Correio da Cidadania

Novembro negro: resistência negra no Brasil de Bolsonaro

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Passados 131 anos da abolição “formal” da escravatura, o racismo tupiniquim já não busca manter os negros nos cativeiros da escravidão, mas criminalizar seu modo de existir, sua situação de pobreza e marginalidade. O racismo como vimos ganha formas diferentes, é o ápice da decadência de um sistema que oprime todo um povo. No Brasil, existem dois países distintos, aqui a desigualdade racial se expressa de modo cristalino na violência letal e no encarceramento em massa.

No Brasil da onda bolsonarista os assassinatos de negros e negras são avalizados pelas políticas ministeriais. O Atlas da Violência de 2019 (IPEA) é taxativo e mostra: 75,5% das vítimas de homicídio são negras. O estado de Alagoas é hoje o mais perigoso de se viver para os negros, enquanto o estado se gaba da sua segurança para não brancos. É crescente os atentados contra as vidas negras, tortura, chicote e sequestros passaram a ser utilizados pela PM; recentemente, o jovem Lucas desapareceu pelas mãos da polícia do ABC paulista, seu corpo foi encontrado em um lago, nas buscas pelo menino a família se deparou com outros corpos não-identificados no Instituto Médico Legal. Nem mesmo a enterros dignos temos chances; o fato é que apesar das estatísticas oficiais, podemos apostar que os números são ainda piores.

O Brasil de Bolsonaro (PSL) bateu o recorde de violência da década, representando a subserviência neocolonial e conservadora, empreende uma saudosa vontade do retorno dos açoites da casa grande. A “Carta de São Paulo” produzida por entidades e coletivos negros brasileiros elucida a política institucional do governo: é ”um grupo de milicianos incrustados no Estado para exterminar um povo e uma classe social e beneficiar-se do patrimonialismo racista que estrutura o Brasil”.

O desmonte dos serviços públicos, a ofensiva na guerra às drogas, reforma da previdência, a desobrigação de construir escolas, a entrega da base de Alcântara (realizada com o aval de Flávio Dino/PCdoB), ameaçando as comunidades quilombolas e a memória cultural de nosso povo, são os mecanismo racistas que colocarão o povo negro dois passos atrás, apesar de hoje termos maioria de negros(as) nas ameaçadas universidades públicas.

O desmonte das políticas de igualdade racial e combate ao racismo acentua a barbárie. Essa é a resposta do governo para nós, avançar na prática racista ideológica e economicamente. Os governos de SP e RJ, de João Doria e Witzel, fazem coro com essa política. O resultado são moradores de rua envenenados, policiais “atirando na cabecinha” e gerando ao menos cinco assassinatos por dia. Agatha Felix, uma criança assassinada enquanto voltava para casa, com um tiro nas costas são nossas vidas arrancadas pela criminosa antipolítica de segurança.

O Brasil ainda possui 5 milhões de pessoas famintas, condição que aumenta as tentativas desesperadas de obter alimentos. No início do ano, um jovem negro de 16 anos foi chicoteado e torturado por seguranças da rede Ricoy. Os seguranças da rede Extra também mataram estrangulado o jovem Pedro Henrique de 19 anos, que fazia compras com sua mãe.

Jovens negros são enquadrados como criminosos em qualquer situação, seja o que passa fome ou o que ajuda sua mãe com as compras. Para combater o racismo estrutural, não basta apenas uma campanha midiática dos meios de comunicação, é preciso uma política pública que combata as mazelas sociais e que sobretudo não legitime e forme profissionais de segurança para exterminar.

No mês da consciência negra, estamos diante de grandes ataques à classe trabalhadora, majoritariamente negra no país, e Bolsonaro vai na contramão de qualquer tentativa de diminuir a desigualdade racial, pelo contrário, entrega o país aos grandes bancos e empresas que lucram com o sofrimento dos pobres e negros. E seguirão lucrando com as balas que atravessam nossos corpos se não retornarmos às ruas, sem esperar a chegada de salvadores da pátria nas próximas eleições.

Consciência negra é seguir o legado de Palmares

“Levante, resista: lute pelos seus direitos!” (Bob Marley). Esse é o legado de Zumbi e Dandara, para que nenhum negro, criança, adolescente ou adulto tenha sua vida interrompida, encarcerada ou mutilada pelas mãos do Estado e por donos do poder. A experiência dos quilombos em todo o território nacional, apesar do apagamento histórico, é o nosso melhor exemplo de luta coletiva. O Quilombo dos Palmares com os seus vinte mil negros é o ápice da resistência negra.

Com base nessa experiência, no ano de 1971, no Rio Grande do Sul, o Grupo Palmares utilizou a data da morte de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro de 1695, como marco da luta da população negra no Brasil. Em 1978, aconteceu o processo de nacionalização da data, como Dia da Consciência Negra.

Steve Biko nos diria para ter consciência da nossa própria história, da percepção da nossa identidade negra e de agir de forma coletiva para romper nossos grilhões, mas essa aspiração é limitada se permanecermos inertes, pois “não podemos ter consciência do que somos e ao mesmo tempo permanecermos em cativeiro”.

Marchamos sob Brasília nos 300 anos da morte de Zumbi, lutamos durante décadas pela inclusão do ensino de História e Cultura Afro-brasileira, conquista arrancada no suor de muita mobilização; através da Lei de Cotas avançamos na luta por reparação, as mulheres negras empoderam seus cabelos e lutam contra a repressão. Todas as nossas conquistas não foram dadas, e é por isso que para barrar a marcha genocida de Bolsonaro e seus comparsas é urgente defender os serviços públicos e lutar contra a destruição das políticas de combate ao racismo.

As direções tradicionais do movimento negro (MNU/UNEGRO) têm que pressionar as centrais sindicais, UNE, os parlamentares da oposição para que retomem o calendário nacional de mobilização de forma unificada, construindo com os coletivos negros e entidades de base o necessário enfrentamento a Bolsonaro.

Natália Granato é ativista.
Publicado originalmente em Contrapoder.

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