Correio da Cidadania

O impasse de Putin

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A semana encerrou-se com a expectativa de que os dois contendores se fortaleçam nos campos de batalha: de um lado, a Ucrânia no aguardo do recebimento de armamento de grande porte nas próximas semanas como tanques de potências como Estados Unidos (EUA) e Alemanha enquanto a Rússia, do outro, com a substituição de comando, ao indicar o oficial-general de maior prestígio das forças armadas: Valery Gerasimov.

Na prática, o objetivo almejado por Moscou relativo ao distanciamento político de Kiev da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se frustra de maneira inexorável, à proporção que a intensificação do relacionamento da nação fronteiriça com ela se robustece por causa exatamente da confrontação nascida em fevereiro de 2022.

De início, a invasão russa no território vizinho aparentava desenrolar-se sem empecilhos de monta, a ponto de cobiçar a anexação de parte considerável do país, ou seja, cerca de um quinto da área, e, ao mesmo tempo, de derrubar o presidente Volodymyr Zelensky por considerá-lo afastado do ideário do Kremlin. Na função a datar de maio de 2019, ele seria substituído por dirigente russófilo, de perfil parecido, caso possível, ao do da Belarus, Alexander Lukashenko.

Se a conquista da região desejada pelo governo russo ainda se mantém em boa medida apesar dos percalços recentes, a meta de defenestrar o mandatário opositor já foi por água abaixo, uma vez que o desmesurado apoio interno, bem reduzido antes da investida, e internacional manifesto a ele desde o alvorecer do confronto.
Prestes a completar um ano do assalto, a Rússia encontra-se longínqua da perspectiva de vitória em breve, a não ser que houvesse a retirada do vultoso auxílio euroamericano à Ucrânia. Em face disso, o prolongamento da peleja poderia acarretar o apeamento de Vladimir Putin.

Na história moscovita, registrem-se ao menos seis grandes disputas no século vinte: na época monárquica, houve duas: a russa-japonesa de 1904 a 1905 e a de 1914 a 1917; na era comunista, ocorreram três, a civil de 1917 a 1923, a de 1939 a 1945 e a do Afeganistão de 1979 a 1989; na fase capitalista, uma, a da Chechênia de 1994 a 2009. Apenas duas delas não contribuíram para a derrocada dos governantes do período.

O imperador Nicolau II debilitou-se no conflito com o Japão, ainda que depois se recuperasse, mas com o próximo, de caráter planetário, abdicaria do trono, embora isso não evitasse seu assassínio e o da sua família. A monarquia se encerraria com o emergir de inédita revolução: a do comunismo.

Nos seguintes, os dirigentes Vladimir Lênin e Joseph Stálin sobreviveriam e até se revigorariam, porém o último, Mikhail Gorbachev, não resistiria por muito tempo e dois anos mais tarde haveria a extinção da União Soviética (URSS).

Na presente fase, a da democracia formal, Boris Yeltsin esmoreceria diante da fragmentação incessante do território outrora soviético e passaria o bastão após o fracasso com a guerra da Chechênia ao atual mandachuva, Vladimir Putin.

Conquanto uma derrota bélica em si não origine de modo subsequente a saída de um governante, ela pode contribuir para o entorpecimento, o qual, por sua vez, desemboque em liderança distinta. No caso do corrente mandatário, some-se a isso a continuidade da administração por mais de duas décadas, elemento adicional de desgaste, malgrado a tradição moscovita de duradouros timoneiros.

O recuo do Kremlin na rivalidade russo-ucraniana é crível, a despeito da improbabilidade de ocorrer no curto prazo. O constante auxílio do arco ameroeuropeu não desconsidera o fato de que o impasse militar pode consumir o prestígio do grupo de Vladimir Putin e ocasionar, assim, a alteração no comando do país.

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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