Correio da Cidadania

Os palestinos têm direito de defesa

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Bombas de Israel sobre Gaza já mataram 109 palestinos - PCdoB
Parece que o presidente Joe Biden acha que não. Em 5 de agosto, a aviação de Israel bombardeou o apartamento de Tayser-al-Jabariou, num bairro residencial de Gaza, matando esse comandante da Jihad Islâmica. Outros três apartamentos vizinhos também foram atingidos. Além de Tayser, mais alguns palestinos foram mortos, inclusive uma menina de cinco anos de idade (Middle East Eye - 7/8/2022).

Foi uma autêntica execução extrajudicial, ação criminalizada pelo Direto Internacional, que abre exceção quando o ataque evita um atentado a ponto de ser praticado pelo inimigo.

Israel alegou que fora exatamente esse o caso. Mas não apresentou qualquer prova, ou pelo menos indício.

Para o Direito de qualquer país moderno, alegação sem prova é o mesmo que nada.
Para Joe Biden, presidente dos EUA, vale muito, quando se trata do interesse de Israel. Se Yair Lapid, primeiro-ministro interino do país sionista, falou... Está falado. Basta a palavra de chefes do país a quem Biden mantém “inabalável apoio a sua segurança”. Mesmo violando valores da civilização moderna, que exige provas para se considerar alguém culpado.

Admito que não simpatizo com o Jihad Islâmico por propor uma inútil luta armada para libertar a Palestina de Israel. Que até 2014 lançava mão de ações terroristas (até suicidas) que mataram muitos civis israelenses.

Mas, princípios são princípios, conforme os sábios dirigentes da Europa e dos EUA.
Como um movimento injusta e ilegalmente atacado tem direito de se defender, o Jihad Islâmico reagiu. Ele tem o direito de se defender, mas não a capacidade de enfrentar um agressor do porte de Israel. Lançou cerca de 100 mísseis que Israel tirou de letra.

Foi o início de uma batalha de três dias, na qual o governo sionista desfechou 170 ataques contra diversos pontos do estreito de Gaza, usando caças-bombardeiros, drones armados, helicópteros de combate e artilharia sobre áreas urbanas densamente habitadas e campos de refugiados na faixa de Gaza.

As forças armadas de Israel anunciaram sucesso, com a destruição de campos de treinamento, túneis, armamentos, além da morte de dois importantes comandantes da Jihad e muitos militantes (12, segundo o Jihad).

Entre os palestinos, as vítimas foram: 49 mortos – dois terços civis, incluindo 17 crianças - de acordo com o ministro da Saúde de Gaza, não desmentido (Al Jazeera, 12/8/2022). A ONU relatou que 360 palestinos foram feridos, inclusive 151 crianças, 58 mulheres e 19 idosos. Segundo o ministro palestino de Trabalhos Públicos, os bombardeios israelenses deixaram ainda 88 residências inabitáveis.

Os resultados obtidos pelas forças do Jihad Islâmico foram mínimos, atestando a eficiência do sistema antimíssil Iron Drone, doado pelo amigo Biden, e a ineficiência de centenas de mísseis lançados de Gaza.

No Sul de Israel, 50 pessoas sofreram ferimentos leves (The Guardian, 8/8/2022). De acordo com os serviços de emergência israelenses, três foram feridos sem gravidade, quando foguetes palestinos atingiram o aeroporto Ben Gurion, perto de Telavive. Nenhum israelense perdeu a vida por obra dos mísseis do inimigo.

O maior dano sofrido pela população israelense foi, ao soar das sirenes, ter de largar tudo para se dirigir a um dos abrigos antibombas espalhados pelo país.

Deve ser muito irritante, desagradável mesmo. Quarenta e nove milicianos do Jihad Islâmico e inocentes civis sofreram muito mais por terem sido assassinados pela blitz aérea de Israel.

Numa situação assim, a lei humanitária é clara. “Lançar um ataque no qual se pode esperar matar ou ferir civis acidentalmente, ou danificar bens civis, de um modo desproporcional para concretizar e antecipar uma vantagem militar direta é proibido (Committee For Justice, 11/8/2022).

Diante do bombardeio de campos de refugiados e densas áreas residenciais de Gaza, com esmagadora superioridade sobre a frágil força do Jihad, era certo prever dezenas de civis mortos e centenas de feridos.

Talvez nem Yair Lapid, nem Biden ou os pressurosos líderes da Alemanha, Reino Unido e França que imitaram o presidente, ignorassem esse ordenamento do Direito Internacional.
Assim, pela cumplicidade da Europa e dos EUA, a Palestina ficou mais uma vez, sem direito de contar com uma defesa efetiva.

Persiste uma pergunta que não quer calar. Porque Israel decidiu atacar justo agora, dois meses antes das eleições, fortemente polarizadas entre Netanyahu e Lapid?

Desde a última guerra de Gaza, em 2021, o Hamas, que governa o estreito, decidiu evitar ações capazes de provocar ataques de Israel, com seu corolário de morticínios e devastações.

O Jihad Islâmico não participa do governo, mas acatou a decisão do Hamas. Não agiu nem quando, uma semana antes do ataque a Tayser, os serviços de segurança israelenses prenderam outro dos líderes dos milicianos.

As coisas estavam, portanto, absolutamente tranquilas há mais de um ano. Não convinha produzir uma agressão em Gaza capaz de gerar mais uma guerra altamente inconveniente num prazo tão curto.

Gideon Levy, jornalista e escrito israelense altamente conceituado, trouxe uma explicação para os motivos da postura bélica do primeiro-ministro interino do governo Lapid.

Em entrevista ao jornal Al Jazeera, Gideon falou: “eu tenho muitas suspeitas de que teve a ver com eleições. Qualquer primeiro-ministro precisa ser provado, especialmente, se vem do centro-esquerda israelense. E nós temos um novo primeiro-ministro (Yair Lapid), e ele quer mostrar que é macho como os primeiros-ministros anteriores”.

Os israelenses veem nos palestinos inimigos selvagens que precisam ser contidos duramente para evitar que lancem atentados contra a população, como alguns fizeram num passado recente. Raros cidadãos criticam os excessos da repressão estatal, que são normalmente apoiados pela maioria judaica do país.

Os primeiros-ministros que governaram Israel nos últimos tempos especialmente Netanyahu nos seus 13 anos de gestão, foram implacáveis contra os rebeldes palestinos, tanto nos protestos pacíficos dessas pessoas quanto nos eventuais atentados que tenham praticado.

Este parece ser o tipo de político que os judeus israelenses querem ver liderando o próximo governo.

Apesar de Lapid vir agindo como um legítimo falcão no seu relacionamento com os movimentos pró-Estado da Palestina, ele teme a sobrevivência de sua antiga imagem centro-esquerdista, associada a concessões pela solução do conflito do Oriente Médio.

Matar um líder do Jihad Islâmico, grupo terrorista com uma bagagem de atentados, que vitimizaram muitos civis judeus no passado, enalteceria a imagem de Lapid, podendo agregar muitos votos aos partidos da sua base.

A inevitável reação do Jihad só teria punch para causar leves danos. Não há como saber se a teoria de Gideon Levy está correta.

Seja como for, com a plena aquiescência estadunidense e europeia às ilegalidades e violências aos direitos humanos praticadas por Israel, a operação militar do governo deu certo.

Foi como um lobo atacando um carneiro, que reage por ter direito a se defender. Só que não tem chance, necessita da intervenção protetora do pastor. Ignorando o ataque inicial da fera, o pastor proclama o direito do lobo se defender. E reitera seu compromisso inabalável com a segurança da alcateia.

Fim da história.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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