Correio da Cidadania - Internacional

O fim da Era Saddam (1)

Mário Maestri
 
O Correio publica, a partir desse número, uma série de quatro artigos do historiador Mário Maestri, avaliando a atual situação do Iraque a partir de uma análise histórica da região. Nesse número, Maestri escreve sobre a Revolução de 1958 e o nascimento do Iraque Moderno. Nas próximas edições, serão abordos a crise da Revolução e a ascensão de Saddam Hussein; as guerras do Golfo e a ocupação do Iraque pelos EUA; e, finalmente, os motivos pelos quais Bush mandou enforcar Saddam Hussein.
 

A Revolução de 1958 e o nascimento do Iraque Moderno

Após a I Guerra Mundial, as atuais Argélia, Síria, Egito e Iraque, antigas províncias semi-autônomas do império otomano, tornaram-se colônias e protetorados franceses e ingleses. Sob o tacão inglês, devido à resistência popular, o governo do Iraque foi entregue a Faisal, soberano subserviente que favoreceu os chefes tribais e religiosos e os grandes comerciantes de Bagdá, Bássora e Mossul. Em 1927, a inglesa Iraq Petroleum Company iniciou a exploração do petróleo iraquiano.

A Revolução Russa impulsionou o nascimento do movimento nacionalista e comunista iraquiano. Em 1933, Ghazi, sucessor de Faisal, assumiu o trono, opôs-se aos ingleses, conclamou o povo do protetorado do Kuwait a reunir-se ao Iraque; morreu, em 1939, em acidente suspeito. O regente Abdul-Ilah foi entronizado no governo pelos ingleses. Em 1941, primeiro-ministro nacionalista aproximou-se da Alemanha e os britânicos impuseram a volta de Abdul-Ilah. Após a invasão nazista da URSS, Moscou determinou que o Partido Comunista Iraquiano abandonasse a luta anti-inglesa.

Em 1943, intelectuais sírios fundaram o partido Baath – Renascimento –, nacionalista, laico e pan-árabe, com muito sucesso na Síria e pouco no Iraque. Em 1948, no início da Guerra Fria, concessões de Abdul-Ilah aos ingleses ensejaram revolta popular e massacre de comunistas. Em 1955, o regente rompeu relações com a URSS e subscreveu o pacto de Bagdá, com a Inglaterra, EUA, Turquia, Paquistão, que entregava o petróleo e bases militares aos britânicos. Em 1956, no Egito, o coronel Nasser nacionalizou o canal de Suez e enfrentou intervenção anglo-franco-israelense, que galvanizou o nacionalismo pan-árabe.

A vitória da URSS na II Guerra e o nasserismo influenciaram o exército iraquiano, formado por soldados e oficiais de todas as regiões, povos e crenças do país. Oficiais nasseristas das classes médias e populares formaram o movimento Oficias Livres, enquanto o Partido Comunista Iraquiano organizava soldados, sub-oficias e oficiais. Em 1958, Nasser e baathistas no governo da Síria fundavam a República Árabe Unida como primeiro passo da unidade pan-árabe, a fim de opor-se ao imperialismo e ao avanço comunista na região.

Em 14 de julho de 1958, com o apoio de Nasser e do Partido Comunista Iraquiano, sob o comando do coronel Aref e do general Qasin, os Oficiais Livres proclamaram a República. Na época, o Baath iraquiano teria apenas uns mil militantes. A família real foi executada e a população tomou as ruas de Bagdá, derrubando a estátua de Feisal, fundador da dinastia odiada.

Impulsionada pela população, a revolução iraquiana nacionalizou parcialmente o petróleo; limitou a propriedade da terra; taxou os altos rendimentos; diminuiu os aluguéis; tabelou os preços; regulou a jornada de trabalho; iniciou a educação pública e gratuita das crianças pobres de ambos os sexos; reconheceu direitos à mulher; construiu o bairro popular a “Revolução”, em Bagdá. Sob a nova ordem, o país progrediu rapidamente.

Muito logo o bloco revolucionário dividiu-se. O coronel Aref e Michel Aflaq, dirigente do Baath, defendiam a integração do Iraque à RAU. O general Qasin, chefe do governo, e os comunistas propunham pan-arabismo com autonomia nacional. Em 11 de setembro de 1958, apoiado pelos comunistas, o general Qasin afastou os baathistas do governo. No ano seguinte, incentivados por Nasser, insurreições de militares baathistas foram reprimidas com o apoio das milícias populares comunistas.

O apoio popular aos comunistas crescia com o refluxo da revolução. O general Qasin aproximou-se das classes proprietárias e dos EUA, fracassando em ofensiva anticomunista. Em inícios de 1959, a crise era tamanha que a direção do PCI discutiu a conquista do poder para impor as reformas populares. Próxima de Nasser, a direção soviética exigiu que o PCI desmobilizasse as massas e se subordinasse ao governo antipopular do general Qasin.

 

Mário Maestri é historiador e professor do PPGH da UPF.

Email: maestri@via-rs.net

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