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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
conseguiu, em dois gestos rápidos, provocar grande polêmica entre os setores
mais conservadores da sociedade brasileira. Anteontem, ao receber lideranças
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Lula vestiu o boné
com emblema do movimento e a inscrição "Por um Brasil sem latifúndio" e
ofereceu uma castanha a um dos sem-terra presentes.
Foi o bastante para causar uma grita
generalizada. Líderes tucanos e políticos do Partido da Frente Liberal foram
os primeiros a reclamar: disseram que a atitude do presidente de receber os
sem-terra era uma "afronta à democracia" e que ele, ao vestir o boné, havia
"tomado parte" nos conflitos de terra que atualmente pululam no país.
Uma análise mais detida dos fatos mostra que,
se afronta à democracia houve, partiu justamente dos afoitos oposicionistas,
que, talvez pela falta do que fazer frente a um governo que lhes roubou a
agenda e está realizando aquilo que PSDB e PFL não conseguiram em oito anos
de parceria no governo federal, tentam agora reviver uma retórica histérica
e um tanto fora de moda, lembrando a direita civil que, nos anos 60,
conseguiu, a um só tempo, jogar o país no mais longo período discricionário
da história republicana e alijar-se do jogo político. Para ser mais claro,
quem teve a oportunidade de assistir aos discursos de Arthur Virgílio (PSDB)
e José Carlos Aleluia (PFL) esteve diante de uma versão (muito) mediocrizada
do falecido deputado Carlos Lacerda, o conspirador que terminou cassado pelo
golpe militar que fomentou.
Voltando ao Brasil do século 21, o presidente
Lula não fez mais do que a obrigação ao receber as lideranças sem-terra. À
diferença de seus antecessores na presidência, Lula reconhece a legitimidade
dos movimentos sociais. Já recebeu comissões de representantes dos
indígenas, dos negros, dos homossexuais, de sindicatos dos trabalhadores e
entidades patronais etc. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ao
que se saiba, ainda não é ilegal, como seria o desejo dos neo-lacerdistas
Aleluia e Virgílio. Ao contrário, o MST, ao lado da Contag, tem
credibilidade, inclusive internacional, para representar os trabalhadores
rurais brasileiros e não se cansa de arrebanhar prêmios de organizações que
se dedicam a promover os direitos humanos no planeta.
Os conservadores também ficaram arrepiados
com os gestos do presidente durante a reunião. Para esta parcela da
sociedade brasileira, o chefe de Estado pode até inventar um projeto como o
Fome Zero - que não por acaso está perdido nos meandros da burocracia
estatal -, mas não pode jamais esboçar o simbólico gesto de dar o pão a quem
tem fome. Foi o que Lula fez ao colocar a castanha na boca do sem-terra
Egídio Brunneto.
A
outra manifestação que causou urticária nos neo-lacerdistas é simplesmente
risível. Quando o presidente colocou na cabeça o boné da Ford, durante uma
visita à fábrica, nem a Volkswagen reclamou. Agora, quando vestiu o do MST,
"está tomando parte" no conflito de terra. Além de ridículo por tão
despropositado, o argumento conservador ignora solenemente que o programa
com o qual Lula foi eleito dizia com clareza que o seu governo promoveria a
reforma agrária e procuraria acabar com a extrema desigualdade social no
campo. Um Brasil sem latifúndio não é meta só do MST, mas também do
presidente.
O boné
que Lula vestiu só cai mal a quem ainda enxerga o Brasil como um grande
loteamento, gente que preferia estar no tempo das capitanias hereditárias:
naquela época, pelo menos, os sem-terra não tinham movimento.
Luiz Antonio Magalhães é editor-assistente do
Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br).
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