Por que os autonomistas estão em conflito com as lideranças tradicionais da esquerda?
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- Patricia Iglecio
- 08/09/2016
Cerca de 100 pessoas se reuniram, nessa segunda-feira (5), no Fórum Criminal da Barra Funda, pela liberdade de 27 detidos na manifestação “Fora Temer” do último domingo (4). Foram 6 pessoas detidas durante o protesto e outras 21 presas no Centro Cultural São Paulo (CCSP), antes mesmo de o ato começar. O grupo se manteve no Fórum até a soltura dos jovens, que aconteceu por volta das 18h.
Universitários e secundaristas menores de idade foram acusados de formação de quadrilha, intenção de vandalismo e corrupção de menores. Policiais cercavam os manifestantes. Pais, professores, estudantes e advogados militantes estavam lá, com medo. Muitos se recusavam a dar entrevista e aparecer na câmera. Estado de exceção e medo. As falas tinham que ser baixas, podia ter um p2 lá escutando tudo.
A Vaidapé conseguiu algumas entrevistas, mas ouvimos o que a mídia, nem alternativa nem de direita, vêm noticiando. Um professor do estado de São Paulo fez uma fala e seus companheiros pediram calma. “Calma?”, ele indaga, “eu estou desde 95 tendo que ter calma, levando bomba. Sou professor do estado, porra! A galera do PT que estava no gabinete tem que entender que a gente sempre esteve na rua”.
Seu nome e imagem o professor se recusa a liberar para as câmeras, já que a perseguição política é antiga. Ele conta que muitos dos estudantes secundaristas também não podem se expor, por conta da perseguição que sofrem desde o movimento que ocupou as escolas, no final do ano passado.
Na frente do Fórum, algumas das mães dos detidos, advogados e alunos se reuniam. Rosana, mãe de um dos estudantes presos, estava cansada. Já tinha se recusado a dar entrevistas para a grande mídia, mas explicou para a Vaidapé a dor de ter passado horas sem entender porque seu filho estava preso. “Eles estavam reunidos apenas para irem juntos ao ato, as pessoas tem de ter o direito de se manifestar.”
“Ontem eles se encontraram no CCSP para ir à manifestação e foram presos. Daí eu recebi a ligação de um investigador falando que meu filho estava detido no DEIC, mas não me explicaram o motivo. Às 18h eu me encaminhei até lá. Não deixavam entrar nem mães, nem pais, nem advogados. Às 20h eu consegui dar um abraço muito rápido no meu filho. Daí entrou mais uma mãe e não entrou mais ninguém até às 1h30 da manhã. Não explicaram para a gente porque eles estavam presos”, conta.
Ela continuou o desabafo relatando descasos da polícia com familiares e advogados que tinham a entrada vetada pela PM. “O que pega é esse tempo de espera sem entender o que está acontecendo. Só deixaram os advogados entrarem quando chegou o Eduardo Suplicy (candidato a vereador de São Paulo pelo PT) e o deputado Paulo Teixeira (também do PT). Antes deles chegarem ninguém tava entrando. Alegaram que os jovens estavam carregando arma branca”.
Rafaela, outra professora da rede estadual e militante autonomista, acredita que a prisão arbitrária dos 22 é reflexo de “uma tragédia anunciada e que não foi discutida”. Ela pontua que assim como outros professores e estudantes, está nas ruas há mais de dez anos e a repressão policial sempre existiu.
“Em 2013, ainda no governo do PT, tiveram casos de pessoas que perderam o olho durante manifestações, por exemplo. Não é momento para a gente fazer essa crítica aos companheiros, e sim de ir para a rua juntos. Mas também precisamos refletir sobre o que aconteceu nos últimos 13 anos”, reflete.
A prisão dos jovens resultou em uma discussão maior sobre os conflitos dentro dos atos Fora Temer. Parte da esquerda autônoma criticou a posição de Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST), que concedeu entrevista à Folha de São Paulo afirmando que “nas nossas manifestações não há espaço para táticas dessa natureza”, se referindo à tática black bloc.
Além disso, estudantes secundaristas acusaram militantes do MTST de não permitirem que os jovens utilizassem máscaras e ficassem na linha de frente durante os protestos. A acusação gerou um posicionamento de Boulos, que disse discordar da tática porque acredita “que afasta pessoas das mobilizações e toma decisões isoladas” e que “confundir isso com ‘criminalização’ ou ‘medo da ação direta’ é de uma má-fé impressionante”. Clique aqui para ler a nota.
Para Rafaela, “usar a mídia burguesa (como fez Boulos) para dizer que não tem que ter gente com máscara nos atos é totalmente fascista. Eu defendo os companheiros que acham que a via parlamentar é a solução. Acho que eles tem que ir lá e disputar mesmo, fazer o papel deles bem feito. Então, por que criticar os autonomistas e o que a (nossa) tática defende?”, questiona.
Com relação à presidenta afastada Dilma Rousseff (PT), a militante acredita que o país sofreu um golpe jurídico e institucional. “O que eu tenho a dizer é que assim, pô companhada, agora vocês estão no mesmo barco que nóis. O que nos dividia é que vocês eram governo e nós sempre estivemos na rua tomando bomba e bala, e na periferia a bala nunca foi de borracha”.
Como foram as prisões
Cauan Botelho é estudante universitário e um dos jovens presos no CCSP. Ele contou para a Vaidapé tudo que aconteceu, da prisão até o momento em que foram soltos. “Nós somos um grupo de pessoas que se conheceu na linha de frente dos últimos atos. Nisso, criamos grupos de conversa no WhatsApp de 21 pessoas para conversar, se organizar, manter um controle e proteção durante as manifestações, caso alguém se machucasse”, conta.
“Nos encontramos no Centro Cultural para irmos juntos para o ato. A mídia joga a culpa da repressão policial no black bloc, a galera do MTST tinha soltado uma nota dizendo que não ia permitir gente com máscara, mas a máscara é uma questão de segurança”, pontua.
Cauan explica que dentro do CCSP eles notaram que os seguranças estavam se comunicando o tempo inteiro, e não demorou muito para que os policiais chegassem apontando armas letais para os jovens.
“Eles nos enquadraram e tiraram fotos dos nossos rostos mais de uma vez. Chamaram policiais mulheres, porque a gente tinha 9 mulheres no nosso grupo, fizeram a revista com elas no banheiro e encaminharam a gente para o DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais). Uma secundarista foi pega pelo pescoço. Apontaram uma arma de fogo para o Cunha, que é dos Jornalistas Livres, e deram uma barra de ferro para incriminar”, denuncia.
Os jovens ficaram presos e sem a possibilidade de se comunicar com pais e advogados até às 2h da manhã, quando chegaram o ex-senador Eduardo Suplicy e o deputado federal Paulo Teixeira. “Acusaram a gente de formação de quadrilha, de corrupção de menores e de intenção de vandalismo”, explica.
Outros seis jovens foram encaminhados para o DEIC acusados de vandalismo durante o ato. Após uma audiência de custódia na segunda, 5, por volta das 18h, os jovens foram soltos e agora estão aguardado o processo em liberdade.
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Patricia Iglecio é jornalista da Revista Vaidapé, onde a matéria foi originalmente publicada.