Correio da Cidadania - Colunistas - Fábio Luís


MST e Lula

Fábio Luís


Almoçando com uma liderança do MST, pergunto-lhe os argumentos para o movimento defender voto em Lula no 2o turno.

- Primeiro tem a questão das privatizações. O governo Lula parou e o Alckmin retomaria com tudo.

Penso comigo que este não é um argumento sólido. Embora não acompanhe de perto o assunto, sei que, ao menos na Petrobras, diversas privatizações veladas foram levadas a cabo. Sei também que na previdência houve movimentos favorecendo o setor privado. Para não falar nas PPPs – parcerias público-privadas, forma de converter a responsabilidade pública em negócio particular.

Se o governo Lula não privatizou mais é porque não sofreu suficiente pressão e encontrou caminhos alternativos mais discretos. Para fazer uma analogia, é como os Estados Unidos, que esfriaram a Alca porque partiram para tratados bilaterais no modelo TLC com meio continente.

- Depois tem a questão internacional. O Lula, com o Chávez, Fidel, o Evo Morales e mesmo o Kirchner, muda a correlação de forças no continente.

Muda não. É evidente que há melhor trânsito de comunicação e negociação entre estes mandatários do que, por exemplo, com Uribe na Colômbia. Mas isto não se traduz em alguma articulação alternativa efetiva no plano internacional. Para fazer outra analogia, é como a relação do governo Lula com os movimentos do campo: é mais fácil conversar, mas a reforma agrária não avança um palmo.

Percebendo que os argumentos se esgotaram, suspirei:

- Gostaria tanto de ser convencido a votar no Lula, mas não está dando...

Então a mulher se levantou, os olhos vivos faiscando, e disse com muita energia:

- Olha, pode ser que não vá mudar nada um e outro. Mas entre viver mais uns anos ou viver mais seis meses, eu escolho viver mais uns anos!

Então respondi:

- Ótimo! – tá aí um argumento mais convincente.

Não mudei de opinião, mas acho que neste plano a discussão é mais transparente. O voto em Lula se mostra indefensável como parte de uma estratégia de transformação social de esquerda. Não há retórica que esvazie o conteúdo sumamente conservador de seus mandatos, que se faz tanto mais nocivo quando revestido de um discurso de esquerda. Procura manter assim as forças de esquerda em um seqüestro: criticá-lo é “fazer o jogo da direita”, um raciocínio que mascara a realidade de que atualmente é precisamente este o jogo da direita.

No entanto, se os movimentos do campo têm uma análise de que a vitória de Alckmin desencadearia uma onda repressiva com força para esmagá-los, é mais compreensível a sua atitude. Não vivo o seu cotidiano e é temerário fazer prognósticos quando a vida em jogo não é a sua. Mas me parece improvável que a atitude de Alckmin no governo federal seja muito diferente de seus 8 anos em São Paulo – ou de Fernando Henrique anteriormente. É uma postura de hostilidade indisfarçada, mas que não se traduz em extermínio: é uma pressão que combina elementos econômicos, jurídicos e midiáticos buscando sufocar o movimento. Certamente é ruim, mas não é novo ou desconhecido.

Do ponto de vista da revolução brasileira, o preço a pagar pelo conjunto da esquerda por uma lufada de ar que será passageira para os movimentos do campo (pois a eleição seguinte certamente verá o triunfo desta temida direita) é excessivamente alto. Votar em Lula é aceitar o jogo do seqüestro: significa que não foi completado o sepultamento do PT pelo conjunto dos militantes. Isto é nocivo porque congela forças que seriam essenciais mobilizar para avançar na construção do novo, que só se faz na superação do velho.

É como o homem que se separa de um casamento. Enquanto não esquece a ex-mulher completamente, não se envolve profundamente em outra relação.

O risco envolvido em uma “recaída” com a ex neste segundo turno é grande. Um desastre ainda maior no segundo mandato é certo. Seu ônus será sentido pelo conjunto da esquerda nas décadas por vir. Quem não quer viver de flerte impossível, mas pretende construir relação sólida e duradoura, fértil para o futuro, não pode cultivar um pingo de apego a um amor passado que já não lhe quer mais.

 

Fábio Luís é jornalista.

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