Correio da Cidadania

A Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro e os diferentes inimigos

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A marcha contra o genocídio do povo negro incomoda os inimigos porque nos tira do controle da supremacia branca: lamentamos o rancor de quem come no prato que cuspiu

 

Há 10 anos, um grupo de aproximadamente 300 pessoas vindas de vários pontos da Bahia ocupou a Secretaria de Segurança Pública do Estado e proclamou um estatuto de enfrentamento ao poder estruturador do Estado Brasileiro, que são o racismo e o neocolonialismo alicerçados para dar proteção à política de supremacia branca. Declaramos os mortos como nossos companheiros de jornada, seus familiares e as mulheres entre nós como nosso comando, a rua como palco, a solidariedade, a ação comunitária e a autodefesa como métodos. Nascia a Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto.

 

Há uma semana, dia 24 de agosto de 2015, um cordão de pretas e pretos do Brasil e do mundo tomou a cidade de Salvador depois de um encontro político e teórico de dois dias nas dependências da Uneb (Universidade do Estado da Bahia) no Cabula, depois de recebermos mensagens do Chile, da Colômbia, da Alemanha, da Espanha, Estados Unidos, Áustria e França. Tomamos as ruas do Cabula em duas colunas batizadas de Coluna de Autodefesa Uhuru, coluna de proteção de mães e familiares para erigir um memorial aos mortos do Estado Racista Brasileiro. Erguemos o memorial no local onde a Rondesp executou mais de 15 jovens homens negros. Estávamos lá sob as lágrimas e os testemunhos de mães, avós e irmãs. Não foi “teatralização excessiva”, foi a dor que pulsa em nós enquanto certos picaretas tiram selfie e dançam com os executores sua igualdade maculada.

 

No mesmo dia, à tarde, no Quartel dos Aflitos, o mais antigo quartel da Polícia Militar do Brasil, diante de mais de 5.000 mil pessoas e uma tropa nos intimidando e intimidando os manifestantes, deixamos uma mensagem dura e sem retoques: nós não vamos morrer em silêncio. E seguimos rompendo a rua, deixando toda a tropa aturdida com uma massa de gente preta sem nenhuma propaganda do governo.

 

Nós não amamos nossos opressores, não queremos agradá-los e esmolar seus cargos e editais. Estamos criando na prática autogestionária, autonomista, pan-africanista, uma ferramenta de autodefesa que tem criado incômodo nos comandos das polícias, nas tropas, nos governos genocidas de esquerda e direita e nos ativistas que veem seu projeto governista afundar. Que afundem sozinhos, que mergulhem com sua mágoa entre vocês. Abandonem-nos com nossas “proibições disso e daquilo”.

 

Temos recebido ataques de policiais, soldados citados na justiça por abusos, gente de grupos de extermínio que espalham nossas fotos por redes sociais e nos ofendem com textos ameaçadores. Esse método não nos fez tremer e nem vacilar quando paramos em frente ao quartel da polícia com nosso “fardamento”, com nossa cara fechada, nossas bandeiras e nossas palavras de ordem.

 

Gritamos “Cabula!”,  para o espanto dessa gente bem vestida e cheia de títulos acadêmicos que silenciam em eventos abarrotados de grana e “sucrilhos da Kelloggs” fazendo contemplação sobre o nosso destino. O nosso destino é espalhar revolta pelo Brasil e dizer ao mundo que aqui é um país que mata pretos e pretas e que enterra lideranças governistas num túmulo de vaidade, frustração e rancor.

 

Foi veiculado recentemente pela página do Geledés um texto de um “ativista” negro, ex-assessor especial da Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), que passou todo o governo Lula criticando Matilde Ribeiro e Edson Santos, cujo conteúdo pretende nos difamar, nos desqualificar – nos atacar tal qual um soldado da Rondesp faz conosco todos os dias aqui na Bahia? Age como inimigo fazendo alegações sem consistência. E olhem que ele é o melhor que essa gente perfumada que adora os “puxadinhos” do governo tem.

 

No texto, o ex-assessor não fala uma palavra sobre a polícia que mata negros, sobre o governo que colocou o exército para matar e controlar gente preta na Maré (RJ). Ele pegou um avião, foi para a Bahia buscar palanque em nossa organização construída sem os brilhos dos banquetes governamentais e dessas ONGs negras submetidas ao modelo imposto para facilitar a barganha com seus fundos, agências e governos, organizada do Nordeste para o mundo, longe dos holofotes do centro político do país.


Ora, não temos nenhuma restrição a intelectuais negros, muito antes ao contrário: um sem número de intelectuais, juristas, artistas assinaram um manifesto de apoio a Marcha e esse fortalecimento nos é caro.

 

Nos quadros da Reaja temos garis, faxineiras, costureiras, doutores, mestres, acadêmicos, cozinheiros, motoristas. Temos contato com instituições acadêmicas na Europa, Estados Unidos e África. Mas o desespero e a fúria por não ter sido chamado para falar em nosso ato deixou perturbado o ex-assessor da Seppir. Ele assumiu seu ódio publicamente por nosso método e pela forma que organizamos nossa dor, nosso sofrimento e nosso ódio. Temos muito o que fazer diante do mar de sangue em que vivemos e esses ataques estéreis que só são lidos por meia dúzia de iluminados de fato nos tira do foco. Mas nos deixa preparados para o enfrentamento.

 

Ao contrário do que fala o texto, que de algum modo joga para nos criminalizar e atacar nossas energias, nós não somos um movimento juvenil. Somos uma organização com pessoas que vão dos 15 aos 70 anos, como a avó de Kaiquinho, jovem negro que foi morto no Cabula por policiais que não são citados pelo nosso letrado missivista, que ao fazê-lo desconsidera essas mulheres e esses meninos que até pouco tempo seguiam presos nas instituições de sequestros ou que viviam nas ruas consumindo crack e comendo lixo e encontraram na Reaja um lugar para se restabelecerem e fazerem luta. Fomos declarados como inimigos desse jornalista ex-assessor da Seppir. Que ele se dane! Nós seguiremos a Marcha histórica ancestral que herdamos do movimento negro, que saiu às ruas bem antes de ele se desfiliar do PT.

 

Yedo Ferreira, no alto de seus 90 anos, é símbolo de nosso respeito aos militantes que chegaram antes e nos enviou uma mensagem sem pedir aplausos, só nos fortalecendo. Então, não nos falem em respeito se você nos ataca gratuitamente, fazendo o jogo que a polícia espera... Um pretinho letrado preparando o terreno para sair executando a militância da Reaja, que saiu, definitivamente, desse barco governista que humilha seus tripulantes.

 

Dirijo-me à militância da Reaja, em cada acampamento e assentamento pelo interior do Brasil, em cada sala de aula, em cada universidade, nos centros de pesquisa, nos centros de graduação e pós-graduação, cada posse e grupo de Rap, cada cela de cadeia, cada comunidade favelada. Não ouçam a voz de desespero desse moço e seu grupo que se colocam como inimigos agora porque não conhecem a luta fora desse prédio institucional que abriga o racismo.

 

Voltemos a nossa tarefa, que agora é organizarmos uma coluna em cada núcleo de base e prepararmos para o que nos espera: a Vitória.

 

* e sobre os valentões que tentaram nos ameaçar na rua... aí não, é sem resposta e sem massagem.

 

Leia também:


‘Os poderes jurídicos brasileiros não dão relevância à vida do negro’ – entrevista com Hamilton Borges, após a chacina do Cabula


‘O Brasil objetiva a gestão penal e militarizada da miséria’ – entrevista com psicóloga Adriana Matsumoto sobre desmilitarização da polícia


Redução da maioridade penal: “A lógica do Estado Penal é encarcerar e explorar mão de obra” – entrevista com Givanildo Manoel, do Tribunal Popular – O Estado no Banco dos Réus


‘O caso Rafael Braga revela de forma patente a seletividade do sistema penal’ - entrevista com João Henrique Tristão, advogado da ONG Defensores dos Direitos Humanos


‘Temos a necessidade de criar redes de proteção aos jovens’ – entrevista com Anabela Gonçalves, do Coletivo Katu, após segunda chacina de 2015 no Jardim São Luiz – SP


‘Para os índios, só resta retomar as terras por conta própria’ – entrevista com Sassá Tupinambá, ativista indígena


O Estado Vingativo Democrático de Direita

 

 

Hamilton Borges dos Santos (Walê) é ativista da Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, diretamente da cidade-túmulo, Salvador.

Comentários   

0 #2 RE: A Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro e os diferentes inimigos Chauke Stephan Filho 06-01-2016 19:15
Em matéria de racismo, ninguém pode atirar a primeira pedra.
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0 #1 O Estado Brasileiro é, de fato, Rascista ou FacistaCandido Volmar 01-09-2015 23:14
Espero que multidões se levantem contra o racismo escancarado, de vez em quando simulado em ação policial. Curiosamente, quase todos os que morrem sob ação da polícia são negros, e, mais curioso ainda, todos os negros que conheço são incomparavelmente mais honestos e humanos que todos os brancos (como eu). Por que então somente os negros são executados pela polícia?
Por que o Ministério Público, que patrocina o extermínio da polícia, por ação e omissão, nunca é mencionado como o principal responsável pelo racismo?
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