Correio da Cidadania

“São Paulo é laboratório da Reforma da Previdência"

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A maior cidade do país começa o ano como palco daquela que é a maior luta trabalhista do momento: a dos servidores municipais, em greve desde 4 de fevereiro, após aprovação da Reforma da Previdência municipal, na inusitada data de 26 de dezembro. Após um mês, a paralisação mostra um nível inédito de unidade entre as diversas categorias da administração pública. A este respeito, falamos com a professora de geografia Léia Chrif de Almeida, de um dos comandos de greve da zona norte da capital.

Além de contestar a noção de déficit da previdência, Léia lembra que o estudo contratado pela prefeitura foi feito pelo setor bancário, evidente beneficiário de fundos privados de capitalização, a alternativa aos regimes tradicionais. Além do mais, destaca a coerção do prefeito Bruno Covas. “Foram 33 votos a favor e 17 contra. Dos 33, tentamos dialogar, inclusive por redes sociais. Alguns respondiam que votaram contra na primeira vez e perderam vários cargos comissionados. ‘Ou vocês colocam 100 mil na rua ou vou ter que votar a favor pra não perder cargos’. Houve um conchavo entre parte dos vereadores e a prefeitura, portanto”.

Em sua visão, a amplitude da greve mostra uma percepção geral do que está em jogo, por mais que governo e mídia empresarial ignorem as pautas e lutas políticas dos afetados. A professora também coloca a disputa com um “termômetro para a reforma nacional da previdência”, o que aumenta a dimensão da atual greve e, ao final da entrevista, acrescenta uma crítica ao atual sindicalismo brasileiro.

“Trata-se de desmontar todo o serviço público de São Paulo e colocar os recursos nas mãos de banqueiros. E sabemos que grande parte dos devedores são bancos. Não existe Rombo da Previdência. Existe desmonte do serviço público e desoneração do Estado na sua responsabilidade social, com enriquecimento privado via Estado e seguridade social. Esse é o real problema”.

A entrevista completa pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Primeiramente, qual avaliação vocês fazem da greve dos professores municipais até aqui, além da unificação com servidores de outras áreas do serviço público?

Léia Chrif de Almeida: É uma construção que vem do ano passado, com sua própria pedagogia. Não participei da grande greve de 2014, mas ouvindo o que colocam os colegas mais experientes, a nova greve começou muito forte porque o Sampaprev foi aprovado no dia 26 de dezembro, estrategicamente num momento em que todos tiram férias, respiram, ficam com a família, temos as festas de fim de ano... Não sei nem se tem precedente de aprovarem algo assim.

Dessa forma, começamos o ano letivo em greve, com bastante adesão e num estado crescente. Ainda não chegamos ao pico. É claro que a cada assembleia há um refluxo, alguns voltam aos postos de trabalho, é algo normal. Nosso papel é mobilizar as pessoas a se manterem em greve, o que aqui no Jaçanã-Tremembé tem surtido efeito, inclusive em escolas sem histórico de adesão.

A unificação parece atingir níveis inéditos, acho até que é a primeira com todas as categorias unificadas, contando com a participação de outros sindicatos, como o Sedim, o Sepe, vários serviços públicos estão parados além das escolas, como os CREAS (Centros de Referências Especializados de Assistência Social), o CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), os agentes da zoonose... É inédito na luta dos servidores, ao menos pelo que dizem os mais velhos, portanto, um diferencial da atual greve.

O prefeito fica bastante acuado, ainda que os professores sejamos maioria dos servidores públicos e maioria nas ruas, nos processos de luta, vemos na unidade entre os servidores, em termos de futuro, bastante desdobramentos, porque a greve educa e politiza. A entrada na greve de outras unidades fortalece o movimento e torna possível a nossa vitória. É um balanço positivo até aqui.

Correio da Cidadania: Qual o nível de adesão do professorado?

Léia Chrif de Almeida: Antes de responder a pergunta, pontuamos a estratégia do PSDB de invisibilizar a greve. Dificilmente eles vêm a público negociar ou falar com a imprensa na primeira semana, no começo do processo. Soma-se a isso a manipulação de dados. Eles só contabilizam as escolas 100% paradas, o que no caso são um pouco mais de 200 escolas.

As escolas paradas parcialmente são um número enorme, o que aumenta muito o número oficial. Na minha escola, o Ensino Fundamental 2 está parado, ao passo que no Fundamental 1 alguns professores ainda não entraram. Assim, o governo não conta a escola como em greve. Fui numa reunião da EMEI de período integral onde só havia duas professoras para quatro turmas. Quer dizer, a escola estava 90% parada e segundo eles não estava em greve.

Quando tem assembleias, paralisações e atos o número de escolas paradas também aumenta – ainda que venha o refluxo que mencionei. De todo modo, há muitas escolas paradas e nuances nos números admitidos pelo governo.

Mesmo entre quem está na greve, não se pode dizer que todos pensam igual. Gostaríamos que todos estivessem parados, mas é bom dizer que professores não parados entendem a importância da luta. Em nível de governo, teremos desdobramentos importantes.

O PSDB quer fazer política e história na prefeitura de São Paulo e na nossa categoria pode haver homogeneidade em relação a este projeto partidário. A grande maioria entende o significado da greve e do que está em jogo para as nossas vidas.

Para reforçar, é difícil precisar o número de escolas em greve, só um trabalho diário poderia medir corretamente.

Correio da Cidadania: Qual apreciação que vocês fazem da reforma previdenciária municipal, aprovada pela Câmara no final de 2018? O que é a Sampaprev?

Léia Chrif de Almeida: É uma catástrofe e uma anomalia para a nossa categoria. A principal estratégia é dividir e esvaziar a categoria politicamente no longo prazo, além de desonerar o Estado da seguridade social, um discurso que está construído amplamente, aliás.

Podemos ainda elencar, entre outras, a questão de esgotar e precarizar nossos planos de carreira. Politicamente, é muito visível a estratégia de divisão da categoria, pois mesmo com muitas divergências somos uma categoria muito forte, vamos às ruas.

Quando comparamos com o âmbito estadual, já não se veem tantos professores nas ruas, pois a categoria é muito dividida e cada um fica com seus problemas, categoria F, categoria O, toda essa sopa de letras que divide as pessoas. No longo prazo, a divisão é uma das funções políticas do Sampaprev.

Sobre a lei 17020/18, cria-se o Regime de Previdência Complementar, que visa limitar a base de contribuição do IPREM (Instituto de Previdência Municipal de São Paulo) ao teto de 5.645 reais. Importante pontuar que esse regime complementar é facultativo. Mas para os novos, que entrarem na prefeitura agora, se estará submetido a este teto. Se eles quiserem ganhar além do teto terão de ir ao regime de previdência complementar.

Pensando na carreira no município, fazemos muitos cursos, pós-graduações, o que se soma a um plano de carreira e um projeto de aposentadoria digna, com saúde etc. Neste novo regime, fica-se restrito ao teto e se queremos ganhar mais devemos ir para o Sampaprev.

Outro ponto importante é que antes de a lei ser aprovada, a prefeitura entrava com contrapartida de 22% para suprir aquilo que passava do teto, e nós com 11%. Aprovada a Sampaprev, a prefeitura entra com 7,5%, no máximo, e nós com 14%. Somando os 14% com Imposto de Renda, na ponta do lápis, temos um confisco salarial.

Outra questão chave é financeirizar a aposentadoria dos servidores como fundo de pensão, a ser gerido por um banco. Lembrando que a instituição contratada para pesquisar o suposto rombo previdência é a Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Se existe o rombo, não entendo porque um banco tem interesse em tomar conta, afinal, é algo falido.

Além disso, outra questão impactante é o que será feito com o dinheiro da capitalização. Não temos controle do que um banco faz com o nosso dinheiro. Ele pode quebrar, fazer maus investimentos, não podemos saber ou controlar.

A Sampaprev inaugura uma rodada de desmontes, de escala federal também. E ao ver o que se fará com funcionários públicos conseguimos vislumbrar nosso futuro. Há todo um aparato de discurso na opinião pública, a dizer que o problema do Brasil são os servidores públicos, como os meios de comunicação de massa fazem brutalmente com seus aparatos de convencimento. Daí entra-se com tais projetos, que visam arrancar o couro das pessoas, que vão morrer trabalhando e ainda por cima na miséria. Aumenta-se a alíquota, a idade mínima, como no caso da previdência nacional, e assim por diante.

É muito substancial ficarmos atentos aos novos rumos que a política brasileira traça em relação ao servidor público. Os estados vêm a público dizer que o grande problema é a folha de pagamento dos servidores, abrindo brechas subjetivas na população a fim de fazê-la aceitar tal discurso. Nesse sentido, estamos tentando conversar e dialogar com a população para dar nossa visão.

Correio da Cidadania: Como responder as alegações de governos a respeito do déficit previdenciário? Se é real, como poderia ser contornado?

Léia Chrif de Almeida: Não existe déficit previdenciário, mas omissão das receitas da previdência, por meio de alguns impostos, por exemplo. Quando se faz a conta com três frentes de sustentação, mas colocam apenas o município e os servidores como contribuintes, é claro que haverá rombo. Mas tem a terceira fonte, os impostos. Nesta conta, que não é apresentada pelos relatórios dos grandes bancos, esconde-se a ideia mentirosa do rombo previdenciário.

Trata-se de desmontar todo o serviço público de São Paulo e colocar os recursos nas mãos de banqueiros. E sabemos que grande parte dos devedores são bancos. Não existe Rombo da Previdência. Existe desmonte do serviço público e desoneração do Estado na sua responsabilidade social, com enriquecimento privado via Estado e seguridade social. Esse é o real problema.

Correio da Cidadania: Há diálogo com a prefeitura e a câmara dos vereadores?

Léia Chrif de Almeida: Em relação à lei 17020/18 não é diálogo, mas acordo de cavalheiros e damas entre prefeitura e vereadores. Em 26 de dezembro estávamos de frente para a Câmara numa grande quantidade de pessoas e tivemos de lidar com muita truculência da Polícia Militar, que feriu muita gente, dentro daquela dinâmica de bombas, gás etc.

Foram 33 votos a favor e 17 contra. Dos 33, tentamos dialogar, inclusive por redes sociais. Alguns respondiam que votaram contra na primeira vez e perderam vários cargos comissionados. “Ou vocês colocam 100 mil na rua ou vou ter que votar a favor pra não perder cargos”. Houve um conchavo entre parte dos vereadores e a prefeitura, portanto.

Embora nosso sindicato, o Sinpeem, seja o maior dos servidores municipais, tem um diretor na base do governo, o Claudio Fonseca. Mas ele está na luta, votou contra o projeto e tenta separar seu papel de base de governo e de sindicalista.  

Correio da Cidadania: O que isso tudo representa num contexto mais amplo, considerando que a nova gestão federal também tem na Reforma da Previdência uma de suas principais pautas?

Léia Chrif de Almeida: O que acontece em São Paulo é termômetro para a reforma nacional da previdência. Podemos ter várias interpretações: se a greve radicaliza a ponto de ficar um enfrentamento cotidiano, vai se estimular os demais trabalhadores a entrarem na luta contra a reforma nacional da previdência.

Temos tidos atos, alguns pequenos diante do que se espera das centrais como CUT, Intersindical, Conlutas, o que reforça o caráter de experimento. Outro sinal é que nosso direito à greve é atacado. Vários diretores cortaram ponto de professores e outros funcionários do quadro de apoio. A greve não é ilegítima, até passou pelos tramites jurídicos. Se este direito é atacado, pode abrir precedentes para que em nível nacional também o seja.

Aposta-se na truculência, mas a categoria também tem respondido. Temos debatido a questão de São Paulo ser laboratório, o que aumenta a dimensão da luta. Temos tido maior visibilidade do que a TV mostra. Quando estamos nas ruas, em atos regionais, conversas em pontos de ônibus, o que isso significa na vida das pessoas e na renda da família, podemos ver que há como acender fagulhas.

Correio da Cidadania: Pra finalizar, como você analisa o movimento sindical brasileiro no atual momento? Como você observa a relação entre direções e bases, ao menos no contexto em que está inserida?

Léia Chrif de Almeida: É uma pergunta difícil de responder, mas há gargalos. Precisamos de unidade neste momento, dentre outras discussões. É um momento de lutas cruciais, de grandes ataques aos trabalhadores. E temos aparatos e instrumentos de luta que são base de governo. Precisamos entender os sindicatos e sua importância. Aquele onde participo faz luta, greve, mas tem diretor da base do PSDB.

Existe um descolamento da base, quando vemos pessoas querendo falar, subir em caminhões de som, colocar propostas, são tolhidas, afastadas, o que é um problema grave. O sindicalismo brasileiro, de modo mais geral, se afastou de suas bases, de suas lutas, e muitos desses instrumentos de luta viraram meios de vida para as pessoas, foram esvaziados de radicalidade – esta se esvaiu no tempo.

Ao mesmo tempo, fazem acordões e conchavos com as entidades patronais. E num momento de ascensão de lutas, como espero que se confirme, precisamos que as bases e trabalhadores tomem a frente das lutas e o sindicato apenas as represente. Se as bases querem radicalidade, os sindicatos não podem jogar água no fogo. E na maior parte das vezes é o que vemos, tratando a radicalidade dos trabalhadores como peças de um tabuleiro que ele gerencia de acordo com o que a patronal lhes sopra no ouvido.

Existem sindicatos seríssimos, mas de modo geral vemos os sindicatos como estruturas extremamente hierárquicas e antidemocráticas, que agem de acordo com interesses patronais. Precisamos repensar o movimento sindical, porque vivemos outros tempos e eles precisam ser apenas um instrumento dos trabalhadores, não um instrumento burocrático que se põe à frente e acima deles, como vemos hoje.


Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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