantomima a
cujo serviço dedicou sua porca vida", escreveu.
Para quem não conhece, o filósofo Olavo de Carvalho, além de detentor de coluna na
revista Época, tem cadeira cativa no jornal O Globo. Seus textos são
reproduzidos em jornais Brasil afora.
Voltando à pérola da semana passada, vejamos a razão de tanta indignação contra os
"vermelhos": segundo o filósofo, dois fatos recentes provam que o país caminha
inexoravelmente para a revolução. A saber:
"1. Um juiz do Rio Grande do Sul, solicitado a devolver aos proprietários uma
fazenda invadida pelo MST, negou a reintegração de posse sob a alegação de que não
havia provas da função social do imóvel. 2. Um notório terrorista dos anos
70, que nunca se arrependeu de seus crimes, que antes se orgulha deles e que no máximo
admitiu ter algumas dúvidas quanto à conveniência de repeti-los hoje, foi nomeado
ministro da Justiça."
Não, caro, leitor, não é brincadeira. O que está escrito acima é exatamente o que
saiu em página nobre da segunda maior revista semanal do país. Os motivos do alarme de
Carvalho são esses. Segundo ele, o primeiro fato revela que, no Brasil comunista de hoje,
"o direito à propriedade adquirida por meios legais depende da prova de sua
função social, mas o direito à propriedade tomada pela força depende
somente da coloração política dos novos proprietários. (...) O princípio assim
firmado deve valer para toda propriedade imobiliária (...), exceto aquela que tenha
utilidade estratégica ou publicitária para a causa comunista, única função social que
se exige dos imóveis do MST".
Se o leitor ainda não se recobrou do choque, aguarde: para o filósofo Carvalho, a
posse de Aloysio Nunes Ferreira no ministério da Justiça do governo, pasmem, tucano de
FHC, significa que "o crime de tortura, mesmo não provado, e bastando que seja
imputado a anticomunistas, é impedimento ao exercício de cargo público; já o de
terrorismo praticado pelos comunistas, mesmo quando confesso, não o é; ao adotar essa
escala de valores, o Brasil se alinha oficialmente, declaradamente, entre os países que
protegem e legitimam a prática do terrorismo".
Carvalho fecha seu raciocínio com chave de ouro: "Quem conheça a história das
revoluções comunistas reconhecerá que, desde a semana passada, o Brasil já não é uma
democracia capitalista. É um país em plena transição para o comunismo".
Resta saber se alguém leva este tipo de coisa a sério. O fato das Organizações
Globo gastarem tinta e papel para que o filósofo faça as vezes de guardião do regime
capitalista e denunciante histérico da mais ínfima ameaça ao status quo deve ser
levado em consideração: tem alguém escutando os seus berros.
O problema todo é que Carvalho não tem um décimo do talento dos grandes
reacionários como o jornalista Paulo Francis, no qual ele certamente se inspira
e acaba dando tiros no próprio pé. Afinal, até o artigo da semana passada, o
filósofo Olavo de Carvalho se dedicava a tentar impedir que o comunismo tomasse conta do
país. Ele mesmo, porém, anunciou a chegada do comunismo ao poder. A família Marinho já
deveria parar de lhe depositar o contracheque no fim do mês.
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