Correio da Cidadania

2022: não é hora de falar de golpe, nem de Alckmin

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Foto: Divulgação/ Diário de Goiás.

2022 poderá ser outro ano de mais do mesmo no Brasil. Apesar da agitação bolsonarista, a crise socioeconômica continua e se generaliza. Apesar da desesperança popular, os atores políticos tradicionais oferecem aos trabalhadores velhas soluções, como se dá com a nostalgia do neodesenvolvimentismo lulista – a Terceira Via é só uma roupagem nova para o velho neoliberalismo. Sendo ano eleitoral, os discursos mentirosos prevalecerão sobre a verdade da revolta popular que irrompe pelas frestas da institucionalidade burguesa.

Bolsonaro voltará a acionar suas bravatas golpistas para bagunçar as eleições e esconder sua iminente derrota, mas até comentaristas lulistas já reconhecem que o presidente voltou a ser quem sempre foi: um político fisiológico do Centrão. Ele esperneia e ladra bastante, mas sempre se curva ao Judiciário.

O desgoverno federal segue imitando políticas públicas dos anos petistas, objetivando recuperar alguma popularidade. Este fenômeno da emulação do lulismo pelo bolsonarismo finalmente vai sendo visibilizado por analistas progressistas, que tendem a ocultar tais fatos para manter a polarização intraburguesa nos termos da enganosa dualidade ‘fascismo x anti-fascismo’ que estaríamos a viver.

Essa mutualidade entre populismos de “esquerda” e de direita revela o que os une: uma afiliação ideológica nacionalista um tanto forçada que busca esconder as afinidades do lulismo e do bolsonarismo com o liberalismo. Mas nem de longe o primeiro é puramente neoliberal, nem o segundo “ultraliberal”. A caracterização equivocada a respeito do atual governo se dava por conta de Guedes, já humilhantemente enquadrado pelo Centrão, chegando ao ponto de fazer uma demagogia antiliberal com o FMI.

O “ultraliberalismo” bolsonarista não é verificável empiricamente, seja pela lentidão nas privatizações e contrarreformas, seja pelas peculiaridades da imagem carismática elaborada para Bolsonaro. Ao contrário de Trump, pintado como um empresário feroz pelo marketing da extrema-direita estadunidense, o genocida brasileiro se vende como um vagabundo, um bon-vivant que vive de férias – sem dúvida uma propaganda involuntária, mas falsa (por óbvio), do serviço público. Como já alcunham depreciativamente, Bolsonaro é o “presidente CLT”: fala mal de direitos trabalhistas mas faz questão de gozá-los ostensivamente. A aversão da familícia ao trabalho é o oposto da ideologia da meritocracia privada e do capitalismo de plataforma, com suas jornadas laborais extenuantes e desregulamentadas.

Também não é real o conservadorismo de Bolsonaro, apenas mero instrumento de mobilização nas guerras culturais de hoje em dia. Seu pentecostalismo é de encomenda. Inexiste apreço dele à arte clássica ou tradicional (seja lá o que isso signifique) – caso contrário não estaria dançando funk numa lancha no final de 2021, para incômodo de quem posa de conservador. O reacionarismo de Bolsonaro, assim como o de Trump e de outros líderes da decadente extrema-direita planetária, é artificial. Tem sentido e eficácia temporária na esfera político-eleitoral, mas nenhum liame orgânico ou genuíno com a economia capitalista globalizada e com a cultura pop nacional e internacional, onde reinam Anitta, Marília Mendonça, as irmãs trans Lili e Lana Wachowski, Leonardo DiCaprio e outras expressões sociais progressistas que constrangem o populismo de direita mundo afora.

Da mesma forma, em geral os neoliberais, progressistas ou não, combatem a extrema-direita: a Suprema Corte dos EUA, ainda que com a maioria conservadora consolidada por Trump, decide seguidamente contra o movimento anti-vacina. A burguesia internacional é pró vacina, isto é, anti negacionista: não por acaso, na América Latina o primeiro país a impor a obrigatoriedade das vacinas contra a covid foi o Equador sob governo neoliberal.

O fato é que o caráter errático e patético de todo desgoverno de extrema-direita nas Américas (de Trump a Bolsonaro) favorece toda sorte de progressismos burgueses, apresentados ou não como de esquerda. Foi assim que Biden ganhou, é deste modo que Lula poderá ganhar neste ano. Assim como o lulismo em crise promoveu a emergência do bolsonarismo entre nós, a fraqueza do populismo de direita reempodera prematuramente populistas de “esquerda”, social-democratas e reformistas em geral. A destruição indolente perpetrada pelo suposto fascismo do séc. XXI quando conquista o poder estatal burguês aponta para a imediata inviabilidade, na sociedade civil, de movimentos fascistas reais e duradouros – cuja efetividade, de resto, é muito questionável nas sociedades da periferia do capitalismo.

A diferença fundamental, nesses e em outros casos, reside sempre na potência dos movimentos sociais autônomos das classes subalternizadas: quanto mais mobilizados, maiores as chances de conquistas para os mais pobres – como no Chile com a vitória de Boric (ao menos até agora). Não é o caso do Brasil, onde o apassivamento das entidades sindicais e populares pelo lulismo permite mesmo que a burocracia dirigente do PT avance na desconstrução da narrativa progressista de que o impeachment de Dilma foi um golpe, ilusão que tanto encantou intelectuais acadêmicos, militantes de internet e demais áulicos lulistas, e que tão oportunamente foi manejada pela realpolitik petista. Muitos deles já engolem Alckmin como vice de Lula sem problemas. Outros – da Articulação de Esquerda no PT à Resistência no PSOL – simulam enjoos mas acabarão saboreando o previsível reencontro com os “golpistas” de 2016: pois a função política da “esquerda” petista e da direita psolista é passar pano para Lula governar com o Centrão e o conservadorismo.

Para sair desse enrosco de caminhos interditados para a emancipação dos trabalhadores, é necessário que a esquerda do PSOL, a pré-candidatura presidencial Glauber Braga, a Frente Povo na Rua, o Polo Socialista e Revolucionário e a CSP-Conlutas se mantenham firmes no privilegiamento militante da reconstrução dos movimentos sociais e sindicais no Brasil. Apenas com um campo popular independente do lulismo teremos uma esquerda renovada e poderemos pensar em “projetos para o Brasil”.

Marco Antonio Perruso é professor e sociólogo.

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