O Correio da
Cidadania começa a publicar nessa edição entrevistas com
entidades e movimentos sociais sobre suas
expectativas em relação ao governo de Lula. Para esse número, conversamos
com João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra, e Dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra.
Para MST, prioridade do novo governo é
erradicar a fome
Correio da Cidadania:
Qual a expectativa do MST para os cem primeiros dias de governo Lula?
João Paulo Rodrigues:
Primeiro, há uma expectativa por parte de toda a sociedade brasileira, que é
de transformações. O governo Lula representa mudança não só por ser novo,
mas por ser dirigido por um trabalhador que leva em si todo o sentimento da
classe trabalhadora de que esse país possa ser diferente. Depois,
acreditamos que será um período para o Lula tomar pé do governo.
Consideramos esses primeiros cem dias também um período de transição. Apesar
de haver uma transformação simbólica, possivelmente não haverá grandes
transformações, tendo em vista que o Brasil está na mão da mesma turma há
500 anos.
CC: Quais são as
principais medidas que devem ser tomadas nesses cem dias?
JP: A primeira
medida do novo governo deve ser conhecer de perto as maracutaias do atual
governo. Uma segunda, seria revogar as medidas que tragam qualquer tipo de
implicações políticas e jurídicas para os trabalhadores e o movimento
social, criminalizando-os, e que são dependentes do presidente do ponto de
vista legal. Depois, seria tratar da questão da fome. Nós entendemos que a
fome não pode esperar 6 meses, tem que ser tratada em regime de urgência.
Nos primeiros cem dias do governo Lula, a tarefa número 1 é resolver a fome.
Mas, para resolvê-la, tem que haver produção de alimentos, gerar empregos,
fazer reforma agrária. Somente esse pacote de atividades poderá solucionar o
problema.
CC: Qual a
expectativa do MST para os 4 anos de governo Lula?
JP: A expectativa é
muito grande. Nós acreditamos que o governo Lula é um governo de
transformação. A primeira tarefa do novo governo deve ser pagar as dívidas
sociais que o povo carrega há 500 anos. Há uma série de problemas que
precisam ser resolvidos e acreditamos que nem todos poderão ser
equacionados, devido à sua complexidade. Mas essa responsabilidade de fazer
as transformações está na mão do Lula agora, e ele representa tudo isso que
nós, como cidadãos, como movimento organizado, queremos para o Brasil:
mudança.
Para CPT, Lula deve reverter concentração
do potencial do país
Correio da Cidadania:
Qual a expectativa da CPT em relação aos cem primeiros dias de governo
Lula?
Dom Tomás Balduíno:
Partimos da perspectiva de mudança. Este foi um grande acontecimento
histórico, gestado pela sociedade civil organizada e as organizações
populares e sufragado pela maioria do povo a 27 de outubro. O governo Lula
tem que levar isso em conta e acima de tudo.
Propomos a construção do
Pacto Social. O clima para isto está bem vivo. A voz das urnas
foi muito clara. Até os grupos adversários estão atentos a esta mensagem do
povo. Os grupos internacionais fizeram esta mesma leitura. Os Estados Unidos
mostram algum respeito e, por causa disso, estão um pouco na defensiva. Este
pacto tem que incluir necessariamente os representantes da nossa sociedade e
das organizações populares. Para isso, é de suma importância não permitir o
esvaziamento das organizações pela nomeação de suas lideranças para as vagas
abertas no governo.
Outra proposta importante
é prosseguir na feliz iniciativa do Lula de criar um Parlamento
Latino-americano.
CC: E em relação
aos quatro anos de governo?
DTB: O governo deve priorizar a
reversão da situação nacional de uma elite que sempre dominou o país e
realizou a concentração do potencial de nossa Pátria nas mãos de uma minoria
nacional e internacional. Devemos proceder à reforma tributária, em vista da
justiça na distribuição de renda, rever as privatizações feitas, e que
lesaram o patrimônio nacional, e enfrentar a prática nefasta da livre evasão
de capital financeiro que visa a especulação. No plano internacional,
trabalhar no sentido de implantação de normas, como o plano TOBIN, para o
controle da especulação financeira, impondo o respeito pelas economias
nacionais; dizer não à ALCA e à entrega da base espacial de Alcântara aos
americanos; e fortalecer o Mercosul.
Com relação ao social, o governo deve
prosseguir o projeto Fome Zero, visando o socorro imediato, mas, ao mesmo
tempo, priorizar o investimento a médio e longo prazo no desenvolvimento;
criar o Plano Nacional de Reforma Agrária, incluindo os dispositivos legais
que permitam a desapropriação das terras e o limite máximo da propriedade, e
aplicá-lo com a participação dos lavradores; assumir a educação e a saúde
para todos, com restabelecimento das respectivas políticas e da
infra-estrutura; promover a geração de emprego, cobrando dos bancos e do
grande comércio e indústria a abertura de mais postos de trabalho e
desenvolvimento da produção nacional para o nosso mercado interno.
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