Embraer: “é absurdo a empresa pegar dinheiro público e demitir no meio de uma pandemia”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 14/10/2020
Uma das grandes empresas nacionais, ainda que com propriedade compartilhada com diversos fundos internacionais privados, a Embraer anunciou 2500 demissões em setembro. A explicação para a decisão em meio à pandemia do novo coronavírus é o fracasso da venda para a Boeing. Mas na entrevista ao Correio, Weller Gonçalves, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, alega que a má condução da empresa por parte dos seus administradores é que foi transferida aos trabalhadores.
“A Embraer tem 170 executivos que recebem salários muito altos. Tem gente ganhando mais de 2 milhões de reais por mês. Propomos a redução de salários desses administradores que ganham somas absurdas, pois permitiria manter os empregos perdidos a partir de 3 de setembro, empregos de pais e mães de família que ficaram no olho da rua num momento delicado como este”.
Apesar de não considerar a venda para a Boeing um bom negócio, Weller explica que a negociação foi precedida de investimentos por parte da Embraer. No entanto, a empresa captou 1,5 R$ bilhão do BNDES em julho e tem condições totais de manter os empregos num momento tão delicado. Fora isso, também critica a atuação de alguns sindicatos que aceitaram as demissões mesmo diante da baixa adesão ao PDV da empresa.
“A situação dos trabalhadores neste contexto é muito complicada, por isso deverão lutar muito. Não achamos que a classe trabalhadora brasileira está derrotada. Um dos motivos das derrotas tem a ver com as direções sindicais. Muitos sindicatos não levam a sério a organização e a luta dos trabalhadores”.
A entrevista completa com Weller Gonçalves pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Por que a Embraer demitiu 2500 funcionários, em maioria de sua planta em São José? Quais as alegações da empresa?
Weller Gonçalves: A empresa demitiu 2500 trabalhadores em nível nacional, em todas as suas plantas do Brasil. Destes, 1600 tinham aderido ao Plano de Demissão Voluntária (PDV), porém, houve assédio moral da empresa para pressionar os trabalhadores a aderirem ao plano.
A nosso ver, é um péssimo plano, o pacote de benefícios proposto é ruim e o sindicato não fechou o acordo de PDV. A empresa que aplicou o acordo por liberalidade. As demissões se devem a dois motivos: a pandemia e o negócio fracassado com a Boeing. Na primeira crise, a empresa virou as costas para a Embraer, o que a meu ver era o caso de demitir sua direção executiva inteira.
A Embraer investiu bilhões e fica no prejuízo por conta do fiasco da negociação, a respeito da qual o sindicato sempre fez campanha contra. Demitir em massa durante a pandemia é desumano, ainda mais quando a empresa faz isso sem negociar com o sindicato.
Correio da Cidadania: Qual a importância da ação impetrada pelo Sindicato dos Metalúrgicos para suspender todas as demissões e o que esperar da audiência de conciliação marcada para 22 de setembro?
Weller Gonçalves: O tribunal propõe a Embraer o cancelamento das demissões e a colocação dos trabalhadores em lay-off. Além de o nosso sindicato topar essa condição, fizemos um acordo em abril em que uma cláusula prevê que em caso de não melhoramento da situação a empresa negociaria um processo de lay-off conosco.
O tribunal propõe o cancelamento das demissões e continuamos lutando para que elas sejam anuladas *.
Correio da Cidadania: A empresa também fez acordos com engenheiros e empregados de outras localidades. Qual o quadro geral dessa grande empresa?
Weller Gonçalves: Infelizmente, os sindicatos dos engenheiros e dos metalúrgicos de Botucatu fizeram acordos com a empresa que praticamente ratificaram as demissões. Achamos um erro, inclusive trabalhadores de suas bases entraram em contato conosco.
Por isso nossa ação pede o cancelamento das 2500 demissões, ou seja, todas. Os sindicatos fizeram acordos que não representam a vontade do trabalhador. É óbvio que ninguém quer perder o emprego no meio de uma pandemia. Foi um erro gravíssimo assinarem esses acordos e vamos seguir na luta.
Claro que por ser a maior unidade da empresa, a maior parte das demissões foi em São José, mas nossa luta é nacional e denunciamos o que o sindicato fez como uma grande traição.
Correio da Cidadania: Como avalia a gestão da Embraer nos últimos anos?
Weller Gonçalves: Muito ruim nos últimos anos, em especial pelo fracasso com a transação com a Boeing. Seus administradores têm de ser demitidos depois de gastarem bilhões em investimentos sem retorno.
Também questionamos os super-salários. A Embraer tem 170 executivos que recebem salários muito altos. Tem gente ganhando mais de 2 milhões de reais por mês. Propomos a redução de salários desses administradores que ganham somas absurdas, pois permitiria manter os empregos perdidos a partir de 3 de setembro, empregos de pais e mães de família que ficaram no olho da rua num momento delicado como este.
Avaliamos a gestão como muito ruim em seu todo, em especial após o fracasso do negocio com a Boeing.
Correio da Cidadania: O que comenta das demissões, do ponto de vista ético, de uma empresa de grande porte em meio a uma pandemia onde o desemprego e o empobrecimento da população se acentuaram?
Weller Gonçalves: Uma tremenda crueldade. Primeiro porque vemos o governo, ao qual somos oposição e vemos como ameaça às liberdades democráticas, dizer que tomou medidas de proteção do emprego. Não é verdade. Mais da metade da população brasileira está desempregada e vemos as empresas demitirem em massa.
Cobramos que o poder público se posicione contra as demissões na Embraer e aja em favor de seu cancelamento. A empresa pegou R$ 1,5 bilhão do BNDES em julho. Pra se ter ideia, é mais do que o governo federal destinou ao estado do RJ no combate à pandemia.
É absurdo empresa pegar dinheiro público e promover demissão em massa. E está claro que o nível de pobreza no país vai aumentar no período pós-pandemia. São milhões de trabalhadores perdendo emprego e, em momentos de crise como este, o governo tem de destinar todo o orçamento para a área da saúde, por estarmos em crise sanitária, e para o sustento de seu povo. Demitir numa pandemia é desumano.
Correio da Cidadania: Por que o acordo com a Boeing de 2018 deu errado? O que pensa dos planos de venda da empresa?
Weller Gonçalves: Desde o começo fizemos ampla campanha contra a venda da empresa. Por três motivos: 1) o desemprego, uma vez que na primeira crise a Boeing virou as costas. Imagine se já estivesse consolidada a parceria. O estrago seria ainda maior;
2) a Embraer é um patrimônio do povo. Uma venda desta empresa estratégica fere a soberania nacional;
3) defendemos a reestatização da empresa. Ela foi construída pelo povo e é patrimônio nosso. E depois de privatizada recebeu muito mais dinheiro público do que quando estatal. Por isso fizemos forte campanha contra a venda para a Boeing, um dos motivos pelo qual houve demissão em massa. A empresa deve ser reestatizada e voltar às mãos do povo brasileiro.
Correio da Cidadania: Como você observa a situação dos trabalhadores brasileiros no atual momento e contexto político?
Weller Gonçalves: Infelizmente, a situação da classe trabalhadora brasileira é muito complicada. É verdade que a pandemia é um fator extra de agravamento. Mas também é verdade que já existia uma crise econômica em nível global. Nosso país passa por um processo de desindustrialização muito forte, além de uma reestruturação produtiva que visa aumentar margens de lucro.
A situação dos trabalhadores neste contexto é muito complicada, por isso deverão lutar muito. Não achamos que a classe trabalhadora brasileira está derrotada. Um dos motivos das derrotas tem a ver com as direções sindicais. Muitos sindicatos não levam a sério a organização e a luta dos trabalhadores.
Além da luta sindical é importante fazer a luta política, pra botar pra fora esse governo de genocidas que vem aprofundando a retirada de direitos dos trabalhadores. Este é o papel do sindicato: além de discutir questões relacionadas às categorias que representa tem de discutir a situação política do país junto aos trabalhadores.
Temos de derrotar o sistema capitalista e construir uma sociedade mais justa para os trabalhadores. Não dá pra admitir tanta retirada de direitos e o nível de pobreza só aumentar. É muita desigualdade no nosso país e no meio disso os trabalhadores só perdem direitos. Por isso que além nos de organizarmos sindicalmente, também nos organizamos politicamente contra o sistema e em favor de uma sociedade mais justa.
Nota*
A última audiência entre Embraer e sindicato foi realizada em 29 de setembro. Não houve acordo entre as partes e a Justiça do Trabalho determinou que os benefícios de plano de saúde e vale-alimentação sejam estendidos a 502 dos demitidos até decisão final do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.