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O açaí em alta

Rodolfo Salm

Consórcios em larga escala de açaí, com outros cultivos ou com a floresta, em sistemas agro-florestais voltados ao sustento de populações locais e à recuperação de áreas degradadas, poderiam tanto atender à demanda do fruto para exportação, quanto conter a elevação do seu preço no mercado interno, além de ajudar a preservar a floresta e recuperar o que já foi perdido. Seriam, assim, uma alternativa racional à monocultura da soja, à pecuária e à extração desenfreada de madeira.

 

O preço do açaí, que acusou um aumento de quase 15% nos últimos 30 dias em Belém, é um assunto muito sério na cidade. Uma pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) em 15 pontos diferentes de vendas, das feiras livres aos supermercados, mostrou que o litro do açaí, que era comercializado em média a R$ 4,41, passou a R$ 5,03. A amplitude desta variação explica-se principalmente pela característica sazonal da oferta de frutos, que diminui na época mais chuvosa do ano. Mais grave é a constatação de que, se comparado ao mesmo período de alta de preços do ano passado, houve uma elevação de 5,45%. O absurdo, lembrou o diretor técnico do Dieese, Roberto Sena, é que há menos de dez anos o litro do açaí custava apenas R$ 1. A explicação para tamanha alta do açaí é muito simples: a demanda do fruto por consumidores de todo o Brasil e do mundo cresceu absurdamente nos últimos anos e não foi acompanhada por um aumento equivalente na oferta.

Nascido e criado fora da região amazônica, só ouvi falar de “açaí” já adolescente, nos anos 80, através da música do Djavan, “açaí, guardiã, zum de besouro, um imã, branca é a tez da manhã”, que, convenhamos, não nos dá uma idéia muito clara da palmeira que produz o fruto, apesar da poesia da letra. Acho que, mais ou menos na mesma época, os surfistas do Rio de Janeiro descobriram o seu valor energético. Meio litro de açaí tem cerca de duas mil calorias, quase o suficiente para suprir as necessidades energéticas que uma pessoa adulta necessitaria em um dia inteiro! Adicionando mel, amendoim, granola e guaraná, como fazem os surfistas, transformam-se em verdadeiras bombas calóricas.

Infelizmente, o açaí tem uma decomposição extremamente rápida. Para se ter uma idéia, a validade do caldo, mesmo se mantido na geladeira, é de apenas um dia. O congelamento, por outro lado, necessário para aumentar a durabilidade do produto e permitir seu transporte, compromete sua textura e sabor. O resultado é que o caldo que se toma fora da região amazônica, a área de distribuição natural dos açaizais, é azedo (por causa da decomposição) e não tem nem de longe o sabor do caldo fresco que se consome por aqui. Daí a necessidade de misturá-lo com esta parafernália toda nas outras regiões do país, em detrimento do consumo do caldo fino, diluído em bastante água, a minha modalidade preferida. Com farinha ou sem farinha, com ou sem açúcar, de manhã, no almoço com o peixe ou no jantar — a preferência de cada um na hora de tomar o açaí é um dos assuntos prediletos dos belenenses (os mais tradicionais e puristas orgulham-se de tomá-lo com farinha e sem açúcar, tal como os índios).

A nova demanda por açaí nos EUA e outros países industrializados e não-tropicais é impulsionada por campanhas publicitárias que vendem o açaí como o novo “fruto maravilhoso da Amazônia”. Não é para menos. Pesquisas recentes mostraram que a antocianina é encontrada no açaí em uma concentração 30 vezes maior do que no vinho. Esta substância é um poderoso antioxidante, também presente na uva, que combate os radicais livres associados ao câncer e ao envelhecimento precoce, além de não deixar o colesterol aumentar e formar as placas nas artérias, controlando assim doenças cardíacas. Além disso, potássio é um mineral abundante no açaí (o que talvez também ajude a explicar a predileção dos surfistas, já que a substância ajuda a evitar câimbras), que também é tão rico em cobre e magnésio que apenas uma pequena porção dos frutos fornece mais do que as necessidades fisiológicas diárias destes três minerais. Porém, nestes destinos distantes, comerciantes inescrupulosos freqüentemente misturam pequenas quantidades de açaí verdadeiro, em pó ou extrato, a conservantes, aromatizantes e sabores artificiais, produzindo litros e litros de caldo. Certamente uma porcaria com gosto (e propriedades) bem distante do natural.

A esta altura, o leitor já pode estar se perguntando o por quê daquele aumento do preço do litro açaí em Belém, e da existência do “açaí batizado” (que só leva um pouquinho do fruto), se há tantas terras desmatadas na Amazônia adequadas para o seu cultivo em níveis mais que compatíveis com as demandas de consumo interno e de exportação. E a explicação, imagino, é tão simples quanto cruel: açaizais começam a frutificar cerca de cinco anos depois de plantados e outros tantos anos ainda são necessários até que se tenha uma produtividade comparável a açaizais naturais ou cultivados estabelecidos. Infelizmente, este parece ser um horizonte distante demais para o típico capitalista do agro-negócio, que é capaz de plantar e colher até duas safras de soja por ano.

Escrevendo sobre as palmeiras do Novo Mundo em 1871, Richard Spruce, célebre botânico inglês, estudioso da flora amazônica e dos costumes dos povos que habitavam essa região, definiu o açaí como uma das bebidas favoritas de seus habitantes de todas as “castas e cores”. Passados 136 anos, o fruto da palmeira jussara, que era aos olhos dos europeus e norte-americanos um exotismo distante da América do Sul, tornou-se uma estrela do mercado internacional de alimentos super-saudáveis. Por outro lado, lamentavelmente, o açaí é um produto cada vez menos acessível para a população mais carente das grandes cidades amazônicas.

Consórcios em larga escala de açaí, com outros cultivos ou com a floresta, em sistemas agro-florestais voltados ao sustento de populações locais e à recuperação de áreas degradadas, poderiam tanto atender à demanda do fruto para exportação, quanto conter a elevação do seu preço no mercado interno, além de ajudar a preservar a floresta e recuperar o que já foi perdido. Seriam, assim, uma alternativa racional à monocultura da soja, à pecuária e à extração desenfreada de madeira, três dos principais vetores do desmatamento. E seriam mais lucrativos também a médio e longo-prazo, ou infinitamente-longo-prazo, aos olhos míopes dos nossos grandes agro-investidores.

O fazendeiro latifundiário é incapaz de se dispor a esperar os anos necessários para a produtividade das palmeiras, mas há uma multidão de pequenos agricultores (os principais responsáveis pela produção e extração atual de açaí) que o fariam com bastante entusiasmo se tivessem mais acesso a terra, assessoria técnica e financiamento.

 

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

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