‘O Brasil fica cada vez mais um caldeirão; a palavra greve geral volta à cena’
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- Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação
- 26/05/2015
Greves em diversas categorias, protestos gerais ou segmentados colorem o ano brasileiro desde janeiro. Em Goiânia, pelo terceiro ano consecutivo os professores entraram em greve, além de se voltarem contra o próprio sindicato e recriarem suas formas de luta. O Correio da Cidadania entrevistou Antônio Gonçalves Rocha para falar da paralisação que durou mais de um mês e de todo o contexto político brasileiro do momento.
“Na minha opinião, isso representa a saída da classe trabalhadora às ruas. Não que estivesse ausente. Mas o movimento é cada vez maior, devido ao avanço da crise econômica no país e à ofensiva do grande capital contra os direitos trabalhistas. Vemos uma palavra de ordem que ficou abandonada por muito tempo: greve geral. Não sei como e quando vai acontecer, mas há uma construção e desenvolvimento de greves numa escala muito maior do que estávamos acostumados”, disse o professor.
Além de esperar por uma maior radicalização das lutas sociais, Antônio também explicou como tem se desenvolvido a luta da categoria, traçando paralelos com os garis do Rio de Janeiro, entre outros movimentos que têm eclodido pela base e emparedado velhas direções. “Não estamos filiados a nenhuma central e temos uma organização bastante diferente do que estávamos acostumados. Vemos uma ebulição na cidade de Goiânia e outros locais do Brasil, no sentido de uma nova forma de organização dos trabalhadores, que extrapola a atual forma de sindicalismo de Estado, constituído no Brasil do getulismo aos dias de hoje”.
Por fim, denuncia que o estado de Goiás tem sido exemplo dos processos de privatização e precarização das escolas públicas, o que se coaduna com a linha do documento Pátria Educadora, apresentado pelo governo no início do ano. “Apenas promovem uma educação cada vez mais voltada ao mercado, sem a necessidade de maiores investimentos. Essa política de ajuste fiscal precariza ainda mais a situação do professor e do estudante de maneira geral. Não vejo com bons olhos o que está colocado para a educação pública”.
A entrevista completa, gravada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: O que você pode contar da greve dos professores municipais de Goiás, que já dura cerca de 1 mês e agora recebe adesão dos professores estaduais? Quais as principais exigências da categoria?
Antônio Gonçalves Rocha: Em primeiro lugar, estamos vivendo um momento de retirada de direitos dos trabalhadores no Brasil inteiro, com essa onda de terceirizações e revisões de direitos e de garantias legais dos servidores públicos. A educação, particularmente, e a despeito do discurso oficial dos políticos, vem sofrendo ataques sistemáticos. Aqui em Goiânia não é diferente. É o caminho apontado, por exemplo, no documento Pátria Educadora, que está sendo aplicado em nível estadual e municipal.
No município, a prefeitura já descumpre o estatuto dos servidores públicos há bastante tempo. Estamos na terceira greve nos últimos três anos, querendo organizar um novo sindicato, independente do oficial, pelego, e a prefeitura vem sistematicamente descumprindo os acordos com a categoria.
Além de tudo, fizeram um decreto que retira vários direitos, sendo a redução do quinquênio (gratificação que os servidores recebem a cada 5 anos) um dos pontos da nossa pauta. Foi o estopim da greve na rede municipal de educação, que depois de algumas semanas contou com a adesão da segunda maior cidade do estado, Aparecida de Goiânia, e depois da rede estadual, que também entrou em greve contra o processo de privatização, pasmem, do ensino estadual.
Estão criando Organizações Sociais, isto é, empresas que vão gerir as escolas e contratar trabalhadores e professores de maneira celetista. Estamos vendo, portanto, uma grande onda de precarização do trabalho docente no estado de Goiás, no mesmo ritmo do Brasil de uma maneira geral.
Correio da Cidadania: Qual sua avaliação a respeito da postura do poder público, em especial da prefeitura, e seu diálogo com o movimento?
Antônio Gonçalves Rocha: Total intransigência, repressão, assédio moral contra os servidores públicos. Fomos ao Paço Municipal, depois de uma assembleia da categoria, para entregar um documento e fomos brutalmente agredidos pela Guarda Municipal a mando do prefeito Paulo Garcia. Em Goiás, seguimos a onda do Brasil inteiro, que vem desde a Copa do Mundo – na verdade vem de antes, é histórico -, de criminalização dos protestos. Eu mesmo sou vítima de processo administrativo disciplinar, movido pela prefeitura petista, a fim de me exonerar. O argumento, acreditem, é que eu falei mal do prefeito e da secretária de Educação, uma notória política ficha suja, que já desviou recursos públicos e tudo mais.
Portanto, o momento é de repressão. O diálogo continua dificultado, sofrendo manobras da prefeitura, e não apresenta avanços em nossa pauta. A prefeitura apresentou uma proposta muito reduzida, ao passo que anunciou o corte de ponto dos servidores públicos, e tem agido apenas de maneira a manter a repressão política contra os trabalhadores. Nessa reunião, eles apresentaram pontos que atendem os trabalhadores muito parcialmente e acenaram com uma Comissão de Negociação, a ser criada nos próximos meses para cumprir parte da pauta dos servidores.
Depois disso, a categoria fez uma assembleia, entendeu que era necessário manter a negociação com a prefeitura pra ver se cumpririam ou não os pontos acordados. Assim, mais uma vez, vamos nos sentar à mesa de negociações no aguardo de que cumpram sua parte. Na quinta passada, 21, decidimos suspender a paralisação, mas, se as negociações não avançarem, retomaremos. Porém, na rede estadual e em Aparecida de Goiânia continua, forte a greve, como vinha sendo a nossa também.
Correio da Cidadania: Além das perseguições relatadas, houve demissões? E, já que você mencionou o sindicato, qual é a relação da categoria com a entidade e sua filiação?
Antônio Gonçalves Rocha: Desde 2010 o sindicato é filiado à CUT e representa todos os trabalhadores, de todos os municípios, da rede estadual etc. Em 2010, fizemos uma greve muito forte e, ao final, o sindicato a encerrou, sem respeitar a decisão da categoria de mantê-la. E mesmo assim mantivemos a greve por mais duas semanas. Com isso, criamos o Sindicato Municipal da Educação de Goiânia. Porém, temos vários impedimentos legais, devido a ações que o sindicato oficial impetrou na justiça. Mesmo assim, organizamos uma espécie de sindicato paralelo. Não estamos filiados a nenhuma central e temos uma organização bastante diferente do que estávamos acostumados. Pra dar um exemplo, temos reuniões dentro das escolas, comissões de trabalho, atividades de politização... Com isso, conseguimos avançar e trazer vários trabalhadores para a luta.
A experiência de Goiânia influenciou os trabalhadores de Aparecida, que também organizaram um movimento chamado Comando de Luta, ressoando nos trabalhadores estaduais, que criaram o movimento Mobilização dos Professores de Goiás. Assim, tem surgido um movimento paralelo e independente da estrutura sindical oficial, como aconteceu há dois anos com os garis do Rio de Janeiro, que fizeram uma greve sem sindicato. Aliás, aqui em Goiânia os garis também fizeram sua primeira assembleia independente.
Dessa forma, vemos uma ebulição na cidade de Goiânia e outros locais do Brasil, no sentido de uma nova forma de organização dos trabalhadores, que extrapola a atual forma de sindicalismo de Estado, constituído no Brasil do getulismo aos dias de hoje.
Quanto a demissões, não aconteceram, porém, estão movendo processos disciplinares contra determinadas pessoas. Eu e outros colegas somos vítimas disso, com argumentos absurdos, atas fabricadas, de anos atrás, tendo como justificativa problemas corriqueiros em escolas. A prefeitura fez um acordo de retirar o processo de ilegalidade da greve, não o fez, e a justiça nos condenou à multa de R$ 1,5 milhão. Agora, novamente a prefeitura se comprometeu a retirar o processo. Também somos perseguidos por policiais secretos, os P-2... É uma gigantesca onda de repressão na cidade, inclusive com prisões e processos políticos e judiciais.
Correio da Cidadania: Como relaciona o que ocorre agora em Goiás com outros estados e grandes cidades que também veem seus professores em greve, além de outras categorias que também vêm entrando em rotina parecida? O que isso mostra mais amplamente?
Antônio Gonçalves Rocha: Na minha opinião, isso representa a saída da classe trabalhadora às ruas. Não que estivesse ausente. Mas o movimento é cada vez maior, devido ao avanço da crise econômica no país e à ofensiva do grande capital contra os direitos trabalhistas. A política de ajuste fiscal vai tirar dinheiro da população pra enviar aos bancos, ao sistema financeiro, para o pagamento do serviço da dívida pública...
Portanto, isso tudo representa uma reação contra tal ofensiva, a retirada de direitos, as terceirizações etc. Agora, teremos o início da greve nas instituições federais de ensino, que vai se juntar às paralisações da educação em diversos estados e municípios.
Vemos uma palavra de ordem que ficou abandonada por muito tempo: greve geral. Não sei como e quando vai acontecer, mas há uma construção e desenvolvimento de greves numa escala muito maior do que estávamos acostumados. Em 2013 e 2014 a população foi para as ruas em revolta contra todo esse sistema de exploração historicamente instalado, e agora vejo um despertar cada vez maior da classe trabalhadora, que a qualquer momento pode criar uma junção com esses movimentos de revolta da população.
O Brasil fica cada vez mais um caldeirão, prestes a explodir. Ou apresenta uma solução ou mais lutas virão. Por isso o Estado criminaliza cada vez mais a luta popular, para impedir a organização e o apoio da luta social e das mudanças no Brasil.
Correio da Cidadania: O que espera para o país e para a educação local e nacional neste mandato de Dilma Rousseff, que já começou com duros cortes orçamentários na área?
Antônio Gonçalves Rocha: Vejo que esses cortes representam algo muito danoso à população e à educação de maneira geral. Nesse sentido, o governo federal apresentou recentemente o documento formulado pelo estrangeiro-brasileiro Mangabeira Unger, chamado “Pátria Educadora”, no qual se apresenta o direcionamento do governo sobre a educação no país.
Nada mais, nada menos, pega planos de educação formulados pelo Banco Mundial ou pelos EUA e os traz para a educação brasileira, no que chamamos de modelo empresarial de educação. Colocam-se metas, determinados ensinos e formas tecnicistas de se lidar com a educação pública, responsabilizando principalmente os professores pelos problemas educacionais, e não as próprias políticas educacionais. Além de responsabilizarem o professor pelos problemas, tais políticas acabam com a autonomia didática do professor, no sentido de trabalhar conteúdos em sala, impõem conteúdos de cima pra baixo, com interesse voltado somente a testes e avalição de desempenho, que em nada contribuem com a formação do ser humano. Apenas promovem uma educação cada vez mais voltada ao mercado, sem a necessidade de maiores investimentos.
Querem aplicar esses métodos e técnicas para responsabilizar o professor, sem de fato por a mão no bolso pra acabarmos com a precariedade das escolas. Aqui em Goiás tem escola com placa de amianto. A temperatura média do estado é 32 graus, imagine uma criança assistindo aula em uma sala, com 36, 40 graus de sensação térmica, imagine 30 ou 40 crianças em processo de aprendizagem. Depois, querem falar que o professor trabalha de forma equivocada.
Portanto, o buraco é muito mais embaixo e essa política de ajuste fiscal precariza ainda mais a situação do professor e do estudante de maneira geral. Não vejo com bons olhos o que está colocado para a educação pública. A sociedade precisa se inteirar, saber o que acontece e se posicionar, porque estamos caminhando para a privatização e terceirização.
O governo de Goiás caminha rumo à contratação de empresas privadas pra administrar as escolas e contratar os professores e trabalhadores. Significa o fim do concurso público e significa que as escolas vão funcionar apenas de maneira empresarial, tanto didaticamente como em sua administração. É algo extremamente grave, que vai precarizar e retirar mais um direito da população, que precisa de educação pública de qualidade.
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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.