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Frei Betto
Não é o boné do MST na cabeça do presidente
da República que deveria causar tanto ruído, mas a existência do latifúndio
num país de dimensões continentais como o Brasil, onde mais de 4 milhões de
famílias foram expulsas de suas terras nos últimos 30 anos. Hoje, 1% dos
proprietários rurais detém 44% das terras cultiváveis do país. Assim como
fomos o último país das três Américas a abolir oficialmente a escravidão,
passaremos à história com mais este débito, o de ser o último a realizar a
reforma agrária.
O MST é um movimento legítimo que encarna uma
causa justa. Jamais apelou à violência, embora tenha cometido abusos, como a
invasão do sítio do ex-presidente FHC, em Buritis (MG). Mas nunca se viram
militantes armados e encapuzados, como as milícias de jagunços contratados
por latifundiários. Os métodos do MST são pacíficos e seguem a mesma
inspiração da desobediência civil das lutas de Gandhi na África do Sul e na
Índia, e de Martin Luther King, nos EUA.
O governo Lula jamais deixará de dialogar com
todos os setores da sociedade brasileira, incluindo os movimentos sociais. E
agirá, sem relutância, em defesa da lei, igual para todos. Porém, o que mais
preocupa o governo não são as repercussões políticas de um boné, mas o
latifúndio, as terras improdutivas, as famílias acampadas e assentadas. Daí
o Fome Zero, que já atendeu mais de 600 comunidades de sem-terras,
investindo R$ 6,7 milhões em cestas básicas, e o empenho na reforma agrária.
A partir deste mês, ficam liberados para a
safra 2003/2004 R$ 5,4 bilhões. Da agricultura familiar o governo comprará,
ainda este ano, R$ 400 milhões em arroz, feijão, mandioca, milho e trigo.
Cada família poderá vender ao governo até R$ 2,5 mil em alimentos. Para os
beneficiários do Pronaf, a taxa anual de juros variará de 1% a 7,5%. E o
pequeno produtor do semi-árido, que tiver perda de 50% ou mais na safra de
milho, arroz, feijão, mandioca e algodão, já tem direito ao seguro-safra, no
valor de R$ 475,00.
O plano nacional de reforma agrária está
sendo formatado pelo governo Lula, com a participação de todos os segmentos
interessados. No futuro, a nação, agradecida, haverá de tirar o boné para o
modo como este governo trata a questão fundiária. E o MST será, como os
quilombos, parte da história do passado. Porque já não haverá muitas terras
para pouca gente, nem muita gente para poucas terras.
Frei Betto é coordenador, junto com Oded Grajew, da Mobilização Social
do Programa Fome Zero e autor de "Por que nós, brasileiros, dizemos Não à
guerra" (Planeta), coletânea enriquecida por Ana Maria Machado e Joel
Birman, entre outros.
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