Queda nos
desmatamentos?
Rodolfo Salm
“Desmate cai 95% na
Amazônia no mês de junho”, anunciou a Folha de São Paulo no dia 17.
A manchete surpreendente, quando se sabe que é crescente a
devastação na região, deriva do desenvolvimento de sistemas de
detecção de desmatamentos que utilizam imagens de satélite para
acompanhar a destruição mês a mês. A aplicação da técnica
possibilitou a comparação favorável dos 10.017 km2 de florestas
destruídas em junho do ano passado, com os 531 km2 desmatados no
mesmo período deste ano.
O diretor de florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Tasso
Rezende de Azevedo, listou como possíveis causas para a redução,
além da queda no preço da soja, uma suposta reação aos números do
desmatamento de 2004 e operações de fiscalização e repressão aos
desmatamentos. Ele espera que os dados ajudem a aprovar, nos
próximos dias, no Senado, o Projeto de Lei da gestão de florestas
públicas, criticado por Rogério Grassetto Teixeira da Cunha em uma
série de artigos ao Correio da Cidadania (edições 450 a 456) onde
demonstrou que o PL tem problemas fundamentais e deve não só não
frear, mas também contribuir para acelerar os desmatamentos na
Amazônia.
Em 2000, participei como representante do Projeto Pinkaití do “IV
Encontro de Manejo Florestal Comunitário”, realizado em Boa Vista do
Ramos (AM), e voltei assustado com falta de discussão dos
pressupostos ecológicos dos planos de manejo e a ênfase do encontro
nas estratégias de mercado, marketing de madeira e fontes de
financiamento. Tal acontecimento levou-me a dar início a uma série
de artigos para o Correio, sendo o mesmo Tasso Azevedo quem tomou as
dores dos madeireiros. Respondeu ao meu primeiro artigo a este
jornal (edição 220) com o indignado “Manejar para conservar” (edição
222), defendendo a “vocação florestal” da Amazônia e exaltando a
importância, para a conservação da floresta, da “produção” de
madeira, entre outros serviços e produtos como “resinas, frutas,
cascas, óleos, sementes, turismo, conservação d’água e fixação de
carbono”.
Revoltou-me em seu texto a idéia de misturar a exploração da madeira
(o ponto cervical da questão) com uma enumeração de indústrias
extrativistas inofensivas contra as quais não pesa a mínima
discordância, quando tratei especificamente da madeira, e não de
“açaí, castanha-do-pará, buriti, copaíba e arumã”. É a estratégia da
confusão, que logo verifiquei ser típica dos manejeiros—uma técnica
falaciosa e barata de caracterizar falsamente o adversário como
sendo contrário a uma postura praticamente consensual e inatacável.
Desta forma, a pessoa atacada é desmoralizada e seus argumentos
parecem indefensáveis e anacrônicos.
Tasso foi rápido na conclusão de que espera que esta redução pontual
nos desmatamentos deva ajudar na aprovação do PL da gestão de
florestas públicas (aliás, na situação oposta, quando os
desmatamentos crescem, o aumento também é argumento a favor do PL).
Ele usa novamente da estratégia de confundir ao sugerir que não são
claras as causas da “redução inesperada”, como sugere o sub-título
da matéria “Governo e ONGs ainda tentam explicar queda abrupta da
taxa de destruição”. Mais uma vez mistura o ponto fundamental — uma
queda de mais de 30% no preço da soja! — com fatores menores, mas
que seriam positivos para o governo, como as tais reações à recente
cifra de desmatamentos ou melhoras na fiscalização.
“O desafio agora é manter esses efeitos”, concluiu. Claro, mas como
fazê-lo se, na visão do diretor de florestas, a redução pode ser o
efeito de fatores absolutamente distintos? Uma coisa seria manter a
política atual e os sistemas de fiscalização na Região Amazônica e
outra bem diferente é conter a expansão do agronegócio. Dada a força
da área econômica no governo, o incentivo constante aos sucessivos
aumentos de produção e exportação de grãos e carne e a necessidade
destes números para a propaganda desenvolvimentista, é bastante
previsível que o efeito da queda no preço da soja seja algo
extremamente temporário. De toda forma, não importa, porque de um
modo ou de outro a proposta de Tasso e o seu grupo no MMA para a
preservação da Amazônia é aprovar o projeto de lei que entrega, de
bandeja, aos madeireiros, uma parte substancial da floresta.
O desenvolvimento das técnicas de monitoramento por satélite nos
permite acompanhar de perto os desmatamentos, mas não resolve o
problema de como contê-los, se suas causas fundamentais não são
reconhecidas, pois conhecidas já são há muito tempo daqueles
interessados na defesa das matas. Quando o nível de investimentos
desaba, vem a estagnação, o desemprego e muitas outras mazelas. Mas
algumas coisas melhoram, como o trânsito, a poluição e até mesmo o
desmatamento. Assim como as bolsas de valores que ora fecham em
alta, ora em baixa, os desmatamentos em tempo real também serão
altos ou baixos de acordo com os humores do clima e do mercado. A
diferença é que enquanto a economia cresce, em maior ou menor
velocidade, a floresta só tende a diminuir.
Rodolfo Salm, doutor em Ecologia e Recursos
Naturais pela Universidade Federal de São Carlos, é pesquisador do
projeto Pinkaiti Aldeia A’Ukre.
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