Correio da Cidadania

“Queima do Borba Gato não roubou a cena do 24J, ampliou-a”

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Este texto é a minha resposta a um membro de um grupo de discussão, via plataforma WhatsApp, que se dizia não-marxista e, portanto, não se via obrigado a concordar com a iniciativa de jovens da periferia para derrubar a estátua do famigerado bandeirante Borba Gato, no domingo do #24J. E, ainda por cima, acusou os meninos da periferia de apagarem o brilho do #ForaBolsonaro projetado pelas esquerdas na Avenida Paulista.

Para os que não sabem, Manuel Borba Gato era genro do famoso Fernão Dias Paes - aquele conhecido como o Caçador de Esmeraldas e que só encontrou turmalina. Um tão igual ao outro que supomos que o genocídio estava em família.

Não é preciso ser marxista para condenar o apresamento dos índios pelo poder de turno, concretizado por seus esbirros. É preciso, no mínimo, ser humano.

Ainda bem que você não se posiciona como um marxista. Eu, como comunista, sentir-me-ia envergonhada se você o fosse.

E os meninos da periferia da zona sul organizados não são similares a nada do que você conhece. Eles são frutos da Universidade Livre e Popular - essa que ensinou a eles a História segundo o ponto de vista do vencido, nos bairros periféricos onde muitos dos que aqui falam jamais gastaram a sola dos sapatos. Eles aprenderam muito mais que a classe média, dita letrada, cujos filhos tentei ensinar durante toda a minha carreira de quase 40 anos.

E sabe por quê? Eles se sentem incomodados, não são visíveis para uma sociedade que dialoga somente com seus pares de classe e categoria. Eles pertencem à classe trabalhadora que levanta às 3:00 e pega no batente às 4:00, como varredores de rua e limpadores de vias tais como as marginais. Muitos com seus carros passam pela marginal e nem se dão conta de que foi limpa na madrugada.

Outros desses meninos fazem parte do exército de desempregados. Para comer ou ajudar a família fazem bicos nem sempre legais, mas muito mais éticos do que a Lava Jato.

Para consultar um livro em biblioteca, é preciso andar quilômetros e estou falando em 5 km e até 7 km, já que eles não têm dinheiro pra pagar a condução cara de uma das cidades mais caras do mundo. Pesquise e verá.

E não me parece absolutamente que roubaram as cenas do 24J.

Não roubaram, ampliaram com suas expressões. E com todo o direito de manifestarem-se com suas próprias bandeiras para o Fora Bolsonaro e todos os que se apoiam num poder cujas raízes estão na parte podre de nossa História.

O 24J aconteceu com menos gente nas ruas. Mas aconteceu.

Você se diz não-marxista, mas espero que seja democrático (ainda que adepto desse modelo de democracia burguesa) para assimilar que TODOS os ameaçados por este governo fascista têm o direito de manifestar-se, seja carregando faixas, seja botando a boca no trombone denunciando publicamente em redes ou outros veículos de comunicação; seja carnavalizando o poder vigente com suas piadas, charges, vídeos sarcásticos; seja tentando derrubar estátuas, como os meninos da periferia. E, diga-se de passagem, sem a mínima experiência. Por isso, só "queimaram" a estátua, na verdade, escureceram a pedra.

Nos meus tempos de juventude, a minha geração aprendeu a fabricar molotovs e outros explosivos que estraçalhariam não só esta, mas uma série dessas estátuas que representam uma homenagem - em última instância - ao barbarismo, ao cinismo, à vitória da ganância etc. A lista é longa.

Sabe porquê nos idos (que nem foram, porque sempre estão sendo ressuscitados) da ditadura de 1964-85 não derrubamos estátuas? Estávamos ocupados demais tentando (e conseguimos) derrubar a ditadura e de forma clandestina em derrubar pelo menos a maior parte dela.

Paro por aqui. Sem querer ofendê-lo, ainda que possa sentir-se ofendido, digo que não tenho vontade de seguir falando aqui sobre o tema. Não tenho vontade de discutir com quem se recusa a refletir sobre algo que deveria, no mínimo, ser alvo de simpatia, por conta da coragem desses meninos.

Salve a juventude! Que ela possa ser realmente organizada politicamente, que ela possa se transformar em quadros políticos de fato, sem nunca perder essa garra e destemor que a acompanha, para substituir os "seres pensantes" considerados mentores de uma mudança.

Sinto não ter sido educada. Eu bato palmas para a coragem.

E pra não perder a viagem: Fora Bolsonaro e cia.


Nota da Coluna Imbaú: a Coluna Imbaú excepcionalmente não será escrita por um indígena e abre espaço para a militante contra a ditadura militar e militante do povo Lucia Skromov.

Lúcia Skromov é militante marxista há décadas e hoje luta pela reabertura de Hospitais Públicos em SP, sobretudo o simbólico Hospital Sorocabano.

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