Incêndio na Favela do Piolho: ‘os policiais impediram os bombeiros de apagar o fogo’
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- Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação
- 12/09/2014
“Dessa vez, antes de o incêndio (em 07/09) começar já tinha policiais na favela. Quando começou o fogo e os bombeiros chegaram, os próprios policiais os impediram de entrar e apagar. Depois, espalharam boatos de que os moradores receberam os bombeiros com pedras e não os deixaram passar. É pura mentira, pode perguntar pra qualquer um aqui como esse fato não é real, não aconteceu”. Foi com essa dura denúncia que começou a entrevista do Correio com uma moradora da favela do Piolho.
No que talvez reforce sua tese a respeito da “má vontade” estatal, a moradora da área, cujo nome tivemos a obrigação de preservar, lembra de uma grosseira visita da prefeitura dias antes do fogo e, claro, dos projetos imobiliários em andamento, numa das regiões da cidade que mais se verticaliza, localizada exatamente onde se pretende construir o Monotrilho – linha 17 do metrô.
Dessa forma, mostrou descrença durante toda a conversa, tanto em relação aos políticos e governos como também ao próprio futuro dos moradores da comunidade.
“Eu não sei o que eles querem. Até agora não veio nenhum governador, deputado, nada. O negócio tá muito estranho. No incêndio anterior, que também foi em época de eleição, choveu deputado, político não sei de onde... Acho que nem a política está interessada em nós. Vejo que estão deixando os moradores de favela jogados”, lamentou.
A entrevista completa com a moradora que já vivenciou três incêndios na Favela do Piolho foi produzida nos estúdios da webrádio Central 3 e pode ser lida abaixo.
Correio da Cidadania: O que você pode contar do incêndio do dia 7? Você acha que tem relação com o incêndio de 2012?
Moradora: O incêndio deste ano foi muito diferente do outro, pois este apresentou mais suspeita sobre ter sido criminoso, alguns moradores já falavam de uma possível substância química. E havia uma substância, realmente. Foi criminoso. O do ano retrasado foi diferente, queimou só um pouco da favela porque os bombeiros conseguiram conter o fogo.
Dessa vez, antes de o incêndio começar já tinha policiais na favela. Quando começou o fogo e os bombeiros chegaram, os próprios policiais os impediram de entrar e apagar. Depois, espalharam boatos de que os moradores receberam os bombeiros com pedras e não os deixaram passar. É pura mentira, pode perguntar pra qualquer um aqui como esse fato não é real, não aconteceu.
Os policiais que impediram os bombeiros de apagar o fogo. Se tivessem permitido, não teríamos todo o tumulto, os bombeiros teriam apagado e evitado que o fogo se espalhasse pela favela toda.
Correio da Cidadania: Além do que você fala sobre as atitudes da polícia, aconteceram fatos suspeitos nos dias anteriores ao fogo?
Moradora: Sim, já havia algo estranho antes. O incêndio foi no domingo. Na segunda anterior, seis dias antes, uma representante da subprefeitura foi na comunidade e falou sobre um projeto de descer uma rua, bem no meio da favela. E disseram aos moradores que, gostando ou não, a rua iria passar ali. Junta uma peça na outra e vai formando o quebra-cabeça. Depois da visita da prefeitura, dizendo que de um jeito ou de outro a rua passaria ali, é bom a gente pensar no fato.
Correio da Cidadania: Apareceu alguém falando em nome do terreno?
Moradora: Não. Sabemos que o terreno é particular, mas ninguém veio reivindicar sua posse. Só se fizeram isso antes, mas, nos dias que antecederam o fogo, não apareceu ninguém nesse sentido.
Correio da Cidadania: Quais são os interesses em torno da área do Piolho e como o projeto do monotrilho, que passaria exatamente na região da comunidade, em sua visão, pode estar relacionado a tudo isso?
Moradora: A tentativa de tirar a comunidade da beira da Avenida Roberto Marinho vem de anos. Já estive em três incêndios aqui. O primeiro foi parecido com o último, também constatado como criminoso. Na época tiveram mais cautela, deixaram os bombeiros entrar e não teve todo o problema deste último.
Mas a tentativa de tirar a comunidade por causa do monotrilho, e porque querem construir novos prédios e praças, os faz esquecerem a favela. A prefeitura veio aqui e falou: “não temos projetos pra vocês”. Como eles têm projeto de passar uma rua bem no meio da favela e não têm projeto e moradia pra quem mora nela? Vão nos jogar em albergue?
Correio da Cidadania: Como os moradores do Piolho veem as políticas e relação da prefeitura e do governo estadual com a comunidade?
Moradora: Esse negócio de promessa, fazer isso ou aquilo, é pura enganação, roubada. Desde o primeiro incêndio, estamos tentando urbanizar a favela, colocar luz (que os moradores consigam pagar), água encanada... Moramos aqui, mas nunca nada disso foi feito corretamente. E depois eles vêm dizer que querem ajudar os pobres. Uma mentira, não ajudam ninguém e só fazem média. Tiraram uma outra favela aqui do lado, mas não foi a prefeitura, e sim o pessoal do metrô, pois uma nova estação passaria por ali. Tiraram e indenizaram as famílias.
Como o terreno da nossa comunidade é particular, mas foi perdido pelo dono por não pagar imposto, a prefeitura quer tomá-lo. Se formos lutar pelo usucapião, ganhamos, porque já estamos aqui há 20 anos. Ganharíamos o usucapião. Na quarta, a prefeitura tentou nos tirar daqui, porque já tem gente voltando e construindo de novo a moradia. Estão tentando tirar o pessoal daqui e levar a outro terreno.
Por que não urbanizam e fazem uma coisa legal aqui, já que o foco deles é ajudar as pessoas que necessitam, que não têm nada melhor? Por isso, acho uma roubada, não acredito nas promessas de urbanizarem favelas. Pode até acontecer, mas é muito raro e só pra sair na mídia.
Correio da Cidadania: O que esperam das eleições presidenciais e estaduais? Alguma das candidaturas espelha, em alguma medida, os interesses da comunidade?
Moradora: Eu não sei o que eles querem. Até agora não veio nenhum governador, deputado, nada. O negócio tá muito estranho. No incêndio anterior, que também foi em época de eleição, choveu deputado, político não sei de onde... Dessa vez, só veio o Suplicy.
Mas acho que nem a política está interessada em nós. Vejo que estão deixando os moradores de favela jogados. Precisam entender que favelado não é cachorro. Se mora nessa situação, não é porque quer. É gente que tem filhos, não tem condição de pagar aluguel, que hoje em dia é supercaro...
Portanto, não acredito em político que nos promete melhorias, urbanização. Não querem nada disso. Querem entrar no poder e se aproveitar do povo, ou roubar mais. Essa é a real. Porque ajudar gente pobre e carente não é intenção, pode ter certeza. Se fosse, viriam aqui conversar numa boa e falar: “olha, precisamos fazer isso, aquilo etc.”.
Estamos recebendo ajuda de pessoas, material de construção, blocos, mas como vamos construir num lugar em que não se decide nada e não nos deixam entrar ou sair? Aí fica naquela de não conversar conosco, não trazer propostas... Não dá para sobreviver no meio disso. Como fica a cabeça das pessoas? Por isso constroem tudo de madeira. Não dão apoio para a população que mora aqui. Não estou aqui porque quero ser favelada – o que também não tem problema nenhum.
De toda forma, eles pensam que somos cachorros, estamos aqui por vontade nossa. Quem ajuda são famílias, que doam materiais e cesta básica. O governo nunca veio ajudar de verdade. Eleição virou uma roubada, não cumprem nada.
Correio da Cidadania: O que você imagina como destino das famílias que moram no Piolho?
Moradora: Sobre as famílias que perderam casa, algumas já estão voltando ao terreno, pois a prefeitura veio aqui e prometeu vale-aluguel. Mas em 2012 também prometeram o mesmo vale-aluguel e no terceiro mês já não tinha nada. Assim, a população não acredita mais no vale, por mais que venham aqui reforçar promessa.
Acho que vai acabar acontecendo igual nas outras vezes: todo mundo construindo no terreno de novo e tudo pegando fogo de novo, porque a prefeitura não vem tomar uma atitude, não encana água, não arruma a energia, não faz nada direito. Vai acontecer de todo mundo ficar novamente no mesmo lugar e as coisas se repetirem.
Essa é minha opinião do futuro. Parece que ficam com medo de nós. Não chegam em nós pra conversar, com todo mundo. Juntam grupinhos, fazem reunião com 10 pessoas e ‘já era’, pra eles a reunião foi feita. Mas na verdade tem que chamar e conversar com todo mundo, pois não são só 10 pessoas sem casa. São 4000 famílias que perderam a casa. Acho que vai ser isso: vamos invadir e construir de novo e ficar esperando pela vontade dos governos.
Clique aqui para escutar o áudio.
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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.