Correio da Cidadania

Enquanto o planeta arde, ativistas ambientais estão na mira

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Um enorme furacão no estado da Louisiana, incêndios florestais na Califórnia, na Grécia e no Brasil, inundações e deslizamentos de terra no sudeste asiático: os impactos cada vez mais devastadores da emergência climática são sentidos em todo o mundo. Somente os negacionistas mais ferrenhos do clima rejeitam as evidências científicas que apontam a atividade humana como a responsável por esses desastres. Negociações formais para abordar a crise estão em andamento, mas não ocorrem com rapidez suficiente. O planeta está em um ponto de inflexão, à beira de uma catástrofe climática acelerada por um ciclo de retroalimentação irreversível. Ativistas ambientais se manifestam cada vez mais por meio de protestos de ação direta não violenta para exigir mudanças. Muitos enfrentam processos judiciais, penas de prisão, agressões violentas e até a morte como represália.

Nonhle Mbuthuma, ativista ambiental sul-africana e ganhadora do Prêmio Goldman 2024, escreveu o prefácio do novo relatório da organização Global Witness, intitulado Vozes Silenciadas: A Violência Contra Defensores da Terra e do Meio Ambiente. No início do prefácio, Mbuthuma declara: “Hoje é minha vez, como defensora, de pressionar as elites do poder a tomarem medidas radicais que nos afastem dos combustíveis fósseis e nos conduzam a sistemas que beneficiem toda a sociedade”.

A Global Witness é uma organização não governamental internacional que investiga e expõe abusos contra o meio ambiente e os direitos humanos nas indústrias extrativistas, como mineração e combustíveis fósseis, além dos fortes laços políticos e financeiros relacionados a esses abusos.

Este último relatório da organização detalha os assassinatos e desaparecimentos de defensores da terra que ocorreram em 2023, revelando que 196 ativistas ambientais perderam a vida durante esse ano ao redor do mundo.

Laura Furones, consultora da campanha de defensores da terra e do meio ambiente da Global Witness, disse ao Democracy Now!: “Infelizmente, 2023 foi outro ano atroz para aqueles que defendem suas terras e o meio ambiente. [...] Estamos vendo níveis de violência sem precedentes em todo o mundo, que ocorrem com crescente frequência. Realmente tememos que isso se intensifique à medida que as consequências da crise climática se tornem mais evidentes”.

Em 2023, mais de 70% dos assassinatos ocorreram em quatro países: Brasil, Colômbia, Honduras e México. A Colômbia encabeça a lista como o país mais letal para quem se mobiliza em defesa da terra e do meio ambiente, com pelo menos 79 mortes, representando 40% do total de mortes registradas.

Durante a entrevista ao Democracy Now!, Furones acrescentou: “O caso da Colômbia é particularmente trágico. [...] Se olharmos todos os dados históricos que a Global Witness tem coletado desde que começamos a registrar casos em 2012, veremos que a Colômbia lidera consistentemente. Estamos falando de comunidades indígenas, como os povos Nasa e Nahua, e outros povos originários. Metade dos defensores da terra assassinados na Colômbia e, de fato, 49% dos ativistas ambientais mortos em todo o mundo são de povos indígenas e comunidades afrodescendentes”.

Furones explicou: “Isso não é uma coincidência. [...] A ciência nos diz claramente que os povos indígenas são especialmente bons em proteger as terras em que vivem. É por isso que os recursos naturais cada vez mais escassos do planeta, que continuamos a extrair, estão localizados em terras indígenas”.

A mineração é, de longe, a indústria mais ligada aos assassinatos e desaparecimentos de defensores da terra, e metade dessas mortes relacionadas ao setor ocorreram na América Latina. No entanto, como relata a Global Witness, os ativistas pela justiça climática e ambiental também enfrentam grandes riscos na África e na Ásia.

O relatório da Global Witness inclui uma morte de defensor da terra nos Estados Unidos em 2023. Trata-se de Manuel Esteban Terán, de 26 anos, conhecido como Tortuguita. Tortuguita foi morto pela polícia após ser atingido por 57 tiros enquanto protestava pacificamente contra a construção do centro de treinamento policial conhecido como “Cop City”, na cidade de Atlanta, estado da Geórgia, um projeto avaliado em dezenas de milhões de dólares. Até o momento, nenhum policial foi acusado pela morte de Tortuguita.

Embora as mortes de defensores da terra sejam raras nos Estados Unidos, ativistas ambientais na Europa Ocidental e na América do Norte enfrentam processos judiciais e severas condenações por participarem de mobilizações pacíficas.

Linda Lakhdir, diretora jurídica da organização Climate Rights International, disse ao Democracy Now!: “Em vários desses países ricos e democráticos, as sentenças impostas a quem se mobiliza contra as mudanças climáticas estão atingindo níveis extremamente repressivos. Estão sendo impostas penas de prisão muito longas. Há pessoas em prisão preventiva para impedi-las de participar de protestos. Usam canhões de água para dispersar manifestantes pacíficos e métodos dolorosos, como a chamada ‘torção de pulso’, para imobilizá-los. É realmente surpreendente como esses países, que se apresentam como símbolos do Estado de Direito, estão reprimindo o que são, basicamente, protestos pacíficos”.

A Climate Rights International investiga as consequências das mudanças climáticas para os direitos humanos, como detalhado no novo relatório da organização intitulado Na Corda Bamba: Respostas Desproporcionais a Manifestantes Contra as Mudanças Climáticas em Países Democráticos.

A próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, denominada COP29, será realizada em novembro, em Baku, capital do Azerbaijão. Assim como muitas cúpulas climáticas anteriores, esta ocorrerá em um petro-Estado ditatorial onde protestos são proibidos e não há liberdade de expressão.

O tempo está se esgotando e é fundamental avançar decisivamente em todas as frentes para prevenir os piores impactos da crise climática. Aqueles que lideram o movimento por um futuro sustentável deveriam ser elogiados, não perseguidos.

Amy Goodman é jornalista e editora do site Democracy Now, onde este artigo foi originalmente publicado.
Tradução: Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.

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