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A ordem social no Brasil é injusta, violenta e desigual. Trata-se de um fato secular que todos reconhecem. Não há como negar a contundência de tão triste realidade. No entanto, observa-se a ocorrência de um claro enigma, quase um paradoxo. Sempre que qualquer segmento social procura se organizar, política e democraticamente, para lutar contra a injustiça, a violência e a desigualdade, pode estar certo, ele será visto como um perigoso estorvo. Veja, para exemplo, o caso do MST. Ele está de novo na pauta dos jornais, sempre apontado como presença ameaçadora. Pudera. Não se pode admitir que, ali onde imperam as condições mais difíceis, os trabalhadores operem prodígios na luta pela sobrevivência. Uma organização solidária, onde a dignidade dos despossuídos se restaura na luta política coletiva, é uma afronta aos valores da ordem dominante. Segmentos populares mobilizados, protagonistas ativos da política, lutando para mudar a estrutura social injusta, são um exemplo perigoso. Imaginem se essa moda pega. Ninguém segura o processo de mudança. A tentativa recorrente em demonizar, isolar, destruir aquele que é, reconhecido internacionalmente, o mais importante movimento social brasileiro decorre daí. Afinal, a estrutura dominante conhece os pilares nos quais se sustenta. A ordem injusta não é castigo de Deus, nem obra da natureza, mas uma construção social e política meticulosa. Ela não é neutra. Há os que ganham muito com ela. Eles são poucos, mas muito poderosos. E trabalham o tempo todo para conservar e reproduzir seus privilégios. E, infelizmente, o padrão de política dos donos do poder no Brasil foi forjado na imagem do latifundiário. Senhor de baraço e cutelo, dono de gado e gente, que só admite nos de baixo a postura suplicante. Oswald de Andrade, um dos grandes do nosso modernismo, definiu com precisão essa mentalidade dominante. O poema está em “Poemas da Colonização”, chama-se “Senhor Feudal” e diz o seguinte: “Se Pedro Segundo/ vier aqui/ com história/ eu boto ele na cadeia”. Simples, curto e certeiro. Aqueles que sempre dominaram a economia, sempre controlaram os aparelhos ideológicos de comunicação de massas, sempre aspiraram e sempre conseguiram colocar os governos – todos os governos – a seu serviço. Os donos do poder reservam para o governo o papel de guardião da ordem social injusta. Desta vez, porém, pode ser diferente. Apesar do imenso aparato de poder e controle ideológico posto a serviço dos de cima, fala mais alto a gravidade do conflito social que se espraia no campo. O remédio mais eficaz para acabar com a violência no campo – e também nas cidades – é a reforma agrária. A maioria apóia, está na ordem do dia faz muito tempo e, tudo indica, agora também está na pauta do novo governo. A solenidade que reuniu, no Palácio do Planalto, o presidente da República e os líderes do MST é um fato auspicioso. Causa tanta celeuma exatamente por se situar na contramão da ideologia dominante. Contrariando o hábito construído em séculos de latifúndio, o governo não tomou assento entre os que têm medo do MST.
Léo Lince, sociólogo, é militante do partido dos trabalhadores e de organizações e movimentos sociais.
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