Correio da Cidadania

Megaocupação de São Bernardo é reflexo óbvio do desemprego galopante do país

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Foto: Ricardo Stuckert

De repente, em meio a um momento de grande apatia e desencanto da população brasileira, surge uma imensa ocupação de terra no meio de São Bernardo do Campo, histórico polo industrial brasileiro. Com mais de 6000 pessoas, as fotos aéreas impressionam pela extensão de barracas de lona. Sobre este acontecimento, entrevistamos Aldo Santos, professor, ativista e ex-vereador da cidade, que acompanha a ocupação desde a chegada das primeiras famílias.

“São pessoas moradoras de rua, desempregadas, que não conseguem pagar aluguel e com o desemprego são empurradas desesperadamente para as soluções que são traçadas pela própria classe trabalhadora. Essa ocupação é simbólica das condições econômicas e políticas em que vive o país, mergulhado no lamaçal da corrupção e do sequestro de direitos. A tendência é aumentar a luta na cidade e no campo contra os detentores do capital”, explicou.

E do momento em que o país vê uma exaltação de ânimos e ódios irracionais, causou espanto o episódio em que um “morador” da ocupação recebeu um tiro, que os sem tetos alegam ter saído da janela de um prédio vizinho. Sem graves consequências para o ferido, um ato de solidariedade reuniu milhares de pessoas no último domingo, muitas de fora da ocupação organizada pelo MTST (Movimentos dos Trabalhadores(as) Sem Teto).

“Existem políticos tradicionais na cidade que ficam insuflando o povo contra a ocupação, atribuindo todo tipo de adjetivo aos moradores que estão no local. Os moradores dos prédios não são burgueses, não detêm os meios de produção. São operários qualificados, professores e metalúrgicos que são igualmente explorados e a grande e esmagadora maioria vive num apartamento alienado, tendo apenas dezenas de carnês de prestação, a perder de vista. Com a economia em frangalhos, possivelmente em pouco tempo poderão estar desempregados e sem alternativa também”, pontuou Santos, referindo-se à postura do prefeito Orlando Morando, do PSDB.

A entrevista completa com Aldo Santos pode ser lida a seguir.


Aldo Santos. Imagem da TV Bernô.

Correio da Cidadania: Como começou a megaocupação do MTST em São Bernardo do Campo?

Aldo Santos: O MTST tem uma lógica própria de viabilizar suas ocupações, que passa pelo levantamento do terreno adequado, a preparação da logística, a eficácia na ocupação, que sempre ocorre de acordo com os interesses e estratégias do movimento etc. Dentro desta dinâmica, somente um grupo de dirigentes tem o controle dos passos a serem seguidos. Na verdade, São Bernardo do Campo é uma grande cidade que possui grandes bolsões de terra que via de regra estão apenas no aguardo da ação da especulação imobiliária.
 
Correio da Cidadania: Você tem acompanhado a rotina local? Como tem sido os dias dessas famílias?

Aldo Santos: Tenho acompanhado parcialmente o movimento, uma vez que existe uma forte repressão do aparato policial e da guarda civil municipal, impedindo que se estacione próximo ao local, pois os carros são multados ilegalmente, guinchados, a fim de tentar desestimular o maior acesso dos moradores da ocupação. Contraditoriamente, o movimento só tem aumentado e certamente será vitorioso diante da falta de moradia popular da cidade, do desemprego crescente e da necessária socialização das terras improdutivas em mãos de poucos, mesmo nos meios urbanos.

Na verdade, existe uma demanda reprimida, pois o poder público vem deixando a desejar e no governo passado sequer o povo conseguiu moradia decente. E quando tentavam ocupar uma área ociosa, a própria tropa de choque da Guarda Municipal tirava o povo sem dó nem piedade, mesmo ao arrepio da lei.


Foto: Rodrigo Pinto
 
Correio da Cidadania: Como foi o episódio do tiro que teria vindo de um morador de prédio vizinho ao terreno, que feriu um homem da ocupação? Que pano de fundo você vê no episódio?

Aldo Santos: Existem políticos tradicionais na cidade que ficam insuflando o povo contra a ocupação, atribuindo todo tipo de adjetivo aos moradores que estão no local. Os moradores dos prédios não são burgueses, não detêm os meios de produção. São operários qualificados, professores e metalúrgicos que são igualmente explorados e a grande e esmagadora maioria vive num apartamento alienado, tendo apenas dezenas de carnês de prestação, a perder de vista. Com a economia em frangalhos, possivelmente em pouco tempo poderão estar desempregados e sem alternativa também.

Portanto, é uma falsa polêmica jogar os moradores dos prédios contra os sem tetos, uma vez que devemos registrar que mesmo nestes apartamentos temos centenas de pessoas solidárias com os ocupantes, inclusive ajudando com doações. São informações que precisam ser apuradas pela polícia, que deve esclarecer urgentemente os fatos, pois oficiosamente e segundo moradores o tiro teria partido da direção de um dos apartamentos.

Assim, a mesma não pode ser conivente com práticas criminosas nem fazer distinção social. Essas manifestações raivosas e inconsequentes só fazem aumentar o número de participantes, haja vista as milhares de pessoas que participaram do ato político do último domingo, dia 17. O pano de fundo é sempre tipificar e tratar a luta social como caso policial. As ocupações na verdade anunciam o desemprego galopante com cerca de 14 milhões de desempregados e famélicos em nosso país e a necessidade urgente de se viabilizar as reformas agrária e urbana.

O crescimento de uma cidade deve levar em conta um planejamento habitacional, principalmente em se tratando de uma cidade rica como São Bernardo, que tem um orçamento em torno de 6 bilhões de reais e já deveria ter resolvido esse tipo de demanda humanitária.
 
Correio da Cidadania: Como você descreveria o perfil dessas famílias, de modo a compreendermos um pouco melhor como se chegou a tal ocupação?

Aldo Santos: São pessoas moradoras de rua, desempregadas, que não conseguem pagar aluguel e com o desemprego são empurradas desesperadamente para as soluções que são traçadas pela própria classe trabalhadora. É o contraste de uma cidade rica convivendo com uma cidade empobrecida pelo sistema vigente, excludente e que geralmente tenta jogar o povo na marginalidade. Felizmente, quando o poder público não responde aos anseios efetivos da classe, a própria classe aponta o caminho da luta e da resistência, que é organizar, ocupar, resistir e morar.
 
Correio da Cidadania: O que a massividade da ocupação representa em relação ao atual momento socioeconômico do país?

Aldo Santos: Essa ocupação é simbólica das condições econômicas e políticas em que vive o país, mergulhado no lamaçal da corrupção e do sequestro de direitos. A tendência é aumentar a luta na cidade e no campo contra os detentores do capital. Concomitantemente, denuncia o estado de penúria em que vivem milhões de trabalhadores abandonados à sua própria sorte.

O próprio nome da ocupação, “Povo sem medo”, está dentro de um contexto de enfrentamento à quadrilha política que se apossou do país e precisa ser removida o mais rápido possível. O papel do MTST, MST, organizações de esquerda, partidos políticos de esquerda e a sociedade consciente dos ataques do governo em relação ao congelamento de salário, desemprego, desmantelamento dos direitos trabalhistas, da reforma da previdência e outras mazelas de Temer e seus asseclas requer que urgentemente sejam barrados. A luta organizada é o nosso esperançar.
 
Correio da Cidadania: O poder público tem dialogado com as famílias da ocupação? Em que pé estaria essa relação?

Aldo Santos: O prefeito da cidade tem afirmado que não negocia com “invasores”, se omitindo de seu papel de governante e se acovardando diante da massa humana que vem se articulando em torno dessa luta e outras lutas na cidade. É urgente que o prefeito, a câmara municipal, as instituições humanitárias busquem um caminho para a solução do impasse que a miserabilidade social criou.

Quando fui vereador na cidade, participei de inúmeras ocupações e os prefeitos na sua grande maioria atenderam o movimento, acolheram e os trataram com respeito e dignidade. Esperamos que o atual prefeito faça um gesto de um agente político responsável, abra diálogo e apresente uma perspectiva para os rumos do movimento.

A queda de braço não interessa aos governantes, pois se trata de moradores da cidade e contribuintes que estão num momento de agonia social e à espera de o poder público dar uma resposta urgente e satisfatória.
 
Correio da Cidadania: Você é um ativista que vive o cotidiano da cidade de São Bernardo e suas lutas sociais. Como tem sido o contexto do município na nova gestão, de Orlando Morando, do PSDB e cujos discursos lembram os de João Doria, figura agora nacionalmente conhecida?

Aldo Santos: O perfil do prefeito Orlando Morando é similar ao da capital João Dória, que está mais preocupado em golpear o Alckmin e cuidar da campanha nacional do que administrar a cidade de São Paulo. Em São Bernardo, o prefeito só falta se vestir de sem teto, dormir no acampamento debaixo de lona de plástico preto no calor e no frio para sentir efetivamente a agonia dos seus semelhantes. Este terreno ocupado está há mais de 40 anos cumprindo uma função especulativa e não social.

Recentemente, o prefeito vem criminalizando moradores de áreas de mananciais como os da área pós-balsa no Riacho Grande, limitando o direito de ir e vir, uma concreta prática de ausência de projetos para esta população tão importante. Portanto, a cidade vem piorando a cada dia que passa no atendimento à saúde, educação, habitação, mobilidade urbana, além de ter retomado para a prefeitura o terreno com o prédio do IMASF, praticamente pronto, onde seria o hospital dos servidores municipais.
 
Correio da Cidadania: No plano mais amplo, o que vislumbra para o Brasil nos próximos tempos, em termos de tensões sociais e políticas?

Aldo Santos: Mesmo diante de golpes e mais golpes e até ameaça de intervenção militar por um determinado general, a história do nosso povo sempre foi uma história de lutas e resistências e dessa vez não será diferente. Eu vislumbro que precisamos passar este país a limpo, varrendo os corruptos do poder, prendendo os larápios do poder público em suas relações públicas e privadas, organizar o povo para o enfrentamento necessário e definitivamente avançarmos na construção de uma nova sociedade livre, democrática, igualitária e socialista. Revolucionar é preciso!


Foto: Rodrigo Pinto.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.
Fotos de Rodrigo Pinto retiradas de matéria do jornalista Marcelo Mendes - ver mais aqui

 

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