Carteiros contra tenebrosas transações
- Detalhes
- Contrapoder
- 20/09/2019
Bolsonaro disse que veio para “acabar com tudo que está aí”. Não é verdade. Seu governo ultrarreacionário preserva e aprofunda o que há de mais antigo na sociedade brasileira — a segregação social e a dependência externa. Os objetivos reais do governo miliciano são defender a qualquer custo a plutocracia e liquidar toda e qualquer conquista civilizatória da sociedade brasileira.
Na tarefa do desmanche da Nação, a entrega da economia brasileira aos interesses privatistas ficou a cargo de Paulo Guedes. Ávido por atender às expectativas dos empresários, o lacaio do mercado aproveita que o cidadão comum está consumido na luta diária pela sobrevivência para promover tenebrosas transações, elevar a rentabilidade do empresariado e diminuir seus riscos. Tudo às custas dos trabalhadores, do meio ambiente e das finanças públicas.
Impotente para enfrentar o impacto nefasto da crise capitalista sobre a economia brasileira, a mágica do neoliberalismo colonial é criar “negócios” para o capital pela linha de menor resistência — a ciranda da especulação financeira lastreada em dívida pública, a privatização do patrimônio público e o aprofundamento da posição subalterna do país na divisão internacional do trabalho. É o receituário que levou a Argentina de Macri à terrível situação em que se encontra.
O ministro da Economia não esconde seu desejo de liquidar as estatais. Ignorando olimpicamente a função social das diversas atividades econômicas sob a responsabilidade do Estado, sem nenhuma preparação prévia e sem nenhuma justificativa plausível, a primeira leva de privatização coloca à venda 17 empresas, entre as quais Eletrobras, Serpro e Correios — corporações estratégicas para a vida nacional. Os abutres do mercado comemoram!
Os efeitos perversos dessas privatizações sobre a vida dos cidadãos seriam terríveis e imediatos. No momento em que o padrão energético brasileiro enfrenta uma crise estrutural — pelos efeitos destrutivos do padrão energético brasileiro sobre o meio ambiente e pela ameaça que significa a mudança no regime de chuvas sobre os reservatórios das hidroelétricas -, qual o sentido de abrir mão do principal instrumento de intervenção no setor energético? Quando a guerra econômica gira em torno do controle da tecnologia da informação, a quem interessa alienar a empresa responsável pela tecnologia de informação para o setor público? Na hora em que o mundo entra definitivamente na era da comunicação, por que liquidar um instrumento estratégico de democratização do direito à comunicação e informação?
A intenção de pilhar o patrimônio público para engordar as burras do grande capital é camuflada sob o argumento de que a privatização seria fundamental para enfrentar a crise fiscal e aumentar a eficiência da economia. Associa-se, desonestamente, a desestatização à recuperação da capacidade de gasto do Estado, ao aumento dos investimentos e à recuperação do crescimento e do emprego.
É uma enganação deslavada. O balanço do ciclo de privatização brasileira é emblemático. Após quase três décadas de seu início, no governo Collor, nenhuma de suas promessas foi cumprida. A arrecadação de US$ 106 bilhões com o programa de desestatização entre 1990 e 2015 não impediu que a dívida pública bruta aumentasse em mais de US$ 1 trilhão no período.
A venda de 72 estatais não resultou em nenhuma melhoria na eficiência sistêmica da economia brasileira. Pelo contrário. Qualquer que seja a metodologia adotada, todos os indicadores sistêmicos de produtividade, investimento, crescimento e emprego do período posterior a 1990, sem exceção, são substancialmente inferiores aos do período 1950–1980, quando o setor produtivo estatal exercia papel estratégico na organização da economia brasileira.
Pode parecer bizarro que a privatização do patrimônio público não obedeça à busca do interesse público. Mas, na verdade, trata-se, pura e simplesmente, de rapinagem da riqueza nacional. O exemplo da privatização da Companhia Vale do Rio Doce é eloquente. A empresa foi vendida em 1997, no governo FHC, pela bagatela de US$ 3,3 bilhões, muito abaixo da avaliação de mercado. Em três anos, seu lucro líquido cobriu o custo de compra. Entre 1998 e 2012, o lucro acumulado alcançou US$ 95 bilhões, ou seja, 28 vezes seu valor de compra. Em 2010, o valor da Vale do Rio Doce foi estimado em US$ 175,3 bilhões — uma valorização do capital dos investidores de 5.200% em apenas 15 anos! As catástrofes ambientais de Mariana e Brumadinho serão lembradas como metáforas de sua contrapartida para a sociedade brasileira.
Na semana passada, os trabalhadores dos Correios decretaram greve nacional por tempo indeterminado contra a privatização da empresa. Lutam por empregos, condições de trabalho, salário, e pela defesa do patrimônio público. Na defesa do patrimônio público encarnam interesses de todos os trabalhadores.
Não há dúvida de que as estatais estão cheias de problemas. Porém, jogar o bebê com a água do banho é a pior das soluções. Após quase quatro décadas de neoliberalismo, são fartas as evidências de que a privatização da economia agrava o caráter antissocial, antiambiental e antinacional do capitalismo.
A distorção da função social das empresas públicas — por sua subordinação aos interesses das grandes corporações, por seu aparelhamento por partidos políticos e por sua utilização como fonte de corrupção e cabide de emprego — assim como a cristalização de burocratismo e privilégios corporativos, não interessam à classe trabalhadora. O resgate da função pública das empresas estatais depende de uma completa redefinição do padrão de organização da economia. O antídoto ao controle privado das empresas públicas é colocar toda a economia sob controle dos trabalhadores, começando pela reestatização das empresas vendidas nas últimas décadas! É o debate de fundo que deve orientar a batalha contra a “privataria” de Bolsonaro.
A greve do Correios, suspensa nesta quinta, foi o primeiro embate frontal entre trabalhadores organizados e governo Bolsonaro. Que seja o ponto de partida de uma ampla mobilização contra o desgoverno do ex-capitão e que a força dos trabalhadores abra novos horizontes para o enfrentamento da crise civilizatória que envenena a vida nacional.
Editorial de Contrapoder.