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De 01 a 04 de novembro, mais de dois mil universitários de quase todos os estados
brasileiros e de diferentes cursos se reuniram na UNICAMP, no "I Encontro Nacional
Universitário (ENU): a terra e um projeto para o Brasil". O evento foi
organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com o apoio de diversas
outras entidades, e pretendia criar um espaço para formação de militantes, independente
do curso universitário e da linha política. Foram cinco dias de palestras com estudiosos
da Reforma Agrária, que traçaram a história da luta pela terra desde as sesmarias até
os dias atuais, relacionando o tema com a economia, cultura, mídia, direito e,
finalmente, propondo alguns pontos para a construção de um projeto alternativo para o
Brasil.
Entre os expositores, estiveram presentes: Leonilde S. de Medeiros
(Universidade Rural do RJ), Ariovaldo Umbelino (Geografia Agrária da USP), Luis Carlos
Guedes (UNICAMP), Gerson Teixeira (presidente da ABRA), Francisco de Oliveira (Faculdade
de Ciências Sociais da USP), Plinio de Arruda Sampaio Jr. (Faculdade de Economia da
UNICAMP), Augusto Boal (Teatro do Oprimido, RJ), Dilma de Melo Silva (Escola de
Comunicação e Artes da USP), Raimundo Pereira (Revista Reportagem), José Arbex Jr.
(Caros Amigos), Aton Fon (advogado do MST), Miguel Baldez (Faculdade de Direito da UERJ),
José Carlos Garcia (juiz de Direito), Roberto Leher (presidente da ANDES), Plinio de
Arruda Sampaio (Correio da Cidadania), Samuel Pinheiro Guimarães (embaixador), João
Pedro Stédile e Gilmar Mauro (direção nacional do MST).
As exposições dos palestrantes traçaram a história da posse da
terra no país, desde as sesmarias, passando pela Lei de Terras, o Estatuto da Terra e
chegando à modernização do campo como fator de desenvolvimento estritamente
tecnológico e não social, que culminou com a concentração fundiária e o ciclo vicioso
de poder. O bloqueio do acesso à terra foi a questão central, uma vez que o tema é
visto como fundamental para se lutar por um Brasil soberano e democrático e por nossa
verdadeira identidade cultural.
Um dos pontos unanimemente enfatizados foi a leitura esquizofrênica e
a espetacularização dos movimentos sociais promovidas pela mídia, em sua tentativa de
apagar a herança histórica do MST, desenraizá-lo e criminalizá-lo, apresentando-o como
um movimento novo e desordeiro. Quanto à questão jurídica, é vista como uma barreira
pela maioria dos expositores, a fim de impossibilitar a verdadeira Reforma Agrária, o que
imporia a necessidade de se lutar pela mudança da lei.
O conjunto dos aspectos levantados não deixa dúvidas quanto à
necessidade de um projeto alternativo para o país, pensado fora do padrão imposto pela
classe dominante. Um projeto que se paute pela inclusão social, baseado na Reforma
Agrária e Urbana, na descentralização industrial com geração de renda e emprego, na
educação e na saúde, e cujas possíveis e prováveis conseqüências a curto prazo,
tais como a instabilidade econômica, a agitação social e o risco institucional, serão
o desafio a ser enfrentado.
IMPRESSÕES - Esse encontro pode ser considerado um sucesso por
muitos motivos. Primeiramente, pela louvável iniciativa do MST em acreditar no poder de
mudança da juventude brasileira e conseguir mobilizá-la para a luta. Segundo, pois os
estudantes ali presentes optaram, em pleno feriado, por estudar um Brasil diferente, ao
invés de viajar para o litoral, ir a festas etc. Dormiram nas salas de aula, nas
arquibancadas do ginásio. Pouco importava. Era uma multidão de jovens que transpiravam
vontade política e que aprendiam que a luta contra o latifúndio é, na verdade, a luta
contra o capital. Foram muitas as lições. O clima no ginásio da UNICAMP era de
integração, de coletividade. Muitas faixas, bandeiras, música, apresentações teatrais
primorosas, palavras de ordem. Lá, por alguns dias, o indivíduo se confundiu com o
coletivo. Uma experiência semelhante ao Fórum Social Mundial. Houve uma revitalização,
renovação da utopia, troca de energia. Nós, estudantes, muitas vezes desiludidos com o
futuro, acreditávamos nas palavras dos mestres. E eles acreditavam na nossa capacidade de
transformação.
O ENU foi um ato de formação política, que renovou a importância do
nosso compromisso social com um Brasil que priorize o ser humano e que convocou a luta
urgente pela terra. Luta essa que, como bem disse Plinio de Arruda Sampaio Jr., exige
disciplina, competência e sacrifício. Nossa tarefa, agora, é multiplicar essa
consciência e não deixar que apaguem nossa crença em um outro Brasil.
Beatriz Pasqualino, 20, cursa Ciências Sociais na USP.
***
Depoimentos ao Correio sobre o I ENU
"Um encontro desta magnitude, sobre o tema da terra, é
fantástico, pois mostra que o movimento estudantil não está despolitizado, nem
desmobilizado, como comumente se diz. A imprensa dedica atenção ao caso das carteirinhas
de estudante e não olha um evento como esse: um encontro que está discutindo o problema
da terra, como ela se liga aos dilemas do Brasil de hoje e às perspectivas de uma
sociedade. Lamentavelmente, isso não passa pelo interior da universidade. Os
universitários que aqui estão, voltando para suas instituições de ensino, devem fazer
a reivindicação de que esse tema esteja de novo no centro da discussão do mundo
acadêmico". Chico de Oliveira, Faculdade de Ciências Sociais da USP
"Esse evento é absolutamente fundamental, pois mostra
que, quando as idéias universitárias encontram a força do movimento popular, elas
ganham uma nova vitalidade, e se transformam em eixos de mobilização política e social.
Mostra que a universidade não está estéril, nem está carente de idéias, nem está
desertificada do ponto de vista intelectual. Ela está muito viva e precisa ser irrigada
pela força do movimento popular". José Arbex Jr., Caros Amigos
"A maioria dos universitários se formou na visão de que
o campo deste país já se modernizou e que os movimentos sociais são movimentos
retrógrados do ponto de vista político, principalmente aqueles que lutam pela terra.
Essa visão, que parte do pressuposto de que a agricultura brasileira já está apta a
produzir comida para o país e que não tem cabimento retrocedermos na história,
dividindo a terra, está presente na maioria dos universitários brasileiros,
lamentavelmente. A realização deste encontro tem o princípio de começar a construir a
unidade nacional entre os estudantes que ainda vêem importância na questão da
terra". Ariovaldo Umbelino, Geografia Agrária da USP
"Este evento é a prova de que o universitário tem forças e pode
contribuir de modo decisivo para que o país tome outro rumo. Há certas questões
cruciais, como a questão agrária e a dependência externa, que nunca são tratadas de
modo sistemático pela elite, nem pelos cursos da universidade, nem pela imprensa. Um
encontro como este vem se contrapor a essa visão". Raimundo Pereira,
jornalista, Revista Reportagem
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