A força das fotos de trabalhadores rurais sem-terra na sala da fazenda dos filhos do
presidente Fernando Henrique Cardoso está sendo comparada com a já famosa foto das
pilhas de notas de R$ 50 achadas no escritório da empresa da governadora e
presidenciável Roseana Sarney (PFL-MA). Diversos analistas políticos acham que a
ocupação pode causar um grande prejuízo à candidatura petista de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT). Na entrevista a seguir, o líder nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra) João Pedro Stédile critica duramente a atuação da imprensa no
episódio.
As ocupações das fazendas dos filhos do presidente e de seu sócio
Jovelino Mineiro eram ações programadas? A direção do MST tinha conhecimento dessas
ações?
João Pedro Stédile: Existe no MST uma regra: todos os grupos de base têm autonomia
para decidir sobre suas formas de luta, datas e locais a se manifestar. Sem isto, seria
impossível organizar um movimento nacional. Então, tanto a ação de Buritis como a do
Pontal foram decididas em assembléias de base. Nem houve interferência, como também
nenhum instância teve conhecimento prévio. Preferimos que as bases cometam às vezes
erros políticos, mas tenham o direito de decidir sobre seu próprio destino. Talvez isso
seja o que mais irrita os poderosos, pois eles percebem que os pobres caminham com suas
próprias pernas.
Como você analisa as demissões dos funcionários que negociaram a saída
dos sem-terra da fazenda Córrego da Ponte?
JPS: Essa é a prova da origem dos problemas que acontecem há mais de quatro anos em
Buritis. Lá temos muitas famílias assentadas, com diversos problemas, assentamentos sem
regularizaçao. Os trabalhadores quase passam fome. Durante todo esse tempo, o governo
sempre enrola e mente. Na sexta passada, mais uma vez foram enrolados, os trabalhadores
resolveram protestar na fazenda dos filhos do presidente. A senhora Maria de Oliveira e o
desembargador Gercino da Silva são provas das mentiras do governo, porque na última
mentira, eram os avalistas. Quanto tiveram que assistir à humilhação de prender os
negociadores do movimento, preferiram ficar com a verdade e entregaram o emprego. Mas o
ministro Jungmann preferiu continuar mentindo ao dizer que os altos funcionarios mentiram.
Os ministros Aloysio Nunes Ferreira e Raul Jungmann afirmaram que se tratava
de um ato de terrorismo do PT, já que, no entendimento deles, o MST é um
"braço" petista. Qual é a relação entre MST e PT?
JPS: Os três mosqueteiros do Rei, de plantão, foram muito hábeis. Tiramos o chapéu
para eles. Ao perceberem que poderiam tirar proveito político, acionaram toda sua
máquina de manipulação da imprensa e da opinião pública. Amplificaram ao maximo os
fatos, exageraram, culparam o governo Itamar, o PT, o MST, a CNBB e conseguiram finalmente
que os jornais dedicassem 4 a 6 páginas diárias a esse fato, que já tinha se repetido
mais de 4 vezes. Com isso, o povo esqueceu os grampos do ministério da Saúde, a
denúncia da Roseana de que todos estão recolhendo dinheiro ilegal para campanha etc.
Foi noticiado que o MST preparou "50 ocupações" no mês de
abril. Faltando menos de um ano para o fim do mandato de FHC, não seria mais interessante
esperar o próximo governo para protestar?
JPS: Nós não planejamos nada, já expliquei qual é a metodologia do MST. No entanto,
nós avaliamos que neste período se conjugam alguns fatores que naturalmente produzirão
mais protestos: fazem três anos que a reforma agrária está parada; o mês de abril é
de mobilizações em função do dia internacional de luta camponesa; a Justiça do Pará
marcou o julgamento do massacre de Eldorado dos Carajás para este mês; e, por fim, a
pobreza no campo vem aumentando e criando uma verdadeira panela de pressão. As
ocupações dos trabalhadores seguem a lógica de sua necessidade, de sobrevivência, e
não o calendário eleitoral.
Que balanço você faz dos 8 anos de governo Fernando Henrique para a
Reforma Agrária?
JPS: O balanço é trágico. O governo FHC implemenou um modelo econômico que
subordina a nossa economia ao capital internacional e financeiro. Isto teve como
consequência também a adequação de um novo modelo agrícola, copiado da agricultura
norte-americana, em que apenas grandes fazendas exportadoras se beneficiam. Foi
desnacionalizado o comércio agrícola, as agroindústrias. Resultado: a agricultura
familiar está inviabilziada, 920 mil pequenas e médias propriedades foram a falência, e
a reforma agrária não tem mais sentido, dentro deste modelo. Daí por que o governo usou
a tática de derrotar os movimentos sociais que lutam por reforma agrária. O problema do
governo é que o número de pobres aumentou, e enquanto houver pobres, eles teimarão em
se organizar e lutar.
Luiz Antonio C. C. Magalhães é editor-assistente do Observatório da
Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br).
Foi diretor-adjunto e editor deste Correio (1996-2000).
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