‘Transporte público deve ser uma decisão dos usuários, e não de empresários e prefeitura’
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- Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação
- 15/06/2015
Passadas as manifestações contra o aumento da tarifa do ônibus, desta vez sem reversão, a pauta pelo transporte continua em voga, inclusive se ramificando pelas vastas periferias de São Paulo. Há poucos dias, a população do Extremo Sul conseguiu um avanço histórico, ao ver efetivadas algumas novas linhas para a região de Parelheiros, tema da entrevista do Correio da Cidadania com Luize Tavares, do coletivo de Luta pelo Transporte no Extremo Sul.
“Os moradores, em conjunto com os grupos organizados, lutam há anos por linhas de ônibus, principalmente em Marsilac, onde as pessoas chegam a andar 18 quilômetros (km) pra chegar ao ponto mais próximo. Já em Barragem, as pessoas andam até 8km. Portanto, não é uma luta somente pela linha de ônibus, e sim uma luta pelo direito à cidade, hoje negado aos moradores desses bairros”, explicou.
Além de contar um pouco sobre sagas pessoais em nome da sobrevivência e sustento familiar, Luize lembra do caráter, acima de tudo, político que caracteriza cada reajuste dos preços. Isso, a seu ver, ficou evidenciado após o aumento para R$ 3,50 mesmo depois de auditoria contratada pela própria prefeitura comprovar desvios das empresas.
“Sempre lembramos que o reajuste veio logo após o resultado da auditoria levantar como as empresas de transporte estavam prestando serviço aos usuários. Em suma, a auditoria levantou inúmeras irregularidades. Por exemplo: a cada dez viagens programadas, uma não sai. Uma pesquisa do IPEA aponta que cerca de 37 milhões de pessoas não usam transporte coletivo regularmente porque não têm dinheiro da tarifa”, lembrou.
A entrevista com Luize Tavares, feita em parceria com a webrádio Central3, pode ser lida na íntegra a seguir.
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, o que você pode contar do processo de conquista da linha de algumas linhas em bairros do extremo sul de São Paulo, como Marsilac, Barragem, Bosque do Sol e Jusa?
Luize Tavares: Primeiramente, acho interessante falar de como funciona o coletivo de Luta do Transporte no Extremo Sul, que nasceu após junho de 2013 numa tentativa de reunir todos os movimentos sociais da região e pessoas autônomas. No final, resultou num coletivo de pessoas dispostas a lutar pelo transporte, seja pela qualidade, preço ou a respeito de regiões mal atendidas pelas linhas.
Hoje, estamos bem focados na região de Parelheiros, nos bairros mencionados, os que mais precisam da luta pelo ônibus, pois nunca tiveram transporte. E cada bairro tem sua particularidade. Marsilac e Barragem são consideradas áreas de preservação ambiental; Bosque e Jusa são consideradas áreas urbanas. Assim, cada linha tem de ser pensada de forma diferente.
Os moradores, em conjunto com os grupos organizados, lutam há anos por linhas de ônibus, principalmente em Marsilac, onde as pessoas chegam a andar 18 quilômetros (km) pra chegar ao ponto mais próximo. Já em Barragem, as pessoas andam até 8km. Portanto, não é uma luta somente pela linha de ônibus, e sim uma luta pelo direito à cidade, hoje negado aos moradores desses bairros.
Correio da Cidadania: Elas funcionarão em regime de passe livre?
Luize Tavares: O Marsilac é considerada área de preservação ambiental, como falamos. Foi o primeiro bairro onde começou uma luta pela criação das linhas de ônibus. Os moradores organizaram um bingo popular, com o dinheiro arrecadado alugaram uma van e fizeram uma "linha popular" em abril de 2014, que rodou o dia inteiro no bairro. Eles provaram na prática que os ônibus poderiam rodar na região e que há demandas de moradores, visto que a linha circulou sempre lotada. Um mês depois, os moradores se acorrentaram na prefeitura, no centro da cidade, e logo depois se uniram a outros bairros da região que também sofrem com a falta de transporte para somar forças e pressionar o poder público a implantar as linhas de ônibus.
As linhas ainda estão em processos de confirmação, mas a linha do Marsilac terá caráter rural, ou seja, sem tarifa e circular dentro do bairro. Entre o bairro do Mambu e o km 49 há a UBS Dom Luciano Bergamini e muitas pessoas não conseguem chegar pela falta de transporte, de modo que fazem o trajeto a pé. Pautamos na reunião com a prefeitura e diretores da SPTrans que o problema de mobilidade não seria resolvido se a linha fosse tarifada; o morador do bairro do Mambu teria de pagar R$3,50 para chegar até a UBS e R$3,50 para voltar. Isso pesaria e muito no orçamento dos moradores. Portanto, reiteramos que a linha deve ser de caráter rural, tarifa zero e circular no bairro.
O Bosque do Sol/ Jusa é uma área considerada urbana, sendo assim, a linha é tarifada. A linha tem que seguir sentido centro (Terminal Varginha), assim não faria sentido seguir até o Terminal Parelheiros, pois seria um trajeto negativo. A linha reivindicada deve ter como destino final o Terminal Varginha.
O Barragem também é área de preservação ambiental. No bairro, há um ônibus que faz o trajeto Barragem – Terminal Parelheiros, mas quem mora nos bairros depois do ponto final tem de andar quilômetros à pé até chegar em casa. A linha que está sendo reivindicada é também de caráter rural, ou seja, tarifa zero e circular dentro do bairro, pois levaria as pessoas até o ponto de ônibus já existente.
Correio da Cidadania: Como tem sido o dia dos moradores e trabalhadores da região em termos de deslocamento, dado que as condições de transporte que você descreveu geram outras dificuldades na vida das pessoas, a respeito de horários livres, para descanso etc.?
Luize Tavares: Para dar um exemplo, a Renata, moradora do Marsilac, conseguiu um emprego onde teria de entrar às 7 da manhã, na Avenida Paulista. Pra chegar no horário, sai de casa às 2:30 da manhã, pra chegar às 4 horas no ponto. Pegava o primeiro ônibus pra chegar ao Terminal Varginha, no km 49 da Av. Engenheiro Marsilac, e mesmo assim chegava atrasada. Trabalhava até tarde, chegava mais de meia noite em casa, e logo tinha de sair de casa novamente. Como ela não comia e não dormia direito e estava com sintomas depressivos, saiu do emprego 45 dias depois.
Em outros bairros, como Bosque e Barragem, as pessoas se viram como podem, andam 5km, 8km pra trabalhar todos os dias. Antes da reunião com a prefeitura, os moradores organizaram um dia de linha popular por lá, o que chamou a atenção da mídia, que durante os dias seguintes foi acompanhar o trajeto percorrido a pé pelos moradores.
Ainda assim, essas pessoas tentam trabalhar, circular pela cidade, mas não são todos que conseguem, especialmente as mulheres, porque é perigosíssimo andar sozinha por quilômetros onde só tem mato, principalmente em certos horários. Sem falar daquelas que têm de cuidar das coisas da casa, filhos etc. Assim, poucas pessoas têm acesso a alguma coisa fora dali. Muitas ficam presas e poucas mulheres conseguem trabalho na própria região.
Correio da Cidadania: Acredita que a questão dos transportes e do Passe Livre entrou definitivamente nos movimentos sociais e comunitários de toda a periferia?
Luize Tavares: No transporte em si, acredito que todo mundo vê e problematiza. Não é só Parelheiros que passa por tais problemas. No Jardim Novo Horizonte, na zona leste, entre outras áreas, também se sofre com a falta de transporte e existem moradores em luta.
Estamos aqui falando de transporte, mas a cidade é algo muito mais significativo. Estamos exigindo direito e acesso à cidade, seja porque o sistema de transporte não atende diversas regiões, seja porque a população não consegue pagar a tarifa. Enfim, não se trata apenas da falta de linhas, que é só um dos problemas de uma questão muito maior, no caso, de como o transporte está organizado hoje na cidade.
Quando reivindicamos que a linha de ônibus do Marsilac tem de ser de caráter rural, não é por simplesmente ser área de preservação ambiental, mas porque as pessoas não conseguem pagar R$3,50 para circular dentro do seu próprio bairro - ao contrário, as pessoas têm o direito de circular livremente dentro do seu bairro. E na cidade!
Correio da Cidadania: Como você relaciona a conquista dessas linhas de ônibus com o aumento das tarifas no início do ano, levando em conta os argumentos do poder público na época do reajuste?
Luize Tavares: Sobre o aumento da tarifa em janeiro desse ano para R$3,50, nós sempre lembramos que veio logo após o resultado da auditoria contratada pela própria prefeitura para levantar como as empresas de transporte estavam prestando serviço aos usuários. Em suma, a auditoria levantou inúmeras irregularidades. Por exemplo: a cada dez viagens programadas, uma não sai, o que gera milhões de reais pagos pela prefeitura por um serviço que não estava sendo prestado.
Assim, o aumento da tarifa é uma decisão política, pois, com todos os resultados levantados pela auditoria, ao invés de a prefeitura diminuir o lucro dos empresários, decidiu aumentar a tarifa para aqueles que já não podiam pagar os R$3,00. Além do mais, quando a prefeitura e o governo do estado dizem que o aumento foi abaixo da inflação, mostram (de novo) que foi uma decisão política, por não se aumentar a tarifa conforme a alta da inflação.
Tem uma pesquisa do IPEA que aponta que cerca de 37 milhões de pessoas não usam transporte coletivo regularmente porque não têm o dinheiro da tarifa. A cada vez que a tarifa aumenta, esse número de pessoas sem acesso à cidade também aumenta, principalmente aqueles que moram na periferia, as pessoas que mais sofrem com a tarifa e seus aumentos.
Portanto, tudo que é deliberado sobre o sistema de transporte é decisão política. Quem deveria decidir onde uma linha deve passar, qual o trajeto percorrer e qual o valor da tarifa são aqueles que utilizam o transporte diariamente, e não prefeitura e empresários, que tratam o transporte como uma mercadoria.
A realidade do momento é que precisamos cada vez mais do empenho dos usuários do transporte em se apropriar da pauta e brigar por ela, como já se faz em algumas regiões, a exemplo do extremo sul: por mais linhas de ônibus, linha rural, tarifa zero... Estamos lutando há algum tempo e já tivemos algumas vitórias. Queremos mostrar às pessoas, na prática, que só a organização popular vai melhorar as condições do transporte e, principalmente, da vida.
Fica a nossa convocatória para as pessoas, principalmente das periferias, se organizarem nos seus bairros contra a falta de transporte, qualidade, tarifa etc., e construir uma luta municipal por transporte na cidade.
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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.
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