100 afastados e 3 mortes nos Correios durante a pandemia: “temos de repensar o que é grupo de risco”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 23/04/2020
Um dos principais serviços públicos do país, os Correios seguem funcionando normalmente em meio à pandemia, com todas as agências abertas e suas modalidades de entrega, inclusive a que obriga seus funcionários a andarem pelas ruas. Como se pode imaginar, há casos de mortes e afastamento de trabalhadores na empresa, além de queixas sobre condições de trabalho e tratamento das chefias. É sobre isso que entrevistamos Adriano Dias, funcionário dos Correios.
“O correto mesmo era colocar em quarentena todos os trabalhadores dos Correios e manter somente as entregas essenciais, garantindo o salário integral de todo mundo, e nas áreas essenciais garantir EPIs e condições sanitárias adequadas, incluindo redução da jornada (sem mexer no salário e direitos). Acredito que todos os trabalhadores que não estão de quarentena sofrem um grande risco, mais ainda um carteiro que percorre as ruas hoje sem EPI e condições adequadas. Sem falar no abalo psicológico que essa situação causa a todos nós. Ou seja, temos de repensar a classificação do que seja grupo de risco”, afirmou.
Na entrevista, além de mencionar que já há casos de mortes (a empresa reconhece dois) e afastamentos, afirma que os diretores da empresa não perdem a chance de analisar a possibilidade de aproveitar o momento para aplicar os choques de gestão tipicamente neoliberais. Ou seja, rebaixamento salarial, cortes, demissões e assédio moral. E nesse sentido não há dissonância entre o governo federal e congresso, como salienta Adriano, que também é membro da corrente sindical Combate.
“Os trabalhadores em plena crise sanitária estão perdendo direitos e tendo o salário reduzido. O governo Bolsonaro, os presidentes da câmara, Rodrigo Maia, e do senado, Davi Alcolumbre, querem aplicar um brutal ajuste sobre a classe trabalhadora, enquanto destinam trilhões para os bancos. Mais uma vez uma minoria rica vai ser beneficiada em plena crise, enquanto a ampla maioria da população vai perder renda e a própria a vida. Tudo com o aval de Bolsonaro”.
A entrevista completa com Adriano Dias pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Vemos que os Correios estão funcionando normalmente e os trabalhadores mantêm o ritmo usual de entregas. O que você comenta da situação em meio à pandemia do coronavírus? Há condições saudáveis de trabalho?
Adriano Dias: Queria destacar que os Correios foram uma das últimas empresas a apresentar o plano efetivo de combate à pandemia do Covid-19. Isso já foi uma demonstração de que a direção da empresa não estava muito preocupada com o impacto da crise sanitária nos trabalhadores dos Correios.
Depois começou toda uma batalha para garantir Equipamento de Proteção Individual (EPI) e foi necessário que os sindicatos entrassem na justiça para garantir, ainda que parcialmente, o cumprimento das medidas. Somente agora, depois de um mês da crise, foi anunciada a compra de máscaras. Ou seja, as condições de trabalho não estão totalmente garantidas e teremos de continuar pressionando para que isso se efetive.
O correto mesmo era colocar em quarentena todos os trabalhadores dos Correios e manter somente as entregas essenciais, garantindo o salário integral de todo mundo, e nas áreas essenciais garantir EPIs e condições sanitárias adequadas, incluindo redução da jornada (sem mexer no salário e direitos).
Correio da Cidadania: Existem trabalhadores afastados pelo vírus? Qual a situação dos funcionários que fazem parte do grupo de risco?
Adriano Dias: Sim, existem. E temos dificuldade de saber o número exato porque a empresa não repassa essa informação para as federações. O último dado era de 91 infectados, mas não tenho dúvida de que já passou de 100. Mortes já são pelo menos 3 (oficialmente se reconhece duas).
O grupo de risco foi afastado, mas logo depois do afastamento a empresa anunciou o corte dos adicionais de carteiros, atendentes e Operador de Triagem e Transbordo (OTT), o que pode acarretar em uma perda de até 30% do salário. Ou seja, liberou, mas com essa medida faz pressão para que os empregados retornem.
Acredito que todos os trabalhadores que não estão de quarentena sofrem um grande risco, mais ainda um carteiro que percorre as ruas hoje sem EPI e condições adequadas. Sem falar no abalo psicológico que essa situação causa a todos nós. Ou seja, temos de repensar a classificação do que seja grupo de risco.
Correio da Cidadania: O que pode comentar da direção da empresa no tratamento de seus funcionários?
Adriano Dias: Primeiro, é importante ressaltar que antes da pandemia a direção dos Correios já não dava um bom tratamento aos empregados. Cito falta de condições de trabalho, aumento da mensalidade do plano de saúde, assédio, perseguição e o próprio processo de privatização. Na última semana, alegando ser serviço essencial, começou toda uma pressão para os empregados que estavam afastados, por estarem em determinado grupo que permitia o afastamento, retornarem ao trabalho. Mandaram-se telegramas, ligou-se em residência e um diretor executivo mandou um áudio fazendo pressão para o retorno desses trabalhadores.
Tudo isso justamente no momento em que o número de mortos e infectados cresce no país. Tal postura não condiz com uma direção que de fato esteja preocupada com a saúde e a vida dos seus empregados. Isso contrasta com o tratamento vip destinado aos banqueiros e ao sistema financeiro, que recebeu do Banco Central estímulos da ordem de 1 trilhão de reais. Alguém que está lendo essa entrevista consegue imaginar o que é tamanha quantia?
E o pior é que agora o Paulo Guedes e o congresso nacional vão estatizar as dívidas, comprar os papéis podres dos bancos à custa do nosso sangue e suor. O grave problema que enfrentamos está em Brasília na presidência da República, pois o projeto do Jair Bolsonaro vai matar trabalhadores através da contaminação do Covid-19 ou da fome, miséria e desemprego.
Correio da Cidadania: Está se aproveitando o momento para se promover demissões, cortes orçamentários ou mudanças de orientação na gestão dos Correios?
Adriano Dias: A empresa solicitou ao setor jurídico um parecer sobre o que poderia ser reduzido na remuneração dos empregados afastados do grupo de risco, mas também dos demais grupos. Foi com esse parecer que os Correios justificaram o corte dos adicionais. E o objetivo era cortar o vale alimentação/refeição e o que mais pudesse. Agora deixou de pagar, baseando-se na MP 927, o abono pecuniário para os que vendem 10 dias de férias. Considerando que é uma gestão indicada pelo governo Bolsonaro, que aplica um brutal ajuste fiscal contra os trabalhadores, não podemos desconsiderar a possibilidade de ter mais ataques aos nossos direitos.
É nesse ponto que as federações e sindicatos dos trabalhadores dos Correios precisam atuar. Temos de garantir quarentena geral e condições adequadas para o que for essencial. Eu penso que teríamos de nos unificar com as federações de Petroleiros, pois a Petrobrás está ameaçando cortar salários e intensificou-se o ritmo de trabalho nas plataformas; há perseguição aos ativistas da última greve.
Os colegas bancários também estão sofrendo problemas. Teríamos de fazer assembleias virtuais e um forte movimento online unificado. A mudança de orientação que deveria ocorrer é aquela que valorize o trabalhador, garantindo que assembleias nos locais de trabalho ou assembleia virtuais definam o que vamos fazer, como fazer e o que é essencial de cada serviço. Deveriam ser criadas comissões de base em cada categoria e o centro de decisão deveria ser deslocado para elas, em todos os locais de trabalho.
Correio da Cidadania: Como enxerga a situação dos trabalhadores (as) em geral neste momento e o que comenta das medidas do governo até aqui?
Adriano Dias: Os trabalhadores em plena crise sanitária estão perdendo direitos e tendo o salário reduzido. O governo Bolsonaro, os presidentes da câmara, Rodrigo Maia, e do senado, Davi Alcolumbre, querem aplicar um brutal ajuste sobre a classe trabalhadora, enquanto destinam trilhões para os bancos. Mais uma vez uma minoria rica vai ser beneficiada em plena crise, enquanto a ampla maioria da população vai perder renda e a própria a vida. Tudo com o aval de Bolsonaro. Acredito que temos de unificar a classe trabalhadora nesse momento. As centrais sindicais devem mudar de postura e construírem um plano de luta com panelaços unificados e bem preparados, organizando paralisação nas categorias, rumo à greve geral.
Acho que os partidos de oposição deveria se concentrar nisso, porque vamos precisar de organização para virar o jogo. Somente dessa forma vamos garantir a vida, a renda e os direitos dos trabalhadores. Temos de garantir que os recursos que vão destinados aos banqueiros sejam destinados aos trabalhadores. Suspender o pagamento da dívida externa e interna e aplicar na contenção ao Covid e nas áreas sociais principalmente no SUS.
Ao invés de estatizar a dívida dos bancos e arcar com os prejuízos dos papéis podres deles, deveríamos estatizar todo o sistema financeiro e usar os lucros dos magnatas para garantir renda básica de verdade aos trabalhadores desempregados, informais e precarizados, além de cancelar todas as dívidas bancárias que nos aprisionam no cheque especial, nos empréstimos, créditos consignados.
Precisamos suspender os boletos de água, luz, telefone, baratear o preço dos combustíveis e obrigar as empresas a fornecer wi-fi gratuito em todos os bairros. A proteção da vida tem de estar acima da dívida e do lucro.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.