Correio da Cidadania

“Me jogaram no chão e me algemaram, meus olhos ardiam em brasa. Não houve diálogo”, diz professor

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O professor de história Edivan Costa está em casa desde sábado (14), quando foi agredido, algemado e levado a uma delegacia, porque estava tentando preservar a integridade física dos alunos da Escola Estadual José Lins do Rego, que aderiam aos protestos contra o plano de reestruturação do ensino público apresentado pelo quarto governo Geraldo Alckmin (PSDB), que prevê o fechamento de 94 escolas em todo o Estado.

 

Abalado física e psicologicamente, ele está de licença até a próxima semana: “Senti como se um caminhão tivesse me atropelado, não tenho conseguido dormir. Fecho os olhos e vejo as cenas, ouço gritos, meu coração dispara”, conta. Os alunos que participam da ocupação prestaram, via redes sociais, homenagens ao professor na terça-feira (17). Tiraram fotos em uma sala de aula da escola segurando cartazes com dizeres como: “enquanto não houver justiça, não haverá paz”, “força, Edivan”, “mais amor, menos violência”, “estamos com você” e “obrigada, Edivan”.

 

Ainda ontem (17), do lado de fora da escola José Lins do Rego, que fica localizada no Jardim Angela, na zona sul de São Paulo, alunos da E.E. Professora Eulália Silva e E.E. Diná Olegário, na mesma região, deram um abraço simbólico no prédio para repudiar a investida da PM-SP (Polícia Militar do Estado de São Paulo) que, além de Edivan, deixou ferida a professora de filosofia Jaiane Estevam.

 

A Apeoesp, sindicato que representa os professores da rede estadual de ensino, afirma que vai entrar com representação denunciando o abuso da força policial em pelo menos três comissões de Direitos Humanos: na OAB-SP, na Alesp (Assembleia Legislativa de SP) e no Congresso. Segundo a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha, “o que aconteceu foi grave e não pode cair no esquecimento”.

 

Muito mais do que se manifestar contra as mudanças impostas pelo governo de São Paulo no plano de educação, alunos se queixam de superlotação nas salas de aula e por isso aderiram ao movimento de ocupação das unidades de ensino. Até a publicação desse texto já eram 54 escolas ocupadas em todo o estado.

 

De acordo com Edivan, desde as primeiras horas da manhã de sábado (14), o clima estava tenso. Inicialmente, haveria uma reunião com pais e alunos para tirar as dúvidas sobre as mudanças impostas no plano de educação do governo do estado de São Paulo. Mas quando o professor chegou na escola ficou sem entender o que estava acontecendo.

 

“Quando cheguei na escola, estranhei a presença ostensiva da PM que circulava no pátio entre os pais e estudantes. Na rua várias viaturas davam ao lugar um ar pesado”. Edivan afirma que alguns integrantes do MTST estavam na frente da escola, mas que a maioria era de pais e estudantes da comunidade.

 

Foi nesse momento que o grupo de alunos decidiu que aproveitaria o grande volume de pessoas e iniciaria o processo de ocupação. Edivan Costa explica que os professores não participaram desse primeiro movimento, mas entraram em acordo com a PM e os estudantes que estavam protestando que ficariam do lado de fora, com a condição de que o portão ficasse aberto para que pudessem ver o que acontecia lá dentro. “A possibilidade de repressão aos estudantes nos deixava apreensivos”, ressalta.

 

Chutes e algemas

 

“O que aconteceu foi muito rápido e infelizmente não permitiu diálogo. A PM entrou na escola e de dentro tentaram fechar o portão a força. Tudo que sentimos foi medo. Medo pelos nossos estudantes. Por um instante fiquei paralisado, sem acreditar no que estava acontecendo”, relata o professor Edivan Costa, que acompanhava tudo e pedia calma aos policiais.

 

A professora de filosofia e amiga de Edivan, Jaiane Estevam – também afastada por licença médica -, tentava impedir o fechamento do portão sob cacetadas e chutes. “Ela caiu e mesmo agredida consegui colocar a perna entre os portões, que impiedosamente era empurrado pelos policiais. Não havia diálogo, apenas golpes de cassetete, cena que jamais esquecerei”, conta.

 

Primeiramente, Edivan questionou os policiais, que afirmaram que tinham ordem para fechar a escola. Decidiu correr para socorrer Jaiane, já machucada, e foi então que virou vítima também. “Senti pancadas na cabeça e muitos chutes no corpo, me colocaram no chão e me algemaram, meus olhos ardiam em brasa porque jogaram muito gás pimenta, em todo mundo, professor, pai, aluno... Não houve diálogo. Não resisti. Chorei de dor e de vergonha. Minha mãe dizia que não suportaria ver filho algemado em camburão”, desabafa.

 

Resistência

 

Apesar dos gritos de protesto de pais, alunos e docentes para que soltassem o professor, Edivan foi levado para o hospital M’Boi Mirim, onde os policiais tiraram as algemas e permitiram que ele lavasse o rosto. Em seguida, foi obrigado a assinar um termo circunstancial por resistência.

 

A Polícia Militar divulgou uma nota à imprensa no fim de semana sobre uma suposta agressão que um policial teria sofrido de um sindicalista, que seria, na verdade, Edivan. O professor contesta: “não havia ninguém com garrafas naquele momento perto de mim, não sou sindicalista e categoricamente não machuquei o policial”.

 

“Não os culpo enquanto pessoas. E cheguei a dizer que lamentava tudo aquilo, porque o nosso trabalho tem impacto no trabalho deles. Mas culpo esta lógica truculenta que manda PM para escolas, não houve ameaça ao patrimônio ou qualquer situação hostil, era pacífico. Tudo poderia ter sido conduzido de outra forma”, ressalta.

 

Um peso, duas medidas

 

A primeira instituição de ensino a aderir ao movimento de ocupação foi a Escola Estadual Diadema, no ABC, localizada em uma região central da cidade. Algumas horas depois, foi a vez da Fernão Dias Paes, unidade considerada de excelente qualidade e localizada em bairro nobre de São Paulo, na Avenida Pedroso de Moraes, perto da Rebouças, em Pinheiros.

 

Para o professor Edivan, o fato de ser uma escola periférica evidencia uma diferença de tratamento que salta aos olhos. Ele relembra que a Justiça determinou que a polícia não deveria receber ordens de intervir nestas manifestações e atenta para o número de policiais que estão em frente a algumas unidades – na escola de Pinheiros, o contingente chegou a quase 100 homens, mas não houve nenhum caso de abuso de autoridade policial.

 

“A lei do cassetete não pode ser ferramenta de convencimento em lugar nenhum, muito menos no espaço escolar e não perceber isto é assustador”, conclui. A presidente da Apeoesp endossa que a única escola onde se viu uma violência desmedida foi na unidade do Jardim Ângela.

 

“O governo se aproveitou do fato de ser um final de semana para reprimir sem ser questionado. Também salta aos olhos a diferença de tratamento das escolas em área nobre e dos bairros periféricos. O que aconteceu no sábado mostra bem o tratamento que a polícia dá à periferia”, destaca Maria Izabel.

 

 

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Maitê Berna é jornalista da Ponte, onde esta matéria foi originalmente publicada.

 

 

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