Correio da Cidadania

Servidores do RS em greve: “o eixo é a retirada total do pacote de privatizações"

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Sob quatro anos seguidos de atrasos salariais, os servidores públicos gaúchos de todas as categorias seguem em greve. Nesta quinta, 5, foi a vez de os militares – bombeiros e brigadianos – exigirem que governador Eduardo Leite volte atrás com seu pacote de privatizações de serviços e reorganização do plano de carreira. Outras categorias também estão em pé de guerra com mais um governo de orientação ultraliberal. É sobre todo este quadro que conversamos com a professora da rede pública Rejane Oliveira, também membro do sindicato da categoria, o segundo maior da América Latina.

“O governo se comporta de forma ameaçadora, mas também se tornou uma piada, uma vergonha no Rio Grande do Sul. Ele ameaça cortar ponto e salário, mas um governo que não paga em dia vai cortar qual mês? Porque estamos recebendo o salário de setembro, quando não estávamos em greve. Entramos em greve em novembro. Fico em dúvida sobre quando teremos este corte”, explicou.

Na entrevista, Rejane descreve o mesmo quadro de austeridade total sobre os trabalhadores que se tornou pauta única de todos os governos brasileiros, das três esferas. Além do mais, ataca a estratégia do governo estadual de esvaziar a educação pública a fim de facilitar o discurso privatista.

“O eixo da greve é a retirada do projeto privatista da Assembleia Legislativa. Temos ouvido bancadas de apoio do governo dizendo que não vão votar no projeto, a não ser que seja alterado. Mas não há nada a alterar, pois não há nada nele que sirva para qualquer coisa. A única saída é sua retirada. Por isso estamos em greve”, afirmou.

No plano mais amplo, a professora compreende o quadro de crise generalizada pelo qual passa o país, agravada por um governo que além de ter pauta econômica favorável às elites econômicas está focado em alterar paradigmas da democracia representativa.

“Vivemos uma crise muito maior depois da vitória de Bolsonaro, uma situação insustentável no país, que virou vergonha internacional, pela sua política e também por como se apresenta internacionalmente. E a classe trabalhadora vai se dando conta”, analisou.

A entrevista completa com Rejane Oliveira pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Em resumo, quais as principais razões da greve dos servidores públicos do Rio Grande do Sul?

Rejane Oliveira: A greve vem do acúmulo que nós vivenciamos no governo Eduardo Leite, como atrasos de salários e congelamentos. Agora, o projeto que ataca nosso plano de carreira, batendo em direitos conquistados ao longo da história dos CPERS e da nossa categoria.

A justificativa é a crise, mas querem jogar sobre os ombros dos trabalhadores a responsabilidade, enquanto concedem-se R$ 9 bilhões de isenções a grandes empresas com enorme potencial de lucro e não se ataca a sonegação. O governo também recebe do Fundeb mais de R$ 300 milhões, quando a folha da categoria não passa de 230 milhões.

Com esse dinheiro, não só daria pra pagar os trabalhadores como também investir na educação pública. Nossa luta, portanto, também é pelo financiamento público e educação de qualidade. O governo escolhe beneficiar os grandes e atacar os trabalhadores, que tem um piso baixo, mesmo diante da Lei Nacional do Piso, descumprida pelos governos.

Agora, Eduardo Leite quer mexer no plano de carreira para mentir à sociedade e sustentar que paga o piso, quando na verdade vai somar benefícios e dizer que nosso salário chega ao piso nacional.

Portanto, os motivos da greve são os nossos direitos e também a defesa da educação de qualidade para os filhos da classe trabalhadora.

Correio da Cidadania: Como analisa as respostas do governo ao movimento?

Rejane Oliveira: Primeiro, o governo é extremamente desrespeitoso com os trabalhadores da educação. Não recebe o sindicato, não se predispõe a negociar e mostrou de todas as formas que não tem disposição de resolver o que está colocado.

Além de não pagar em dia, congelar salários e atacar nossos direitos, mostra-se violento. Na última assembleia, na Praça da Matriz, com mais de 20 mil presentes, o governo mandou a polícia bater nas pessoas. Muitos jovens, aposentados, funcionários da educação foram parar no pronto socorro pela violência e truculência do aparato repressivo.

Penso também que o governo se comporta de forma ameaçadora, mas também se tornou uma piada, uma vergonha no Rio Grande do Sul. Ele ameaça cortar ponto e salário, mas um governo que não paga em dia vai cortar qual mês? Porque estamos recebendo o salário de setembro, quando não estávamos em greve. Entramos em greve em novembro. Fico em dúvida sobre quando teremos este corte.

O governo foi tão desrespeitoso no ataque aos nossos direitos, inclusive o de sobrevivência, representado pelo salário, que suas ameaças se tornaram piada. Sequer existe autocrítica e análise daquilo que se faz no cotidiano contra nossa categoria e a educação.

Correio da Cidadania: Por que não se consegue pagar salários em dia há quatro anos no estado?

Rejane Oliveira: Porque os governos não priorizam a educação. Ela é sempre um eixo de campanha na hora das eleições. Quando acabam, o governo olha a folha de pagamento e vê aquela pizza a respeito da divisão dos orçamentos das categorias. A maior fatia é a da educação (que também é a de maior número de servidores). Assim, escolhe essa categoria para sacrificar. De toda forma, prejudica também o conjunto dos servidores públicos.

Isso acontece porque o governo beneficia as grandes empresas e os altos salários, em detrimento dos servidores que recebem pouco e agora sequer têm o direito de receber em dia.

O governo não paga em dia há quatro anos porque fez a opção de jogar sobre os ombros dos trabalhadores uma crise que não é nossa. E tem o segundo elemento: quando ataca o servidor público, ataca-se a população. Nós somos o elo direto com a população. Nós que trabalhamos com a comunidade escolar e os estudantes, os trabalhadores da saúde que atendem em postos e hospitais.

Quando o governo ataca os servidores e reduz seu papel enquanto garantidor do transporte, da saúde, da educação, ele ataca direita básicos de uma população. A política de governo é esvaziar o papel do Estado, para cada vez mais sucatear os serviços públicos e atacar os trabalhadores. A partir daí, fica muito mais fácil fazer o discurso da privatização, concretizada em vários setores. E querem continuar privatizando.

Os governos a serviço do capitalismo enxergam na educação um filão. Eles se elegem com apoio do empresariado e precisam responder a ele. Agora, oferecem a educação aos empresários do setor privado. Esvazia-se e sucateia-se a educação pública, atacando os trabalhadores com a finalidade de que a sociedade dê muito mais valor à educação privada do que à pública. Assim fica fácil apresentar projetos de privatização. É estratégia do governo enfraquecer seu papel na educação e oferecê-la à iniciativa privada.

Correio da Cidadania: Como analisar o pacote de “privatização total” defendido pelo governo de Eduardo Leite?

Rejane Oliveira: Ataca direitos históricos da classe trabalhadora. Temos um plano de carreira que garante valorização pela habilitação, ou seja, quanto mais se estuda mais se pode receber. Valoriza o tempo de carreira na área e estabelece uma relação pedagógica com a comunidade escolar e a realidade da escola pública.

No RS, o nosso plano serviu de exemplo para muitos estados. Ele garante que entre o primeiro e o último nível tenhamos 100% de diferença salarial, o que na nossa avaliação tem uma lógica correta, porque quanto mais se estuda mais se progride. A ideia do governo é reduzir tal diferença a 7%, o que na realidade é um ataque brutal às conquistas profissionais.

Ele tira benefícios dos trabalhadores assim como estabelece vários elementos como direito a férias, licenças... A partir de tal projeto, acaba com a possibilidade de nos aposentarmos. Leite se utiliza dos mesmos mecanismos de seu mentor, Bolsonaro, que preconiza a retirada total de direitos.

Portanto, o eixo da greve é a retirada do projeto privatista da Assembleia Legislativa. Temos ouvido bancadas de apoio do governo dizendo que não vão votar no projeto, a não ser que seja alterado. Mas não há nada a alterar, pois não há nada nele que sirva para qualquer coisa. A única saída é sua retirada. Por isso estamos em greve.

Correio da Cidadania: Como enxerga o ultraliberalismo que entrou em cena como suposta solução para uma grave crise social e econômica?

Rejane Oliveira: Entendemos que o governo protofascista de Bolsonaro não entra em cena como suposta solução para crise. Vivemos uma crise política, econômica, social, representativa. Sua eleição significa que a sociedade e parte da classe trabalhadora que o elegeu estava muito desiludida, e se sentindo traídas por governos como os do PT, que tiveram a política de conciliação de classes, atacaram direitos, não tiveram diálogo com movimentos sociais e a classe trabalhadora e governaram sob a lógica do capital, como vimos nas Reformas da Previdência, na Lei de Falências, Lei Antiterrorismo com viés de criminalizar movimentos sociais... Tudo isso gerou uma grande desilusão na classe trabalhadora, que em parte canalizou seu voto numa candidatura que se apresentou como antissistema, mas na verdade é protofascista.

Vemos o caráter de tal governo na montagem de seu Ministério, por exemplo, com componentes das Forças Armadas. Vemos na própria política de perseguição a negros, negras, homossexuais, indígenas, mulheres, mudando o paradigma de respeito aos direitos humanos e sociais. Tenta-se criar o paradigma inverso, através da autorização da violência no país, não à toa aumenta a violência contra a mulher e o numero de feminicídio. Aumenta a violência na periferia, por conta de uma polícia incentivada a atirar primeiro e perguntar depois. Não à toa ele cria uma política de segurança pública para matar, não para garantir a vida e a segurança da população.

E, claro, não vai resolver a crise, ao contrário. Vivemos uma crise muito maior depois da vitória de Bolsonaro, uma situação insustentável no país, que virou vergonha internacional, pela sua política e também por como se apresenta internacionalmente. E a classe trabalhadora vai se dando conta. O sentimento de desilusão com os governos do PT tem motivos reais, mas os trabalhadores não se deram conta de que votaram num governo que põe em risco a mudança de regime.

Isso tem um peso muito sério, o que nos fará seguir lutando. Este governo precisa ser derrotado porque ataca a classe trabalhadora, ameaça uma mudança de regime, tenta estabelecer um outro paradigma sobre direitos humanos. Toda a violência que sofremos no país é fruto de um sistema – o capitalismo – que é desumano, que estabelece cada vez mais desigualdade, propicia métodos variados de corrupção e tem como projeto o aumento da exploração. Por isso discrimina e exclui.

Além de derrotar os governos de ultradireita de plantão, a luta precisa questionar diariamente os pilares do capitalismo e, por fim, debater com a sociedade a importância do socialismo e porque este é o caminho para garantir uma vida digna às maiorias, aos trabalhadores e ao povo pobre.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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