Correio da Cidadania

‘A Petrobrás está mais orientada ao capital financeiro do que ao desenvolvimento’

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Com a Petrobrás no centro da crise política, econômica e ética que marcou o ano de 2015 e os desdobramentos da Operação Lava Jato, seus funcionários também entraram em cena e realizaram uma greve de cerca de 20 dias, cuja negociação significou aumento de 9%, metade do que exigia a categoria. Para falar do complexo quadro, que mais uma vez sugere o desmonte privatista da empresa, conversamos com Felipe Grubba, membro do sindicato.

“Defendemos que haja a investigação, averiguação e a punição de qualquer crime, delito ou algo mal feito que possa ter ocorrido. Deve ser feita a devolução dinheiro e aplicadas as penas. Também entendemos que a Lava Jato tem sido usada pela mídia burguesa como um pano de fundo para o verdadeiro interesse do grande capital: a privatização da Petrobrás”, afirmou.

 

Para além do colapso na gestão da empresa e suas lamentáveis consequências para a economia e o emprego, Felipe traz ao debate um importante fator, por vezes esquecido: o caráter já privado de uma parte da Petrobras e as satisfações que deve ao mercado e capital financeiro. A exemplo da mineração, uma boa dose de neocolonialismo como peça-chave do descalabro.

 

“Por ter ações na bolsa de Nova York, fica submetida às leis também dos Estados Unidos, que exigem as assinaturas do seu balanço para a Price WaterHouse Coopers. No auge da crise mundial, não queria assinar o balanço de 2014 da Petrobrás, sabendo que ao não assiná-lo as empresas credoras poderiam pedir antecipação de crédito. Na sequência da assinatura do balanço, a Petrobrás anunciou seu novo Plano de Negócios e pouco antes da assinatura houve a mudança da diretoria para um perfil mais atrelado ao grande capital”, explicou.

 

A entrevista completa com Felipe Grubba, gravada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

 

 

Correio da Cidadania: O que você pode nos contar da greve dos petroleiros recentemente encerrada? Quais as principais razões que levaram os trabalhadores a cruzarem os braços?


Felipe Grubba: Ela teve uma boa adesão nacional, tanto na base do nosso sindicato, que é muito ampla, como também nacionalmente, nos outros sindicatos petroleiros filiados à FUP. A greve, por mais que a gente estivesse em um momento de campanha salarial, se deu por um motivo diferente, que pode ser observado a partir de dois aspectos: tanto o projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP), o PLS 131, que visa substituir a lei da partilha, ou seja, tirar da Petrobrás a condição de operadora única do pré-sal e voltar ao modelo de concessão, como também o Plano de Negócios, apresentado no dia 26 de junho pela Petrobrás, que foi aprovado e visa vender ativos da ordem de 57 bilhões de dólares.

 

Correio da Cidadania: Como a crise da Petrobras e a Operação Lava Jato incidem na greve e na situação dos trabalhadores da empresa, inclusive os terceirizados?


Felipe Grubba: Quanto à Lava Jato, nós trabalhadores defendemos que haja a investigação, averiguação e a punição de qualquer crime, delito ou algo mal feito que possa ter ocorrido. Acreditamos que se comprovado o roubo, deve ser feita a devolução dinheiro e aplicadas as penas definidas para quem tenha cometido o delito.

 

Também entendemos que a Lava Jato tem sido usada pela mídia burguesa como um pano de fundo para o verdadeiro interesse do grande capital: a privatização da Petrobrás. Por mais que o valor roubado na Lava Jato seja alto, ainda representa muito pouco se levarmos em conta o tamanho da Petrobrás e a quantidade de petróleo que gere, além de suas possibilidades e recursos.

 

Portanto, os ataques feitos a partir da utilização dessa operação policial tentam colocar a população contra uma empresa pública. Uma empresa que é sinônimo de orgulho para o povo brasileiro e opera a maior riqueza que nós temos hoje no território brasileiro.

 

Correio da Cidadania: Diante dos escândalos de corrupção que vieram à tona na mencionada operação da PF, o que vocês teriam a dizer sobre a administração da empresa, inclusive por parte do governo, nesses últimos anos?


Felipe Grubba: A Petrobrás até 2002, principalmente durante o governo FHC, teve um foco de buscar sua privatização e diminuição. Com a mudança do governo em 2003, veio uma mudança de postura da Petrobras, a nosso ver positiva. Ela voltou a investir, fazer contratações, concursos públicos, tanto que hoje mais de 50% dos trabalhadores da Petrobrás são oriundos de contratações dos últimos dez, doze anos.

 

Vimos a recuperação de direitos, um momento de fortalecimento e crescimento das conquistas dos trabalhadores, além do fortalecimento da Petrobrás nos últimos dez anos, que foi importante também para os trabalhadores e sem dúvida nenhuma para a sociedade brasileira, porque com a Petrobrás fortalecida foi possível realizar a descoberta do pré sal.

 

Se a Petrobrás não fosse uma empresa pública, com certeza não haveria feito os investimentos que fez para se certificar que o pré-sal existia. O primeiro furo no solo custou mais de R$ 300 milhões. Sabemos que nenhuma empresa no mundo gastaria tal valor para conferir se realmente tem petróleo, ainda mais em um país latino-americano. Foi preciso uma empresa publica e estatal para investir em tecnologia.

 

Infelizmente, no último período temos visto uma mudança na gestão da empresa, a partir de uma troca de diretoria que ocorreu esse ano. Com isso, temos percebido uma mudança ruim, que traz o aumento da truculência com o movimento sindical, além de uma administração mais voltada ao mercado e ao capital financeiro do que ao desenvolvimento nacional.

 

Buscamos o retorno de uma Petrobrás que olhe para o Estado brasileiro e o povo, não apenas para o capital financeiro, como está ocorrendo agora.

 

Correio da Cidadania: Por que houve essa mudança de orientação na empresa se o governo continua tendo o mesmo perfil, a mesma coalizão de partidos comandada pelo PT e mais ou menos as mesmas lógicas de administração e nomeação? Por que houve essa mudança mais recente na orientação administrativa?


Felipe Grubba: Na nossa avaliação, a mudança se dá um pouco por causa da correlação de forças no Congresso. Querendo ou não, temos hoje o pior Congresso da história. Tem bancada da bala, “evangélica”, dos ruralistas, dos planos de saúde, e eles têm comandado o Congresso brasileiro pautados pelo Eduardo Cunha. É uma pauta extremamente conservadora, na qual um projeto derrotado nas urnas vem desde o fim das eleições tentando dar um golpe no governo e impor a sua pauta. E entendemos que tal correlação de forças tem prejudicado bastante a nossa empresa.

 

Houve ainda um outro ataque à Petrobrás: por ter ações na bolsa de Nova York, fica submetida às leis também dos Estados Unidos, que exigem as assinaturas do seu balanço para a Price WaterHouse Coopers, uma empresa estadunidense que já teve no seu passado atitudes controversas. No auge da crise mundial, não queria assinar o balanço de 2014 da Petrobrás, sabendo que ao não assiná-lo, as empresas credoras poderiam pedir antecipação de crédito, o que geraria um prejuízo de R$ 80 bilhões para a Petrobrás, que assim não teria fluidez nem fluxo de caixa para pagar a conta. Isto levaria, sem dúvida, à sua falência.

 

Olhando para este fato, a presidenta Dilma Rousseff colocou um banqueiro que entende de mercado, o (Aldemir) Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil, que conseguiu, de certa maneira, fazer a Price assinar o balanço. Mas acreditamos que teve um preço. Na sequência da assinatura do balanço, a Petrobrás anunciou seu novo Plano de Negócios e pouco antes da assinatura houve a mudança da diretoria para um perfil mais atrelado ao grande capital.

 

O único membro do Conselho de Administração atual que não tem origem no capital e entende de petróleo e de soberania é o conselheiro eleito pelos trabalhadores, Deyvid Bacelar Silva, presidente do Sindicato dos Petroleiros da Bahia. É o único dentro do Conselho Diretor que tenta fazer um debate pelo viés operário, da soberania energética e de desenvolver a Petrobrás enquanto empresa pública.

 

O fato de a Price não querer assinar o balanço e o momento de uma conjuntura interna muito difícil para o governo leva a essa mudança de postura, prejudicial para todos os brasileiros, à soberania nacional, aos trabalhadores e à Petrobrás.

 

Correio da Cidadania: O que vocês comentam do Plano de Desinvestimento da empresa? Quais serão as consequências para a empresa e a economia brasileira?


Felipe Grubba: Se olharmos quando o FHC assumiu a presidência, seu foco era seguramente a privatização da Petrobrás. Era quebrar o monopólio do petróleo e privatizar a Petrobrás. A greve dos petroleiros de 1995 garantiu a não privatização da Petrobrás, mas não conseguiu segurar o monopólio. Vemos, desde 1997, qualquer empresa privada, nacional ou internacional, podendo investir em terminais, exploração e refinos aqui no Brasil. Temos hoje mais de 40 empresas operando no Brasil e explorando petróleo. Só que dessas empresas, hoje, temos 60 encomendas de navios e plataformas nos estaleiros brasileiros. Das 60 encomendas, 58 são da Petrobrás e as outras duas são da PDVSA, que não opera no Brasil.

 

Há 20 anos que essas empresas de capital aberto podem explorar aqui, mas não construíram uma refinaria ou um terminal aqui no Brasil, e usam os estaleiros nacionais. Não tenho dúvida de que o desinvestimento na Petrobrás vai afetar a nossa economia porque sob o viés de uma empresa pública ela tem atuado dentro de uma política nacional. Isso gera emprego, tecnologia e distribuição de renda no Brasil. Tanto que hoje a Petrobrás e as outras empresas envolvidas na Lava Jato representam mais de 16% dos trabalhadores de carteira assinada no Brasil. Além disso, a Petrobrás representa 13% do PIB brasileiro.

 

Portanto, é muito importante que a Petrobrás mantenha a lógica construída durante os doze anos de PT no Planalto. Agora, com o Plano de Negócios sendo posto em prática, não tenho dúvida de que o pré-sal corre sérios riscos. Por exemplo, os royalties para a educação, com o Fundo Social Soberano, corre risco. Toda a cadeia de exploração, desenvolvimento e geração de emprego vai correr risco. E ainda corremos outro risco, que é perder a riqueza do petróleo – afinal, como dizem os pessimistas, o pré-sal no Brasil deve ter 100 bilhões de barris de petróleo, enquanto os otimistas estipulam em 300 bilhões de barris, o que nos elevaria ao patamar de terceiro país do mundo em reservas de petróleo.

 

Assim, se não tivermos a Petrobrás como operadora única sob o regime de partilha, vamos ver o petróleo se transformar na mesma coisa que foi a cana de açúcar, o café, os minérios e todas as riquezas do povo brasileiro, que serviram apenas aos interesses do capital internacional e não ao próprio povo. É por isso que eu defendo que a Petrobrás deve se manter como operadora única do pré-sal sob o regime de partilha, uma empresa integrada e forte, sem esse Plano de Desinvestimento.

 

Umas das áreas que temos pautado é a fabrica de fertilizantes no Mato Grosso do Sul. Essa fábrica está 80% concluída, mas devido à Operação Lava Jato e outros problemas ficou parada, o que gerou a demissão de diversos trabalhadores terceirizados e um problema na cidade de Três Lagoas, onde foi feita a obra. Mas o mais grave no processo é que a Petrobrás, até a década de 90, atuava na área de fertilizantes. Deixou de atuar no governo Collor. O governo do PT, com a ideia de reintegrar a Petrobrás ao Estado, passou a investir nessa área, fundamental não só para a soberania energética, mas para a soberania alimentar, porque atua onde somos hoje extremamente dependentes das multinacionais e do agronegócio.

 

A Petrobrás poderia contribuir com a garantia da nossa soberania alimentar através da produção de fertilizantes ao construir tal fábrica, além de ter comprado uma outra fábrica, que já havia sido da Petrobrás, mas acabou privatizada nos anos 90, chegando até a ser da Vale. Acreditamos ser fundamental que tais obras sejam concluídas, tanto no Mato Grosso do Sul, como o segundo trem da refinaria Abreu Lima. É fundamental. E nessas áreas estratégicas os custos da Petrobrás passam logo a se reverter em lucro e a gerar emprego, distribuir renda e fazer a empresa voltar a ter força econômica.

 

Correio da Cidadania: Que outros caminhos podem ser traçados nesse momento para superar a crise e que expectativas vocês tem quanto ao aproveitamento do país a partir da renda do petróleo, especialmente o pré-sal? Seria essa a disputa de pano de fundo?


Felipe Grubba: Sabemos que das últimas dez guerras que tivemos recentemente, onze foram por causa de petróleo. A Petrobrás, em 1995, quando tentaram privatizá-la, tinha uma perspectiva de 15 bilhões de barris de petróleo. Hoje, temos uma perspectiva de quase 300 bilhões de barris. Sem dúvida nenhuma, o ataque internacional é muito grande e aí sabemos que a mídia burguesa brasileira e a direita que está no Congresso vão servir aos interesses dos seus financiadores do capital internacional e tentar entregar-lhes a Petrobrás e o pré-sal.

 

A crise que a Petrobrás vive, a nosso ver, está sendo exposta pelo próprio governo e gestores da empresa de uma forma exagerada. Entendemos que a Petrobrás passa por um momento de dificuldade financeira e refluxo de caixa, como todas as empresas de petróleo do mundo hoje estão passando, devido à queda do valor do barril de petróleo, imposta pela Arábia Saudita.

 

Todas as empresas estão demitindo trabalhadores ou vendendo áreas. Não é um fator isolado da Petrobrás e acreditamos que há um exagero no discurso da empresa em relação ao seu problema financeiro. Entendemos que há problemas financeiros, mas não é com a venda de ativos que vamos resolver os problemas. Não é assim que se resolve, porque não trará retorno. Se se vende um ativo, depois é muito mais difícil reavê-lo.

 

Temos buscado saídas nas quais a Petrobrás possa se capitalizar e captar recursos sem que venda ativos e prejudique os trabalhadores e a soberania nacional. Para nós é fundamental, e temos falado muito a respeito disso com os trabalhadores: o que fez a Petrobrás ser essa empresa forte, rica e orgulho do povo brasileiro é a capacidade de poder superar as crises, por ser uma empresa que sai do poço de petróleo e vai até o posto de gasolina. Nós temos uma empresa totalmente integrada, diferente de todas as outras empresas do mundo na área do petróleo.

 

Isso possibilita que nas variações cambiais ou de valores de preços de barris ela consegue negociar, a depender de cada área. Abrindo mão de alguns setores, vai se passar o lucro para o setor privado, o que nunca foi bom para o trabalhador e nem para o povo, haja vista que a perspectiva é semelhante ao que foi feito nos anos 90 com o setor elétrico brasileiro. Fragmentaram empresas e depois as privatizaram, e hoje nós brasileiros pagamos uma das contas mais altas de energia, sendo que a geração energética no país é muito barata. Praticamente pagamos as hidrelétricas, e a custo alto, porque ainda por cima os lucros dessas empresas não ficam no Brasil, vão para as suas capitais e sedes internacionais. Com a Petrobrás ainda é diferente...

 

Temos um grupo de trabalho junto com o DIEESE e alguns economistas para buscar uma saída financeira que não prejudique os ativos da empresa, não prejudique os trabalhadores, nem a soberania nacional, e para que a gente mantenha a Petrobrás como uma empresa integrada. Para nós, o foco é buscar com que ela seja uma empresa 100% pública, como já foi no passado, e não aumentar a participação do capital financeiro.

 

 

Áudio da entrevista

 

 

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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas

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