Correio da Cidadania

Garis demitidos: “Não podemos aceitar intransigência em relação à vida dos trabalhadores”

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No aguardo da implantação dos termos de um Acordo Coletivo selado em 2020, os funcionários da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb) iniciaram uma série de protestos. Como em momentos anteriores, a divergência com o poder público e empresa culminou nas demissões de dois trabalhadores e suspensão de 8. Os garis seguem com suas exigências, inclusive a reintegração de todos. Um dos dois demitidos, Bruno da Rosa (o outro é André Balbina) concedeu entrevista ao Correio da Cidadania e explicou a situação de uma das categorias que trabalhou na chamada “linha de frente” da pandemia do novo coronavírus.

“O plano de saúde é uma conquista do Acordo Coletivo. E o plano mudou pra pior. Para o trabalhador que mora em Santa Cruz, não tem hospital de emergência por perto, por exemplo. A rede do novo plano é muito inferior à que tínhamos, por isso exigimos a manutenção da rede anterior, além da garantia de consultas e procedimentos que já estavam em andamento”, explicou Bruno da Rosa, referindo-se à alteração sem consulta prévia da empresa que fornece atendimento em saúde.

Apesar da entrada do Ministério Público na mediação, a prefeitura e a empresa se recusam a sentar para conversar com a categoria, o que também tem a ver com a pouca combatividade do sindicato da categoria, conforme critica Bruno da Rosa. Além de mencionar o histórico do prefeito Eduardo Paes em retaliar os movimentos reivindicatórios dos garis, ele também relata uma situação de precariedade material no cotidiano de trabalho.

“A principal justificativa da Comlurb é dinheiro. Mas nos últimos dois anos a própria empresa economizou mais de 150 milhões de reais do orçamento. Dinheiro tem, só não se quer investir na gente, não querem nos valorizar. E isso tem impacto direto na nossa vida, na falta de equipamento, nos reajustes, no acesso à saúde”.

A entrevista completa com Bruno da Rosa pode ser lida a seguir.


Unidade Popular on Twitter: "🚨DEMISSÕES POLÍTICAS | Trabalhadores da  COMLURB sofreram demissões arbitrárias após participarem de manifestações  contra os ataques em seus planos de saúde e pelo reajuste salarial.  Exigimos a reintegração
Cartaz da campanha pela reintegração de André Balbina (à esquerda) e Bruno da Rosa

Correio da Cidadania: O que levou à demissão de Bruno da Rosa, membro da comissão de negociação do sindicato, e André Balbina na Comlurb?

Bruno da Rosa: Tenho 37 anos e trabalho há 15 na Comlurb, a maior empresa de limpeza urbana da América latina. Os problemas da categoria não vêm de hoje. Trabalhamos na linha de frente do combate à pandemia, com péssimas condições de trabalho e estamos desde 2019 sem reajuste de salário e de tíquete-alimentação, além de más condições.

O estopim do atual processo de organização da categoria foi o plano de saúde. Em 27 de setembro a prefeitura alterou o plano sem nenhum consentimento dos trabalhadores. A partir do dia 1/10, uma empresa chamada Klini Saúde assumiu. Nós, ativistas da categoria, fizemos uma reunião no dia 5 com mais de 300 trabalhadores e 30 gerências, dando início ao processo de luta da categoria.

No dia 7 fomos à porta do sindicato retomar a campanha salarial e exigir a efetivação das garantias de atendimento médico aos trabalhadores, que a partir de tal mudança tiveram cirurgias e tratamentos suspensos. Inclusive pessoas que tratam câncer ou fazem hemodiálise não tiveram a continuidade de seus tratamentos garantida. Exigimos da direção do sindicato que não houvesse reajuste no plano e todos os procedimentos de urgência fossem garantidos. Quando chegamos ao sindicato a porta estava trancada, não havia quem nos recebesse e acabamos tendo a entrada permitida por uma porta lateral. Mas o sindicato, dirigido pela UGT, se negou a fazer um protocolo na prefeitura sobre nossas exigências.

As duas demissões foram um ato político com objetivo de tentar intimidar nossa categoria. Temos um histórico de medidas autoritárias do prefeito Eduardo Paes, ele pune quem luta, quem exige condições de trabalho e dignidade para sua categoria. Além das duas demissões foram suspensos outros 8 trabalhadores. A alegação é a de que invadimos a sede do sindicato, o que é uma tremenda mentira.

É absurdo e inaceitável trabalhadores que foram linha de frente na pandemia serem punidos e demitidos por reivindicarem direitos.

Correio da Cidadania: Como foi a audiência pública de 11 de novembro? O que vem pela frente?

Bruno da Rosa: No dia 20 de outubro a categoria organizou um ato muito forte na Central do Brasil, quando marchamos em direção à prefeitura. A pauta passava pela abertura da negociação e a questão do plano de saúde.

A prefeitura e a direção da empresa foram intransigentes na negociação e não houve nenhum diálogo. No dia 22 as demissões e punições começaram a ser impostas.

A categoria, muito indignada, marcou nova atividade no dia 28, com milhares de trabalhadores marchando na direção da prefeitura e exigindo o mínimo de abertura para ouvir as nossas necessidades. E esta manifestação do dia 28 incluiu a reintegração dos demitidos e suspensos, em defesa dos trabalhadores e trabalhadoras da Comlurb, por direitos e dignidade.

Correio da Cidadania: Qual o papel que o poder público tem desempenhado na relação entre empresa e trabalhadores?

Bruno da Rosa: Um detalhe importante é que a mudança do plano de saúde não significa um problema em si. O problema é que a categoria não foi informada e o plano de saúde é uma conquista do Acordo Coletivo. E o plano mudou pra pior. Para o trabalhador que mora em Santa Cruz, não tem hospital de emergência por perto, por exemplo. A rede do novo plano é muito inferior à que tínhamos, por isso exigimos a manutenção da rede anterior, além da garantia de consultas e procedimentos que já estavam em andamento.

Toda essa indignação também é fruto de um processo que já estava engasgado. São três anos sem aumento nas cláusulas econômicas e dois anos sem reajuste salarial para uma categoria fundamental na manutenção da limpeza na cidade.

Correio da Cidadania: Por que o Acordo Coletivo de 2020 não é implementado?

Bruno da Rosa: A partir deste processo iniciamos uma movimentação não somente contra as demissões e as punições, mas também pela abertura de canal de diálogo. Mas a prefeitura seguiu intransigente. No dia 11 fomos na porta do Ministério Público do Trabalho exigir uma posição do órgão em relação às práticas antissindicais. Sou membro eleito em assembleia da comissão de negociação e membro da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e as duas demissões foram motivadas por perseguição política, coisa que Eduardo Paes fez conosco em 2014 e 2015 também, em razão da greve de 2014, quando dezenas de lideranças daquele processo foram demitidas. É um autoritarismo continuado na prefeitura, que visa intimidar a luta por direitos.

Neste dia, conseguimos arrancar uma mediação com a direção da Comlurb, prefeitura, sindicato e a comissão de negociação. Foi de forma virtual e a pauta, além de tudo que falamos aqui, também incluía a readmissão e o fim das punições dos ativistas que lutam por direitos.

Infelizmente, não conseguimos avançar. A direção do sindicato, que não participou de nenhuma das atividades anteriores, se negou a lutar em defesa da categoria, e ficou apenas centrada no tema da insalubridade, mas não debateu profundamente o conjunto das reivindicações.

Embora o encontro virtual tenha sido insuficiente, por esperarmos que o MPT intervenha contra atividades antissindicais, foi importante para manter a categoria em mobilização.

Correio da Cidadania: Há um histórico de perseguição e práticas antissindicais dentro da Comlurb?

Bruno da Rosa: A exigência que fizemos ao poder público, em especial o MPT, era sobre uma mediação e uma negociação de verdade com a categoria e sua comissão de negociação, a fim de falar da pauta em todo seu conjunto. Essa posição segue forte na base da categoria.

Além da organização das bases, com visitas aos locais de trabalho, que demonstram muita indignação, iniciamos uma campanha nacional pela readmissão dos demitidos. A campanha teve bastante solidariedade em outros sindicatos, movimentos, sociedade civil. Tivemos manifesto de juristas repudiando tais fatos e ressaltando a necessidade de abertura de negociações.

Obviamente, a maioria da sociedade não sabe o que se passa na nossa categoria em meio à pandemia, com salário congelado, ataque a plano de saúde, perseguição política. A campanha segue nas bases da categoria, em toda a superestrutura.

Ressalto que o último reajuste foi em 2019 e temos péssimas condições de trabalho. Lutamos por reajuste porque a inflação bate 16% neste ano e nossa necessidade é muito grande. No dia a dia de trabalho, temos saído com dois homens na coleta, que pegam cerca de 20 toneladas. Não temos condições materiais, não temos sabão nas gerências. Os trabalhadores APAs (Agente de Preparo e Alimentos) contam com condições ainda mais precárias, e eles fazem comida em escolas. A vida dos garis que trabalham em hospital ou na varredura também está muito precária.

Por isso não podemos aceitar os ataques. Além da demanda salarial temos outra série de problemas. Tem gente com tratamento de câncer que não consegue atendimento, tenta marcar uma consulta e não consegue. Companheiros trabalham doentes porque não conseguem atendimento. Não podemos aceitar intransigência de prefeitura e empresa em relação ao cuidado com a vida dos trabalhadores.

Estamos lutando por questões de sobrevivência. Por isso precisamos da solidariedade da sociedade. E somos chamados de invasores. Por lutar por direitos nossos e das nossas famílias. É inaceitável.

Correio da Cidadania: A categoria dos garis do Rio de Janeiro tem se destacado nos últimos anos por sua atuação política e sindical. Como vocês enxergam o atual contexto brasileiro - político, social e econômico - em relação aos trabalhadores?

Bruno da Rosa: A principal justificativa da Comlurb é dinheiro. Mas nos últimos dois anos a própria empresa economizou mais de 150 milhões de reais do orçamento. Dinheiro tem, só não se quer investir na gente, não querem nos valorizar. E isso tem impacto direto na nossa vida, na falta de equipamento, nos reajustes, no acesso à saúde.

O próprio governador se gaba de ter economizado mais de 60 milhões na direção da empresa. Mas faz isso penalizando a categoria, sem concurso público e sem condições de trabalho. Brincam com a vida de trabalhadores fundamentais para a cidade. Por isso nossa luta e nossa pauta são fundamentais.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

 

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