“Não dá pra sair da crise apenas pela via institucional”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 06/07/2017
Um governo que rasteja sobre as evidências de corrupção, mas consegue empurrar suas contrarreformas para o mundo do trabalho, que por sua vez não oferece uma resposta à altura dos acontecimentos e viu sua pretensa greve geral ser sabotada pelas próprias lideranças. É sobre este cenário que Silvia Ferraro, coordenadora do MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente Socialista), fala ao Correio da Cidadania.
“O dia 30 de junho ficou bem aquém das necessidades que temos de derrotar de uma vez por todas o governo Temer e as reformas em curso. Neste sentido, infelizmente, foi uma inflexão negativa na curva ascendente que os movimentos estavam tendo desde o dia 8 de março”, sintetizou.
Na conversa, Ferraro critica o abandono da Força Sindical e UGT, que sentaram pra barganhar com Temer, e também responsabiliza o campo ligado ao lulopetismo pelo imobilismo, inclusive em relação às próprias bases que representa. Em sua análise, outro ponto negativo é o desvio do foco para as eleições, como se viu em discursos na Avenida Paulista.
“As eleições, por si só, não vão resolver os problemas dos explorados e oprimidos senão houver mobilização popular e de classe em torno de outro projeto de enfrentamento ao capital. Isso dito, o problema não é apresentar uma alternativa política também nas eleições, o problema é achar que, por dentro da institucionalidade, as coisas irão melhorar do ponto de vista da classe trabalhadora”, apontou ela, que também é professora de história.
A entrevista completa com Silvia Ferraro pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como analisa a greve do dia 30 de junho? Diante do 28 de abril, considera decepcionante?
Sílvia Ferraro: O primeiro fato a constatar é que não houve uma greve geral no dia 30 de junho. O dia 30 foi um dia de mobilizações, paralisações parciais mais fortes em algumas capitais, como o DF ou Fortaleza, atos e fechamentos de vias públicas ou ocupações simbólicas dos aeroportos, como foi feito em SP pelo MTST. Temos de valorizar todas as iniciativas realizadas com muito esforço por parte dos trabalhadores e dos movimentos sociais, porém, ficou longe de ser uma greve geral.
Comparando com o 28 de abril, que de fato foi um dia de greve geral bem forte, o dia 30 de junho ficou bem aquém das necessidades que temos de derrotar de uma vez por todas o governo Temer e as reformas em curso. Neste sentido, infelizmente, o dia 30 foi uma inflexão negativa na curva ascendente que os movimentos estavam tendo desde o dia 8 de março, dia internacional das mulheres trabalhadoras.
Correio da Cidadania: O que levou algumas centrais a abdicarem da greve?
Sílvia Ferraro: Creio que o elemento determinante para que não tenha havido um dia de greve geral foi o recuo de algumas centrais sindicais, mais especificamente a Força Sindical e a UGT, que sentaram para negociar com o governo Temer. Estas centrais colocaram como prioridade a negociação em torno à garantia da continuidade do imposto sindical ou de outra forma de financiamento dos sindicatos, que seria garantido em Medida Provisória depois que a Reforma Trabalhista fosse aprovada. Depois da negociação com o Temer, tais centrais abandonaram a greve geral e isso enfraqueceu o conjunto da mobilização.
Correio da Cidadania: O que pensa da postura das centrais vinculadas ao lulismo? Fizeram corpo mole, jogo duplo não muito distante das centrais que esvaziaram a greve?
Sílvia Ferraro: Penso que a responsabilidade das centrais do campo “lulopetista” é diferente das outras centrais que explicitamente negociaram com o Temer. Assim, não devemos colocar todas no mesmo barco. Porém, há que colocar reponsabilidade também, pois principalmente a CUT, a maior central sindical do Brasil, deveria ter denunciado publicamente o recuo da Força e da UGT e chamado as bases dessas centrais a se rebelarem.
A CUT e a CTB não se enfrentaram com as outras centrais que pularam fora da greve geral, não houve nenhuma crítica pública por parte delas. E também poderiam ter mobilizado com muito mais força suas próprias bases. Nestes momentos é necessário dar nitidez aos trabalhadores, explicar o que está acontecendo. A confusão influenciou negativamente na construção da greve geral.
Correio da Cidadania: O que achou dos discursos eleitoreiros de algumas lideranças, como se viu na Paulista?
Sílvia Ferraro: Aqueles que falam que tudo irá se resolver com as eleições de 2018 estão completamente errados. Está sendo implementado um projeto no Brasil de retirada profunda de direitos históricos, assim como estão deixando o Brasil mais dependente ainda economicamente do sistema financeiro e das transnacionais.
Portanto, as eleições, por si só, não vão resolver os problemas dos explorados e oprimidos senão houver mobilização popular e de classe em torno de outro projeto de enfrentamento ao capital. Isso dito, o problema não é apresentar uma alternativa política também nas eleições, o problema é achar que, por dentro da institucionalidade, as coisas irão melhorar do ponto de vista da classe trabalhadora.
Correio da Cidadania: Nesse sentido, quais seriam, a seu ver, os cálculos de quem ainda planeja recolocar Lula na presidência?
Sílvia Ferraro: Acho um equívoco o projeto de querer recolocar Lula na presidência, não por causa da pessoa do Lula, mas por causa do projeto que ele representa. Lula e o PT não fizeram nenhuma autocrítica dos 13 anos que governaram em aliança com o PMDB do Temer, com o agronegócio, com os banqueiros e grandes empresários. O recente Congresso do PT só exaltou os anos de governo do partido como se tivessem feito tudo certo.
Temos uma avaliação de que o projeto de conciliação de classes colocado em prática pelo lulopetismo é o que levou a classe trabalhadora à paralisia, abriu o caminho para o golpe parlamentar e todas as consequências dele que estamos ainda vivendo. Por isso, querer repetir Lula e o seu projeto é um erro.
Correio da Cidadania: Diante da postura de grupos e partidos organizados em torno da Frente Brasil Popular e seus projetos políticos, a única oposição de esquerda possível não seria aquela claramente descolada do programa neoliberal ou, mais declaradamente, anticapitalista?
Sílvia Ferraro: Sim, com certeza. O projeto de reeditar um governo de conciliação de classes é um erro. A esquerda socialista deve se dedicar a construir um programa com medidas anticapitalistas para o Brasil sair da crise e pra isso construir um campo político classista que encampe este projeto.
Correio da Cidadania: O que fazer neste momento em que o país se encontra parado, sob um governo totalmente desmoralizado, mas que de alguma maneira se mantém?
Sílvia Ferraro: Temos de continuar a mobilização popular nas ruas pelo Fora Temer e suas reformas. Além disso, é necessário indicar uma saída via novas eleições diretas. Existem setores burgueses que querem tirar o Temer através de um acordo, via eleições indiretas. É necessário que Temer seja derrubado pela força da mobilização popular e a saída imediata sejam novas eleições diretas para presidente e o Congresso.
Dessa forma, podemos barrar a agenda das reformas e apresentar um projeto da esquerda socialista com medidas anticapitalistas. Este projeto a ser construído não se restringe às eleições, mas se houver novas eleições com certeza será obrigação apresentá-lo através da composição de uma frente que reúna os principais partidos da esquerda como o PSOL, PSTU e PCB, assim como movimentos sociais combativos como o MTST.
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Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.
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