Correio da Cidadania

Greve em Porto Alegre mostrou que governos e sindicatos abandonaram os trabalhadores

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Enquanto começa a se despedir de um ano que não deixará nenhuma saudade, a classe trabalhadora brasileira lambe as feridas e continua calculando os prejuízos causados pelo severo ajuste fiscal imposto pelos governos, de todos os matizes. Além disso, prossegue a dinâmica de greves espalhadas e frequentemente deflagradas contra a vontade de suas corrompidas direções. Na entrevista, falamos com Maxx Frömming, rodoviário de Porto Alegre demitido após greve da categoria.

 

“A greve se deu por conta de uma questão de segurança bastante complicada, sob a ocorrência de vários assaltos, em níveis absurdos neste ano. Foram feitas várias tratativas com as empresas, polícias, prefeitura etc. Mas nada surtiu efeito. Os assaltos foram ficando cada vez mais frequentes e violentos, tendo chegado até a mortes. Assim, a coisa ficou insustentável. No entanto, o problema é que não havia segurança nem pra nós nem para as pessoas que tomam os coletivos. Já o sindicato, não nos deu apoio algum”.

 

Como se vê, o arrocho gaúcho fez estragos diretos no tecido social, tendo inclusive feito os policiais militares do estado cruzarem os braços por conta dos atrasos nos salários, eufemisticamente chamados de “parcelamento” pelo governo de Ivo Sartori, do PMDB. Além do abandono da Força Sindical aos trabalhadores, Maxx contou um pouco do descalabro que acometeu a capital gaúcha em 2015 e das opções governamentais.

“O governo gaúcho corta parcela dos salários dos servidores e criou uma série de impostos, com a justificativa de cumprir o pagamento dos salários. Porém, logo após a aprovação da nova carga tributária já atrasou o pagamento de setembro aos servidores. Mas os compromissos com as empresas, e no fim das contas com a burguesia, estão todos em dia. Com eles tudo se mantém firme e forte pra que não percam dinheiro. Os trabalhadores ficam em segundo plano e não tem nenhuma visibilidade para esse governo”, resumiu.

A entrevista completa, gravada nos estúdios da webrádio Central3, podes ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: O que você nos conta do processo de demissão dos rodoviários do Rio Grande do Sul?


Maxx Frömming: A greve se deu por conta de uma questão de segurança bastante complicada, sob a ocorrência de vários assaltos, em níveis absurdos neste ano. Foram feitas várias tratativas com as empresas, polícias, prefeitura etc. Mas nada surtiu efeito. Os assaltos foram ficando cada vez mais frequentes e violentos, tendo chegado até a mortes. Assim, a coisa ficou insustentável.

 

Depois, foi anunciada uma paralisação das atividades da Brigada Militar, por conta do parcelamento dos salários promovido pelo governo estadual. Naquele momento, com a polícia trabalhando, a dificuldade de receber segurança já era grande; sem ela, ficamos realmente com muito medo de ir às ruas trabalhar. Fizemos assembleia e a totalidade dos trabalhadores decidiu pela greve enquanto a polícia não voltasse ao normal.

 

A seguir, uma liminar determinou que liberassem os portões das garagens de ônibus, a pedido da diretoria da empresa. Resolvemos acatar, pois em caso contrário teríamos multa diária de 20 mil reais. Não teríamos dinheiro e decidimos liberar os portões. Ocorreram vários assaltos logo a seguir.

 

Passados três dias da paralisação, nós que estávamos participando do processo fomos avisados da demissão por justa causa. É caso de perseguição política também, pois já havíamos relatado várias coisas erradas na empresa, como superexploração do trabalho. Como bom jogo de cartas marcadas, aproveitaram a oportunidade pra demitir as pessoas envolvidas com as denúncias internas.

 

Correio da Cidadania: Em que condições esses trabalhadores estão vivendo agora? Há algum esforço pela readmissão de vocês?

 

Maxx Frömming: Estamos todos sem renda, vivendo de apoio de amigos e forças políticas solidárias. A justiça não tem sido favorável, sempre julgando a favor do patrão. É tudo muito amarrado, com audiências sendo proteladas. A minha já ocorreu, e a advogada da empresa pediu para fazer acréscimo de provas ao processo, o que fez a audiência ser remarcada para 2016. Foram seis dispensados até agora e vivemos de auxílio de camaradas e colegas solidários.

 

Nota da Redação: após a entrevista, o delegado sindical Afonso Martins foi reintegrado através de liminar da justiça.

 

Correio da Cidadania: Como foram as greves e mobilizações políticas que antecederam essa criminalização?

 

Maxx Frömming: Fizemos uma paralisação que sequer durou um dia inteiro, pois terminou às 13 horas. Mas a empresa que trabalhávamos era responsável pela maior parte do transporte da cidade, o que afetou bastante gente.

 

No entanto, o problema é que não havia segurança nem pra nós nem para as pessoas que tomam os coletivos. Já o sindicato, não nos deu apoio algum. Fica difícil trabalhar sem segurança e nem ao menos apoio sindical nas reivindicações. Eles não compareceram na empresa e em outras atividades, foram tentar garantir a segurança, mas a realidade é que as condições estavam bem violentas.

 

Correio da Cidadania: Qual a relação dos trabalhadores rodoviários com o seu sindicato representativo? Há uma ajuda constante em relação aos demitidos?

 

Maxx Frömming: É uma categoria que não se sente representada pelo sindicato. Na eleição do ano passado, eles conseguiram se reeleger com votos de trabalhadores já aposentados e inativos, o que fez a pequena diferença do pleito. E quase todos os votos dos aposentados e inativos se deram na mesma urna.

 

Assim, somos representados por um sindicato cuja direção não reivindica nada, apenas atropela direitos dos trabalhadores e as próprias assembleias, nas quais recusávamos propostas que depois eram dadas como aceitas.

 

Acabou-se com a legitimidade das assembleias realizadas, de modo que no fim das contas o sindicato sempre está contra os trabalhadores na hora da mobilização.

 

Correio da Cidadania: Diante da mobilização dos servidores públicos do estado, acredita que os rodoviários também possam voltar a se mobilizar no sentido da greve?

 

Maxx Frömming: Não posso falar com muita precisão, mas acredito que seja difícil, em virtude do clima de terror colocado dentro das empresas, a exemplo do que ocorreu conosco, que servimos de exemplos aos demais. E é terror mesmo, com ameaças diretas de demissão. No dia da nossa demissão, inclusive, lançaram uma carta a todos os trabalhadores da empresa “explicando” que aquele não era o caminho, que se devia buscar dialogar etc.

 

Porém, dialogamos inúmeras vezes, e precisamos partir pra esse tipo de atitude. Foi uma necessidade, pois trabalhamos com medo, por nós e por todas as pessoas que transportávamos. Somos todos trabalhadores, que saíamos pra trabalhar e não sabíamos como, e se, voltaríamos.

 

Correio da Cidadania: Como analisa o atual ano político, tanto em âmbito federal como estadual, e quais reflexos acredita que sofrerá a classe trabalhadora, que teve um ano repleto de greves e mobilizações localizadas?

 

Maxx Frömming: Tanto o governo federal como os estaduais criam crises em que, na verdade, não são de tal proporção, de modo a fazer os trabalhadores pagarem a conta criada por eles. Hoje, o governo gaúcho corta parcela dos salários dos servidores e criou uma série de impostos, com a justificativa de cumprir o pagamento dos salários.

 

Porém, logo após a aprovação da nova carga tributária já atrasou o pagamento de setembro aos servidores. Mas os compromissos com as empresas, e no fim das contas com a burguesia, estão todos em dia. Com eles tudo se mantém firme e forte pra que não percam dinheiro. Os trabalhadores ficam em segundo plano e não tem nenhuma visibilidade para esse governo.

 

Áudio da entrevista

 

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Gabriel Brito e Paulo Junior são jornalistas.

 

 

 

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