Correio da Cidadania

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Cresce adesão aos protestos contra Bolsonaro nos dias 18 e 19 - Extra Classe
Manifestação de 19 de junho em São Paulo

Assisti, com horror, ao surgimento do antipetismo, lá em 2015, já entendendo o que se pretendia com aquilo. O PT é o único partido progressista, de esquerda, com capacidade de governo e isso para as forças reacionárias, para os narcisistas egocêntricos que querem apenas manter seus privilégios, é um pesadelo. Era preciso desestabilizar o PT e abrir caminho para a manutenção das desigualdades, seguir com a venda do país, tão lucrativo para alguns. Nós começamos uma longa guerra no sábado (19 de junho), não foi apenas uma batalha pontual. Mas ilude-se quem acha que nosso inimigo é o Bolsonaro. A luta é contra tudo aquilo que ele representa: uma sociedade onde apenas homens brancos, cristãos, heterossexuais, ricos e armados têm voz.

Bolsonaro é o porta-voz dos machistas, racistas, fundamentalistas cristãos, homofóbicos, classistas e armamentistas. Simples assim. E eles são muitos, infelizmente. Em 2022, a guerra será dura e suja. Bolsonaristas sairão às ruas com carro de som, faixas, cartazes e bandeiras de seu mito. Toda a campanha convergirá para a figura do mito, porque é assim que funciona o fascismo: ele personifica o ditador como o salvador, "o único honesto", "o único capaz de nos salvar" etc. E nós, do lado oposto, vamos sair às ruas com o quê? Indignação? Senso democrático? Angústia? Medo? Ou será que vamos ficar em casa escondidos debaixo da cama, já derrotados novamente?

Acredito que nossas marchas deveriam ser as mais plurais possíveis, abraçando todas as causas que defendemos e que compõem a antítese do bolsonarismo. Se alguém diz "não saio em marcha se tiver bandeira vermelha", eu respondo: eu não marcho ao lado de preconceituosos! Eu não quero essa pessoa ao meu lado na luta porque ela é a quinta-coluna, é o inimigo infiltrado, pertence à trincheira oposta e não à minha! Sua falta não será sentida. Em algum momento da luta futura vamos ter de sair às ruas com a bandeira do partido que tiver condições de vencer o bolsonarismo.

Qualquer partido que for será bem-vindo porque representará a democracia, porque na comparação racional entre Bolsonaro e qualquer político ficará fácil ver quem é o extremista, o terrorista, o anticristo e quem é apenas um político democrático.

Penso que nas marchas futuras deveríamos ter muitas bandeiras: de qualquer partido político legal, a foice e o martelo, o arco-íris LGBTQI+, o punho negro com a corrente da escravidão quebrada, o crucifixo com o Jesus da compaixão, a bandeira do Brasil etc. Deveríamos ter também um megafone para mandar recados claros à população, dizer verdades do tipo: "não existe complô gay-comunista tentando transformar escolas em praças de orgia", "não precisamos procurar pedofilia na Venezuela, em Cuba ou na China, porque já tem pedofilia o suficiente aqui mesmo no Brasil", "educação sexual não é ensinar a fazer sexo, mas ensinar a prevenir gravidez na adolescência ou doenças venéreas" etc. O inverso do que eles estarão recebendo pelo WhatsApp.

Escrevi em um grupo no sábado, logo depois da passeata/carreata, pedindo que vocês entrassem nas mídias e se manifestassem para que a estupidez não reinasse absoluta. Temos de marcar presença. Acho que sem protocolo, sem agenda, sem ensaio, cada um se manifestando do seu jeito, mas confrontando as mentiras e as violências. Não devemos nos iludir de que vamos convencer alguém, trazer alguém à luz, mas se conseguirmos intimidar os abusivos com o peso da boa moral ou até da lei, já está bom. Os ratos voltam para o esgoto.

Deixem-me contar uma historinha, aconteceu sábado na passeata/carreata: Quando chegamos de volta, no fim de tudo, havia três motociclistas lá, três homens de meia idade e suas respectivas mulheres, todos vestidos em couro, caveiras nas jaquetas, motocicletas importadas e grandes. Eles estavam enfurecidos com nossa manifestação e faziam comentários agressivos, zombavam. Dava pra ler claramente em seus lábios. Parei do outro lado da rua, batendo minha panela e vestindo um kilt (homem de saia), encarei os três bem fundo nos olhos e continuei batucando. Senti os três ficando mais e mais revoltados, o sangue fervendo.

Encarei um a um fundo nos olhos sem parar minha batucada, o peito aberto pra eles, em posição de confronto mesmo. Um a um eles baixaram os olhos, subiram nas motos e foram embora. Perderam a batalha no território deles, aquele da intimidação. Por quê? Porque eles são covardes e nós éramos muitos. A maré virou. Se não soubermos aproveitar, ela vira novamente e perdemos a onda, de novo.

Essa é uma luta política decidida nas urnas, as ruas formam apenas um dos caminhos. No ano que vem vamos ter de escolher um presidente, esse é o fim. Acho importante ter isso sempre pra mim, pra não parecer que é uma luta apartidária. Isso não existe.

Guilherme Cavallari, nascido em São Paulo (SP), em 1962, fundou a Kalapalo Editora em 2001 e é referência nacional em esporte e turismo de aventura. Autor de 19 livros e coautor de diversos filmes, entre eles o premiado Transpatagônia.

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