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Rodrigo Valente
Segundo Jaime Amorim, a grande imprensa divulga todas as
ações do MST como protestos contra o governo, e não contra o latifúndio, na
tentativa de isolar o movimento. Para o dirigente, apesar de uma mudança
lenta e tímida na área da Reforma Agrária, a expectativa do movimento com o
governo Lula continua grande.
Correio da Cidadania: Como tem sido a atuação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra (MST) nesse início de governo Lula?
Jaime
Amorim: Nosso entendimento é que houve com a
vitória de Lula uma mudança na correlação de forças no campo. Nosso inimigo
principal deixou de ser o governo. O fato é que houve uma reconcentração de
terra durante esses últimos oito anos, com o desaparecimento de um milhão de
pequenas propriedades. Nesse novo momento, o nosso inimigo principal volta a
ser o latifúndio, passando o governo a ser um parceiro na luta pela reforma
agrária. Portanto, nesses primeiros meses de governo, nosso intuito é atacar
o latifúndio e, ao mesmo tempo, pressionar o governo para que agilize o
processo de desapropriação das terras e mude o modelo agrícola adotado pelo
governo passado, que inviabilizou a pequena propriedade, o agricultor
assentado e a reforma agrária. Não é possível continuar um modelo que
privilegie a agricultura agroexportadora, dependente do capital estrangeiro,
e que mantém 53 milhões de pessoas passando fome.
CC:
Como você tem visto a abordagem da mídia sobre o movimento?
JA:
A mídia continua no mesmo papel. Por trás
dela, há todo o modelo econômico que pressiona e que tenta desmoralizar o
movimento sem-terra. Agora, porém, a mídia está interessada em manter o
modelo agroexportador adotado pelo último governo. A imprensa não tem
mostrado efetivamente nenhuma ação importante do movimento e, todas as vezes
que há ocupações, caminhadas, marchas e atos públicos, essas ações são
julgadas como se fossem contra o governo. Temos sido permanentemente taxados
de estar fazendo ações contra o governo e não contra o latifúndio.
CC:
Quais distorções foram feitas pela mídia nesses últimos meses de ações do
MST?
JA:
A mídia, principalmente na luta contra os transgênicos, tenta nos mostrar
como contra o desenvolvimento e que os transgênicos são fundamentais para a
agricultura, apostando num recado da elite para o governo Lula de que, se
esse governo quiser resolver o problema da fome, o Brasil vai ter que
produzir e comercializar transgênicos. Em segundo lugar, nas últimas ações,
principalmente nessa em que foi queimada a casa grande da usina do grupo
João Santos (em Trucunhaem, na Zona da Mata, em Pernambuco), em nenhum
momento a imprensa mostrou o prejuízo que esse grupo causou aos
trabalhadores (acampados na terra há seis anos, esperando decisão judicial
para uma terra que já foi vistoriada e considerada improdutiva pelo Incra).
Como sempre, tentou mostrar um movimento violento, destruidor, tentando
buscar a todo momento a antipatia da sociedade.
CC:
Como o MST tem avaliado a reforma agrária no governo Lula?
JA:
Primeiro, tínhamos uma expectativa de que o governo fosse intervir nos
Incras, para colocar essa casa à disposição da reforma agrária.
Infelizmente, até agora, isso não aconteceu. Na maioria dos Incras, houve a
mudança do superintendente, mas o quadro e a estrutura continuam do mesmo
jeito. Nem os principais diretores foram mudados, permanecendo esse órgão
atrasado, conservador e ideologicamente contra a reforma agrária.
Segundo,
nós acreditávamos que o governo pudesse avançar mais rapidamente contra o
latifúndio. Há, infelizmente, um aceno do governo de que seria possível
conviver o modelo de agricultura agroexportador e uma agricultura voltada
para o povo brasileiro. Está provado que é impossível o governo agradar os
dois lados.
Por
último, a maior decepção até agora é em relação aos créditos. Acreditava-se
que o governo, mesmo acenando para os empresários rurais, mantendo o modelo
agroexportador, rapidamente disponibilizaria um crédito especial para salvar
a pequena agricultura e incentivar a agricultura nos assentamentos. Isso
também ainda não ocorreu. É claro, estamos na expectativa e negociando, mas
o governo tem jogado muito mais na retranca do que no ataque.
CC: E
em relação à medida provisória feita pelo governo Fernando Henrique de não
desapropriar terras ocupadas por dois anos?
JA:
Todas as medidas criadas pelo governo FHC tiveram objetivos muito claros:
desmobilizar a luta pela terra, reprimir os trabalhadores e, ao mesmo tempo,
privilegiar o latifúndio. Entre outros entulhos autoritários, estão o
cadastramento nacional pelos correios, que felizmente o governo Lula
suspendeu, o Banco da Terra, que por enquanto está parado, o crédito
fundiário, que continua em vigor, e essa medida provisória que impede a
desapropriação de terras ocupadas. A MP ainda não foi suspensa e
procuradores do Incra continuam a cumpri-la de forma rígida. Agora, essa
medida não atrapalha o MST, ela é um problema do governo. A nossa tarefa é
organizar o povo, e isso estamos fazendo. A tarefa do governo é desapropriar
o latifúndio improdutivo e que não cumpra sua função social, como rege a
Constituição Federal. Se o governo Lula quiser cumprir a Constituição
brasileira, vai ter que revogar essa medida provisória, que é
inconstitucional. Foi essa a tese defendida pelos deputados do PT antes do
governo Lula, e esperamos que continuem com essa tese. Independente de a
terra estar ocupada ou não, segundo a Constituição, se ela for improdutiva,
ela é passível de desapropriação para reforma agrária.
CC:
Qual a expectativa do MST para os próximos anos do governo Lula?
JA:
A expectativa é bastante grande. Nós esperamos que, depois desse momento de
organização, o governo possa avançar efetivamente em alguma frente. A
primeira é avançar contra o latifúndio; para isso, o governo precisa cumprir
a meta de desapropriação dos documentos do programa eleitoral de Lula,
assentando pelo menos um milhão de famílias. A segunda é a necessidade de
que o governo Lula, junto com a sociedade, construa um Plano Nacional de
Reforma Agrária. A terceira frente é a mudança do modelo agrícola: é
necessária uma inversão desse modelo, voltando a agricultura para o
abastecimento interno, o que requer uma série de políticas públicas. Outra
frente importante é o combate permanente aos transgênicos. Na minha opinião,
ainda nesses quatro anos, é possível o governo avançar numa quinta frente: a
delimitação do tamanho máximo das propriedades. É necessário que o governo
trabalhe essa lei, que está tramitando no Congresso Nacional.
Além dessas frentes, é
importante garantir que nenhum camponês continue analfabeto, a
escolarização, a saúde, a energia elétrica, enfim, levar o desenvolvimento
para os pequenos agricultores do interior do país. É preciso elevar o padrão
de vida dos pequenos agricultores e a capacidade organizativa e de
consciência do nosso povo.
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