Correio da Cidadania

Piso salarial das enfermeiras – uma luta feminista

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Foto: Profissionais da Saúde se manifestam pela aprovação do PL 2.564 em Cuiabá/MT, em junho de 2021. Reprodução Outras Palavras.

É simbólico que trabalhadoras da enfermagem tenham escolhido hoje, o Dia Internacional da Mulher, para organizar uma grande mobilização pelo piso salarial de R$ 4.750 para a categoria. Em Brasília e pelo país, exigirão que seja votado o mais rápido possível o PL 2.564/20 – de preferência, hoje. Não é difícil entender a relação entre a reivindicação por melhores condições de trabalho da enfermagem e a luta feminista: as mulheres são 85,1% das enfermeiras, técnicas e auxiliares. Sua situação é uma síntese da desvalorização do trabalho de cuidado: recebem salários baixos e jornada dupla ou tripla – além do trabalho diário, são quem cuida de suas casas e famílias. Muitas estão há dois anos e meio sem férias, devido à pandemia. Precisam de mais de um emprego para se manter. Sofrem violência em seu trabalho, estão vulneráveis a doenças e muitas vezes operam com equipamento de proteção individual (EPI) precário. Se expuseram na linha de frente do enfrentamento à covid, tornaram-se heroínas nacionais, mas continuam invisíveis às instituições.

O Projeto de Lei, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), fixa um salário-base de R$ 4.750 e jornada de 30 horas semanais para enfermeiras; de R$ 3.325 para as técnicas e R$ 2.375 para as auxiliares de enfermagem e parteiras. Sofre forte resistência dos empresários da Saúde e da base governista no congresso. Mesmo assim, foi aprovado com unanimidade no Senado, em 24/11. Mas sua tramitação não está tão simples na Câmara: os valores foram contestados, com o argumento de serem caros demais ao SUS e às empresas. O PL passou pela avaliação de um Grupo de Trabalho e relatório do deputado Alexandre Padilha (PT-SP) provou que seu impacto anual ficará na casa de R$16,3 bilhões – bem menos que os alarmistas R$ 40 bilhões calculados pelo ministério da Saúde. Foi aprovado novamente por unanimidade, e deveria ter seguido para votação no dia 25/2 – o que ainda não aconteceu. Por isso centenas de profissionais irão se reunir em Brasília e pressionar para sua aprovação. Outros atos serão realizados em cidades como Salvador, Manaus e Cuiabá.

A enfermagem é essencial para a manutenção do caráter descentralizado da Atenção Primária do SUS. São 2,6 milhões de trabalhadores espalhados pelo Brasil, entre auxiliares (441 mil), técnicos (1,5 milhões), enfermeiros (649 mil) e parteiras (440). São em maioria mulheres (85,1%) de até 40 anos (61,7%) que vivem nas capitais (56,8%). Entre as enfermeiras, 80,1% têm algum tipo de pós-graduação, e mesmo assim sua média salarial, no Brasil, é de R$ 3.200 reais para 44 horas semanais de trabalho – como comparação, a média dos médicos é de R$ 17 mil para 20 horas por semana. Fora das capitais, algumas chegam a ganhar apenas um salário mínimo, segundo informações de Elaine Leoni, do Sindicato dos Enfermeiros de São Paulo (SEESP). A caminho de Brasília, ela relatou que a manifestação começará no aeroporto Juscelino Kubitschek e prosseguirá em frente ao anexo 2 da Câmara dos Deputados. Elaine acredita que todos os brasileiros precisam apoiar essa luta e fazer pressão junto aos sindicatos.

“A aprovação do piso salarial da enfermagem é um compromisso com a ampliação do acesso a serviços de saúde de qualidade para toda a população. Essa agenda não é só dos profissionais da enfermagem. Ela é da sociedade brasileira.” Foi o que afirmou a enfermeira Francisca Valda da Silva em debate na câmara no dia 15/2. “É fato também que esses trabalhadores são essenciais ao sistema e imprescindíveis ao processo civilizatório de nosso país”, complementa a pesquisadora Maria Helena Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz. Em outro artigo, escrito em parceria com Manoel Carlos Neri da Silva, sintetiza: “Debater a formação, as funções, as condições de trabalho e os rumos da Enfermagem é, portanto, (re)pensar o Sistema de Saúde. É (re)ver o compromisso com a população e as condições a que são submetidos, diuturnamente, esses profissionais que estão à frente da saúde para os brasileiros”.

Gabriela Leita é editora, designer e produtora audiovisual do Outras Palavras.
Artigo publicado neste 8 de março no Outras Palavras / Outra Saúde.

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