Correio da Cidadania

Não existe alegria comparável à de estar na avenida com os idealistas

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Entre os 100 mil participantes estimados pelos organizadores do #ForaBolsonaro deste sábado (3) em São Paulo e os 5.500 alegados pela Secretaria de Segurança Pública, só posso dizer, com o olhômetro de repórter obrigado a dimensionar multidões em seu ofício e de torcedor de futebol presente em dezenas de clássicos com estádios lotados, que a virtude não estaria no meio (52.750), mas em muito o ultrapassou, embora talvez não atingisse a centena de milhar.

E houve manifestações em todas as capitais brasileiras e em centenas de outras cidades, todas trazendo às ruas os melhores brasileiros, aqueles que não compactuam com a destruição do nosso país por um genocida desembestado mais seus seguidores e/ou cúmplices – uns, fanáticos negacionistas que, na escala da civilização, continuam até hoje empacados na Idade Média, quiçá na Idade da Pedra; outros, canalhas negocistas dispostos a matar até a mãe por um dólar.

Que importa? A força dessa ralé repulsiva advinha de nossa apatia e prostração. Bastou voltarmos às ruas para delas expulsarmos aqueles a quem elas jamais pertenceram.

Afinal, como desde Castro Alves ficou estabelecido e lavrado em cartório, a praça é do povo, como o céu é do condor. O ambiente natural dos ratos é outro: os esgotos.

E que imensa alegria foi caminhar de novo ao lado de tantos brasileiros idealistas e esperançosos, a maioria jovens como jovem era eu ao participar de minha primeira passeata, aos 17 anos, no finalzinho de março de 1968!

Há 53 anos era Abaixo a ditadura!, agora é Fora, genocida! Mas, continua sendo sempre o mesmo inimigo.

E os melhores brasileiros da minha geração – no caso, aqueles que sobrevivem até hoje ao desencanto de jamais ver o país decolar e, pelo contrário, amiúde vê-lo recuar – igualmente continuam os mesmos.

Lá no comecinho da trajetória, antes mesmo de traçar meu caminho pelo mundo, encantei-me com uma estrofe de Gilberto Gil sobre os que travavam o bom combate: "Prefiro ter toda a vida/ a vida como inimiga/ a ter na morte da vida/ minha sorte decidida". Adotei-o e nunca mudei. Outros tantos também nunca mudaram, felizmente!

Há, claro, quem conclamava nosso povo a perder o medo de ser feliz, mas hoje considera que uma eleição vale mil grandes manifestações populares tais quais a de sábado último; antes pensava, como agora penso, exatamente o contrário.

Vale lembrar o sensível poeta Cid Franco, que teve estes versos musicados por seu filho Walter: "Mais infeliz deve ser/ o homem que, de alma orgulhosa,/ não quer ou não sabe ver/ a cena maravilhosa".

Caem como uma luva para o personagem em questão, desde que troquemos orgulhosa por gananciosa (não no sentido mais frequente, e sim no de colocar suas ambições pessoais acima de quaisquer outras considerações possíveis e imagináveis).

Quanto ao pior presidente da nossa história e maior exterminador de brasileiros em todos os tempos, pelo menos consegue manter a coerência num único ponto.

É que, enquanto um dos ditadores do regime militar por ele idolatrado preferia o fedor dos cavalos ao cheiro de povo, o prevaricador troca a companhia de gente como a gente pela dos motoqueiros, bem definidos por Mário Sérgio Conti como “os véio na fase anal, moto-pervertidos de escapamento aberto”.

De resto, não ilude mais ninguém a exibição desses punhados de truculentos como truque para desviar a atenção geral da redução vertiginosa do número de apoiadores locais dessa direita selvagem, cuja onda está em refluxo no mundo inteiro.

Os que preenchemos avenidas é que somos a voz do povo neste instante, e o seremos até o circo de horrores do palhaço sinistro, decaindo a olhos vistos, baixar definitivamente a lona.

Porque, como Vandré cantou e disse, gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente!

É a lição que nos ficará quando for virada esta página vergonhosa de nossa História. Não vai demorar muito.

Celso Lungaretti é jornalista e ex-preso político.

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