A rebelião não será gourmetizada
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- Movimento Independente Mães de Maio
- 17/06/2015
“Eu sou problema de montão / De carnaval a carnaval / Eu vim da selva / Sou leão / Sou demais pro seu quintal” – Racionais MCs em “Negro drama”
Crítica coletiva e pública à realização do Seminário Internacional “Cidades Rebeldes”, organizado pela Boitempo Editorial e o SESC São Paulo
Após o cancelamento – por questões de saúde – da participação do intelectual-companheiro Stephen Graham no Seminário Internacional “Cidades Rebeldes”, alguns companheiros-trabalhadores da Boitempo Editorial (organizadora do seminário) convidaram integrantes de nosso movimento para completar a mesa específica sobre “Polis, polícia: violência policial & urbanização”, que compõe a sua programação completa (Confira as mesas na íntegra aqui).
Diante do convite, de última hora, nós do Movimento Independente Mães de Maio meditamos e discutimos bastante, coletivamente, e decidimos não participar deste Seminário Internacional pelas razões a seguir, as quais também achamos importante tornar públicas (não apenas para os inscritos e demais participantes do Seminário, mas também para a reflexão de toda esquerda autônoma e anticapitalista).
Escolhas infelizes
Para começo de conversa, uma primeira grande decepção: com toda nossa história de luta cotidiana contra a violência policial no Brasil ao longo dos últimos 9 anos e (humildemente) o barulho, as denúncias, as medidas práticas (e as reflexões) que temos feito, todos os dias, frente a cada execução/chacina da polícia não só aqui em SP, mas em todo o Brasil, o movimento Mães de Maio ter sido chamado apenas após a desistência de um dos intelectuais da mesa não nos soou digno, à altura do respeito que exigimos e fazemos por merecer cotidianamente nas ruas.
Os companheiros intelectuais, sobretudo os de esquerda, a nosso ver deveriam ser os primeiros a tomar a iniciativa e construir espaços em conjunto com/de/para os movimentos sociais populares, principalmente para escuta e aprendizado mútuo. Rebeldemente rompidas algumas dessas persistentes torres de marfim – reprodutoras de hierarquizações e privilégios seculares, possivelmente muito teríamos a aprender de parte a parte. Porém, salvo raras exceções, as estrelas de sempre de alguns movimentos, as catracas das mesas de seminários, da participação em pesquisas ou em grandes colóquios públicos, as cercas dos “latifúndios do ar”, infelizmente, seguem erguidas para a grande maioria dos integrantes dos movimentos sociais.
Por outro lado, num primeiro momento, soou francamente tentador (e para nós seria uma honra) poder trocar ideia com intelectuais-realmente-compromissados-e-companheiros como Lúcio Gregori, David Harvey, Mariana Fix, entre outros que compuseram as mesas atualizadas do Seminário e, sobretudo, trocar ideia com as centenas de pessoas inscritas no ciclo – a grande maioria delas, certamente, pessoas de esquerda e interessadas em buscar conhecimento crítico e transformador – que têm na editora e nesses intelectuais referências importantes nas suas trajetórias.
Além de nossa contribuição ao debate-papo, poderíamos também levar os materiais de agitação/informação/formação do nosso movimento (camisetas, livros, DVDs etc. produzidos nós por nós), que geralmente vendemos (a preços baixos) para garantir a nossa autonomia na luta cotidiana, ao mesmo tempo em que dividimos/difundimos nossa caminhada com outros tantos compas. Uma troca de ideia proveitosa com alguns verdadeiros camaradas, o “luxo curricular” de constar o nome de alguns de nossos integrantes em meio à galáxia de estrelas da nossa intelectualidade de esquerda (e de ex-querda também, de currículos que lattes-mas-não-mordem), muito possivelmente venderíamos um bocado de material – o que, tudo somado, poderia ser muito interessante para nós (particular e pessoalmente?).
PORÉM, HÁ UMA QUESTÃO MUITO SÉRIA E ANTERIOR A TUDO ISSO, REFERENTE A ESTE SEMINÁRIO ESPECÍFICO, que diz respeito a toda a esquerda anticapitalista, implicando todos nós: participar desta programação significaria, a nosso ver, de alguma maneira, compactuar com a forma como foram concebidos e estão sendo realizados tanto a tônica/composição dessas mesas como o mecanismo seletivo das suas inscrições (ao preço de R$ 60,00). Opções que, infelizmente, dão um sentido político claro e alarmante ao Seminário como um todo: uma verdadeira “gourmetização” da Rebeldia, bem concreta, vivida por muitas e muitos de nós no cotidiano. Na pele, na mente, e nos corações.
Ora, em primeiro lugar, a nosso ver um Seminário Internacional intitulado “Cidades Rebeldes”, cujo tema remete de imediato às Revoltas Populares de Junho de 2013 e a uma publicação que a própria Boitempo co-organizou sobre esses acontecimentos (“Cidades Rebeldes – Passe Livre e as manifestações que tomaram conta das ruas do Brasil”), num evento subsidiado e correalizado junto à organização patronal SESC (Serviço Social do Comércio), não poderia de maneira nenhuma ter este valor de inscrição (R$ 60,00), uma efetiva Catraca para o público em geral.
Quem conhece a realidade da classe trabalhadora brasileira – como muitos autores da Boitempo bem analisam em diversos livros, sabe que este valor é muito pesado no orçamento mensal dos trabalhadores, ainda mais pressionados pela crise atual. A nosso ver, preços mais acessíveis ou, de preferência, a entrada gratuita deveria ser um “princípio de esperança” e de “rebeldia” (de classe?) da própria organização do seminário para a plena realização dos fins anunciados pela sua convocatória.
TODAVIA, TALVEZ AINDA MAIS GRAVE DO QUE ISSO, a nosso ver, é tanto a ausência de nossos irmãos e irmãs, trutas de batalhas, do Movimento Passe Livre São Paulo na programação original – e mesmo na atualizada – do Seminário Internacional que leva o nome de sua rebeldia, ao mesmo tempo em que assistimos à simultânea presença de figuras como o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva (originalmente na Abertura do seminário, para uma palestra sobre “Das Diretas Já às Jornadas de Junho: os desafios para uma esquerda democrática”, depois cancelada por ele), bem como do Sr. Fernando Haddad (que participaria do Encerramento, junto ao David Harvey, na mesa “Da Primavera dos Povos às cidades rebeldes: para pensar a cidade moderna”). Pra não falar da presença de algumas figurinhas carimbadas de mediadores e comunicadores totalmente integrados, e sempre a postos, à máquina petista-governista de lavagem cerebral (“progressista”, “livre” e “amorosa”) de trabalhadores e trabalhadoras...
A quem interessa?
Nós não acreditamos ser mais possível, a esta altura do campeonato, intelectuais de esquerda, dignos deste nome, organizarem um seminário sugerindo que o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva tenha qualquer legitimidade para falar sobre “os desafios para uma esquerda democrática”. Logo este senhor que, todos sabemos, ou deveríamos saber, se trata das figuras mais centralizadoras e autoritárias da chamada ‘ex-querda’ brasileira; que capitaneou, usou, abusou e ainda capitaliza até hoje todo um projeto coletivo de décadas e gerações de trabalhadores brasileiros (o hoje – não por acaso – agonizante Partido dos Trabalhadores (PT)), em torno de si e em favor de um projeto pessoal permanente de poder, que se renova a cada ciclo eleitoral.
Uma figura cercada por fiéis correligionários que fazem todo o trabalho sujo para ele, que nunca permitiram qualquer democracia interna dentro do PT e nunca toleraram a ascensão de qualquer forma de questionamento/oposição a sua figura (desde a época de liderança sindical no ABC e as muitas histórias tenebrosas que aquelas cidades escondem, até os dias atuais de Instituto Lula). Ademais, foi o próprio Lula quem disse, já em 2008, para um insuspeito Mino Carta e para quem mais quisesse ouvir, em alto e bom som, que “NUNCA FOI DE ESQUERDA”.
O que este sujeito, então, teria agora a dizer sobre as “Jornadas de Junho” e a noção de “rebeldia” para a verdadeira esquerda brasileira nos dias de hoje – que não sejam dicas para a melhor cooptação (ou repressão) de movimentos sociais e para a preservação/renovação da ordem do capital e seus espaços/territórios de acumulação (e espoliação, como nos ensina Harvey) atualmente no Brasil?!
A quem interessa promover, pela enésima vez, esta confusão na cabeça das pessoas realmente de esquerda (que acompanharão o Seminário), colocando joio e trigo juntos e misturados? A quem interessa sugerir que o senhor Luiz Inácio Lula da Silva e a alta-burocracia do Campo Majoritário do PT (Lula, Dirceu, Pallocci et caterva, que destruíram este projeto coletivo de 30 e tantos anos e ainda por cima carimbaram por longo tempo o selo da “corrupção” em toda a esquerda do país), tenham qualquer coisa a dizer (em favor) ou a contribuir para uma real renovação da esquerda brasileira?! A quem interessa esta confusão (ou este proposital “red washing” na imagem de Lula), se não única e exclusivamente aos interesses pessoais, político-eleitorais do senhor Lula – o eterno-candidato dessa alta-burocracia e seus asseclas?! Acompanharíamos a sua bela retórica, pela enésima vez “na história deste país”, com uma total ingenuidade ou um total cinismo? Temos cara de trouxas?! Até quando?!
O mesmo raciocínio vale – ou deveria valer – para a participação do senhor prefeito Fernando Haddad na mesa de Encerramento do Seminário Internacional, justamente aquela que trataria “Da Primavera dos Povos às cidades rebeldes: para pensar a cidade moderna”, e que, emblematicamente, também não contou com nenhum integrante do Movimento Passe Livre São Paulo – nem de qualquer uma das centenas de organizações autônomas de trabalhadores que nos rebelamos e saímos às ruas cotidianamente ANTES, DURANTE E DEPOIS DE JUNHO DE 2013 (até os dias atuais), não apenas para “pensar”, mas efetivamente construir “uma cidade moderna” desde baixo, horizontal e coletivamente, sem velhos nem novos guias geniais dos povos, visando uma sociabilidade realmente mais igualitária, justa, não-punitivista, diversificada, autônoma e livre.
A organização de um Seminário Internacional intitulado “Cidades Rebeldes”, que se inspira na luta popular do Passe Livre e de todos nossos movimentos que saímos às ruas “por uma vida totalmente sem catracas”, não chamar nenhum dos integrantes desses movimentos para a mesa sobre o tema e, ao contrário, chamar aquele que criminalizou, reprimiu e até sugeriu que os integrantes do MPL seriam espécies de “fundamentalistas”, “intolerantes” – os comparando com os terroristas do atentado contra o jornal Charlie Hebdo – nos parece uma tomada de posição política bastante clara por parte dos organizadores do Seminário. Em uma palavra: revisionismo total de Junho (e, inclusive, de muitos dos textos/análises editadas pela própria editora, a começar pelo livro homônimo do Seminário). Sob qual interesse? A soldo ou a serviço de quem?
Sob esta lógica, valeria então também convidar o governador-genocida senhor Geraldo Alckmin, que no fatídico dia 19 de junho de 2013 foi quem tomou a iniciativa, depois de toda a pressão popular daquelas semanas, e telefonou a Haddad, avisando que iria revogar o aumento ANTES deste e se o prefeito quisesse segui-lo que fosse ao Palácio dos Bandeirantes (sic) o acompanhar (desde que no humilhante papel de coadjuvante!) para o anúncio oficial da derrota de ambos os gestores – frente à persistente “rebeldia das ruas”.
Ainda se Haddad tivesse cedido (bem) antes à pressão da esquerda autônoma por singelos R$ 0,20 centavos na passagem do Busão, que ali representavam uma vitória histórica, clara e necessária nas ruas da esquerda, talvez não tivesse sido criado todo este espaço/tempo/condições para a onda “coxinha” fascista subsequente... Mas não, Haddad quis demonstrar ser um gestor capaz de “segurar a pressão popular”, “no limite da irresponsabilidade” e dos seus ótimos serviços prestados (em benefício das planilhas e dos lucros de quem?).
Rebeldia com quem nos reprimiu e criminalizou?
A direita o agradece profundamente até hoje... E pouco nos importa que o senhor prefeito Fernando Haddad se autodefina como um “gestor da nova esquerda” – diferente do assumidamente conservador Lula, afinal, na prática, Haddad cotidianamente beija a cruz das empreiteiras, construtoras, dos grandes empresários do transporte (cuja tarifa ele voltou a aumentar para pesados R$ 3,50 apenas um ano e meio depois de Junho. Rebeldia?), do próprio padrinho Lula e de todo o grande capital que financiou a sua eleição (a reboque do projeto de poder lulopetista dos últimos anos).
Ouviríamos Haddad analisar, no Seminário, se ele será ou não rifado nas próximas eleições de 2016, mesmo sustentando-se nas Tattolândias e Andres Sanchezlândias deste neoPT, e mesmo com os já amarrados apoios “renovadores” do PMDB de Gabriel Chalita e do PDT de Luis Antônio Medeiros? A que projeto de “rebeldia” isso diz respeito? Porque não tem nada a ver com a nossa. Enquanto a esquerda intelectual insiste em cultivar seus autoenganos e seus gourmetizados ovos de serpente – não levando a sério sequer aquilo que ela própria escreveu, editou e publicou, eles todos (da ex-querda à velha direita) sabem muito bem o que fazem...
E por que seriam justamente eles, agora, na Abertura e no Encerramento do Seminário, o Criador e a Criatura – que, não esqueçamos, foram lá num ato de subversão incrível, literalmente, beijar a mão do senhor Paulo Maluf para a eleição de 2012 – a ditar os novos desafios e rumos da nossa histórica rebeldia?!
A nossa rebeldia é sentida na pele, atualizada a cada novo dia de trabalho, de transporte público e de humilhação cotidiana vivida nestas Cidades-Mercadorias frente os patrões e ao Estado, por quem hoje seguimos sendo monitorados, criminalizados e reprimidos pela simples rebeldia de existir pobre, preto ou periférico, desde o Exército de Lula e Dilma na Favela da Maré no Rio de Janeiro – e também sempre a postos diante de qualquer manifestação popular mais radical (nossos presos de Junho e dos despejos e espoliações da #CopaDasCopas que o digam...). Ou nas vilas e Cabulas cotidianas chacinadas pela Polícia Militar baiana dos governadores-genocidas petistas, senhores Jaques Wagner, sionista baba-ovo de torturador, e agora o senhor Rui Costa (PT-BA); ou pela Guarda Civil Metropolitana de Haddad e seus “rapas” de todos os dias, por toda a região central da cidade de São Paulo.
Esquerda ode, cara pálida?! Essa “Democratização”, esse “Desenvolvimento” e essa “Pacificação” promovida por vocês... essa Ex-querda e essa Paz são “uma senhora branca que nunca sequer olhou na nossa cara!”.
Definitivamente, companheiros e companheiras deste Seminário: desde quando “somos todos de esquerda”?! Desde quando “é tudo a mesma coisa”?! Até quando sustentarão essa farsa conciliatória de classes do “amplo, geral e irrestrito” campo “democrático-popular”?! O que nós temos a ver com as construtoras, empreiteiras e banqueiros que financiaram, por anos a fio e às pilhas de dinheiro, pelos Caixa 1, 2 ou 3, este projeto de poder-pelo-poder? O que há de esquerda e de rebeldia nisto? Quem foi que nos colocou neste balaio de gatos e ratos, cobras e porcos, nos tornando reféns da constante chantagem desta nova direita prática? Desde quando houve/haverá “governabilidade” possível (à esquerda) com o padrão sarney-temer-renan-cunha que hegemoniza as instituições de todo o Estado brasileiro há décadas – e estamos vendo muito bem a que ponto chegou a atual hiper-atuação, sob a regência de Cunha e Renan, das bancadas do Boi, da Bíblia e da Bala, sempre tratadas a pão de ló como “base aliada”, nos últimos anos, pelos “habilidosos” gestores petistas? Verdadeiros “craques”...
Em que?! Para quem?! Qual será o próximo engodo de “esperança” e “rebeldia” “paz e amor” lulo-petista: uma “frente ampla” de ex-querda forjada como “livre e independente” para esconder a desgastada “marca PT” nas próximas cédulas eleitorais? Nossos sonhos e nossas rebeldias se restringirão, mais uma vez, ao ritual cívico de apertar algumas teclas a cada dois anos, em verdadeiras urnas funerárias de nossas ações diretas, para, ato contínuo, tomar uma sucessão de tapas na cara e vacas tossindo, e nos conformar a participar todos os santos-dias de cada novo aparato-embuste criado pelo sistema petista de governabilidade biopolítica e contenção da nossa revolta (Conselhos, Encontros, Audiências, Fóruns, Seminários, Diálogos, Festivais etc. etc. etc.)?
Como já disse os nossos companheiros Hamilton Borges e Fred Aganju, da campanha Reaja ou Será Mort@, frente ao sucesso de tantas políticas públicas de “inclusão social”, “afirmação dos direitos humanos”, “participação popular”, “mesas de diálogo”, “promoção da igualdade racial” e blá blá blá “nós preferimos o fracasso de enfrentar o terror nas ruas”. O terror para o qual eles, quando não protagonizam, colaboram ativamente contra as nossas raças perigosas e classes rebeldes.
Basta de engano
De uma vez por todas: a alta burocracia, o Campo Majoritário petista e seus principais gestores – senhor Lula e senhora Dilma Rousseff à frente – não são de esquerda! A maioria deles sequer ex-querda é. Nunca foram, nem nunca “voltarão” a ser. Não nos confundam com eles! Simplesmente parem: não mais em nosso nome! Já basta!
Enfim, por tudo isso (e muito mais!), o nosso Movimento Independente Mães de Maio achou que seria – no mínimo – contraditório demais com a nossa caminhada autônoma, que trilhamos com muita luta, compromisso e sacrifício no dia-dia (sem receber favores nem pagar simpatia para ninguém), aceitar a cômoda e glamourosa participação neste seminário “Cidades Rebeldes” e, ao fim e ao cabo, compactuar com essa verdadeira operação político-ideológica de reescrita das Revoltas de Junho de 2013 e da história recente do país, com a colaboração e coparticipação ativa de nossos inimigos. Sentar à mesma mesa, como “aliados”, daqueles que nunca sequer olharam na nossa cara ao longo desses mais de 12 anos? Jamais!
Lembrem-se: os Crimes de Maio de 2006, que vitimaram fatalmente mais de 500 jovens, nossos filhos e filhas, irmãos e amigos, e deram origem ao nosso movimento, ocorreram sob a gestão Lula no governo federal, o qual seguido por Dilma nunca sequer nos recebeu nem de forma protocolar, mesmo diante de pedidos formais feitos há anos, a não ser indiretamente, por meio de seus correligionários, para tentar nos cooptar... Por que nos receberiam, pois?
Não temos uma conta bancária que faça jus ao cerimonial do Palácio do Planalto (quantas vezes será que os senhores Lula e Dilma Rousseff já não se reuniram com banqueiros do quilate e dos círculos íntimos dos Henriques Meirelles e Joaquins Levys que, afinal de contas, dão a tônica político-econômica de seus governos... Rebeldes?). E seguem comodamente incrustados no alto poder do país há mais de uma década (fazendo também lobbies internacionais para grandes corporações brasileiras, junto a sanguinários gestores mundo afora – Teodor Obiang da Guiné Equatorial que o diga, com dinheiro do FAT e FGTS dos trabalhadores brasileiros, via BNDES, para mais espoliações territoriais na reprodução ampliada do espaço capitalista global). Rebeldia?
Para colocar em prática estas operações de falsificação da realidade (das revoltas e das esperanças reais dos trabalhadores) eles não precisariam deste Seminário, pois já têm uma série de canais de comunicação-marketing, de certas mídias tradicionais ligadas ao que há de pior nas igrejas exploradoras da fé de nosso povo aos ditos meios “progressistas”, passando pelos Joãos Santanas contratados a peso de ouro, permanentemente a serviço de seu eterno projeto de poder (dentro e em prol da renovada ordem capitalista).
De nosso lado, na “Margem Esquerda” do chão de terra que nós pisamos cotidianamente, mirando firmemente “Para Além do Capital”, não há espaço para compactuar com esses oportunistas da ex-querda. Estes, do alto de seus gabinetes e contratos com as agências de comunicação oficial do governo, torciam e incentivavam a Gaviões da Fiel a “escorraçar” das ruas os nossos companheiros de trincheiras da verdadeira Periferia Rebelde, tratados como cachorros “vira-latas” por quem desde lá – sem saber? – já fazia coro com os coxinhas fascistas antes de estes saírem às ruas pedindo – na mesma toada de “escorraçar” e “ fazer faxina”, só que agora, em 2015, pela limpeza (leia-se prisão) dos petistas e pelo impeachment de Dilma Rousseff. Que rebeldia real há nesta falsa polarização histérica, doentia e fascista que marca a disputa espelhada entre a horda da fé oposicionista versus a horda da fé governista? Não jogamos este jogo sujo.
Queremos demarcar uma nova linha
Não ficaremos mais reféns deste tipo de ex-querda, suas falsificações da história, nem cairemos mais em suas armadilhas. Não seria intelectualmente honesto de nossa parte, seja em relação aquilo que lemos (inclusive em vários livros da Boitempo, que deveriam ser levados mais a sério), seja principalmente em relação àquilo que vivenciamos na prática. David Harvey colocado lado a lado com um dos principais lobbistas globais da Odebrecht, juntos no mesmo balaio de “rebeldia”? Onde isso vai parar? É urgente voltarmos a demarcar muito claramente limites, que não falamos essa mesma novilíngua, não “jogamos no mesmo time”, não estamos do mesmo lado da trincheira: NÃO!
Só nos faltava mais esta: seriam Lula e Haddad, agora, os “novos rebeldes” na visão da Boitempo? Figuras para quem a verdadeira rebeldia é um espectro a assombrá-los, cotidianamente, ao menos, desde o ápice das revoltas populares de Junho de 2013... Cidades Rebeldes”, “Periferias Rebeldes”: no que depender de nossas forças, não se tornarão o novo “Nome da Marca”.
Recusamos este espetáculo que nos sufoca e, por trás das suas “videologias”, se alimenta do sangue de nossos mortos, aqui na periferia do “Planeta Favela”, que segue sangrando... Não em nosso nome! Nossos mortos têm voz em nossa luta e exigimos respeito a sua memória – e à rebelde tradição dos oprimidos que nós carregamos no dia a dia conosco. Os movimentos sociais autônomos, em meio ao vertiginoso e sufocante “Novo Tempo do Mundo” e do Brasil, não permitiremos que a nossa rebelião seja “gourmetizada” pela ex-querda que encarcerou e enterrou muitos dos nossos sonhos, projetos e irmãos(ãs) de carne e osso. E seguem enterrando.
O mínimo de rebeldia necessária, diante desta proposta política indecente, foi a RECUSA pública do convite.
Rebeldia, para nós, começa pela luta para se garantir a respiração. E pela ressuscitada fúria.
PS – Fazemos questão de distinguir a postura pessoal dos companheiros-trabalhadores da Boitempo Editorial, em especial dos compas editores-adjuntos Kim Dória e Isabella Marcatti (sempre muito respeitosos conosco), das opções político-ideológicas e comerciais de seus patrões. Receamos que este “Seminário Internacional”, da forma como foi concebido – aparentemente sob milimétrica encomenda dos interesses político-eleitorais do Instituto Lula e Cia LTDA, muito provavelmente tenha o “selo Emir Sader” de subserviência intelectual e política. Um selo-vergonha (reiterado até quando?) para uma editora que, simultaneamente, é capaz de trazer verdadeiros intelectuais de esquerda como David Harvey ou István Mészaros, e editar coleções como a “Tinta Vermelha” ou a “Estado de Sítio”, coordenada pelo compa-de-várias-horas, o professor e intelectual-rebelde Paulo Arantes. Menos submissão editorial ao “Estado de sítio” atual no Brasil (co-promovido pelo lulopetismo e seus paus mandados), e cada vez mais tinta vermelha de rebeldia real cairá bem para uma editora que pretende se manter como referência para as novas gerações da esquerda autônoma e anticapitalista no Brasil.
“O dia é um pasto azul que o gado reconquista(rá)”.
Movimento Independente Mães de Maio.
Retirado de Passa Palavra.