A Marcha das Margaridas
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- Guilherme Arruda, Outra Saúde
- 25/08/2023
Foto: Contag
Em cada canto do país, elas se organizaram – como se organizam há 23 anos – e partiram para Brasília com suas bandeiras e reivindicações. Cem mil mulheres brasileiras do campo, da floresta e das águas concluíram na semana passada, nos dias 15 e 16 de agosto, a 7ª edição da Marcha das Margaridas. Com seu nome, a mobilização homenageia Margarida Maria Alves, liderança rural paraibana assassinada em 1983 por agentes do latifúndio, e busca manter vivo seu espírito de luta e organização, chamando atenção a cada quatro anos às pautas caras às trabalhadoras agrícolas.
Edjane Rodrigues Silva, diretora de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), saiu de Ouro Branco, no interior de Alagoas, para participar da Marcha. Na visão da dirigente sindical nordestina, “considerando a participação massiva de mulheres, a vinda de convidadas internacionais de 30 países e os anúncios do poder público, o resultado foi bastante positivo” – mas ela frisa que esta é uma avaliação inicial.
De fato, foram muitos os anúncios. Mais de uma dezena de ministros do governo Lula, além do próprio presidente (que apresentou em cerimônia na Esplanada dos Ministérios um caderno de respostas às demandas das margaridas), foi à Marcha se dispor ao diálogo com as trabalhadoras rurais. “Nós fizemos uma rodada intensa de negociações com vários ministérios, tratamos especificamente das ações que a gente considera mais emergenciais”, explica Edjane.
Um deles foi o Ministério da Saúde, que confirmou o retorno de políticas descontinuadas pela gestão passada e um novo contingente de investimentos na saúde do campo. De acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, R$180 milhões serão investidos na qualificação do atendimento de mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência. Além disso, serão retomadas as atividades do Grupo da Terra – instância de diálogo do ministério com os movimentos sociais do campo – e as turmas de formação de Agentes Educadores e Educadoras em Saúde.
Contra a violência no meio rural
Os R$180 milhões anunciados pelo MS terão como destino a formação das equipes multiprofissionais de Atenção Primária em Saúde – agora com o nome de eMulti – para o atendimento humanizado das vítimas de violência, com ênfase nas que vivem em municípios com menos de 20 mil habitantes. Devem ser levadas em conta as “particularidades culturais, econômicas e sociais das comunidades rurais, ribeirinhas e florestais”, diz o Ministério.
O repasse dos recursos é “de extrema relevância”, explica Edjane, já que hoje o atendimento muitas vezes não é facilmente acessado pelas mulheres do campo e “quando existe, em vez de contribuir, acaba deixando ainda mais complexa a situação que elas têm vivenciado”.
Por outro lado, as trabalhadoras rurais querem ações cada vez mais “intersetoriais”, que não se restrinjam à pasta da Saúde. “Quando a gente sentou para conversar sobre isso, a gente colocou que era importante que os ministérios discutissem isso de forma mais conjunta”, ressalta a diretora da Contag, para dar mais consequência ao combate à violência.
Diálogo com trabalhadores organizados volta à agenda do governo
No encontro com as margaridas, Nísia também prometeu a recomposição de um dos principais espaços de intercâmbio dos movimentos sociais rurais com o Governo Federal: o Grupo da Terra.
Composto por representantes do Ministério da Saúde e de organizações dos povos do campo, o Grupo “articula e monitora a implementação das ações que são decorrentes dos acordos e das reivindicações negociadas entre o Ministério e os movimentos”, explica a sindicalista. Seu objetivo é “garantir a equidade na atenção à saúde para esses segmentos sociais”, ela arremata, e a implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas.
“A gente já vinha pautando isso há muito tempo, principalmente pelos resultados que a gente vê na ação do Grupo”, reivindica Edjane. No governo Bolsonaro, o Grupo da Terra hibernou – e a Política Nacional foi descontinuada, escancarando o desprezo da extrema-direita pelos trabalhadores do campo.
Educação popular em saúde no campo
A ministra ainda previu, na Marcha, a abertura de 400 turmas para a formação de Agentes Educadoras e Educadores em Saúde, que devem qualificar 8 mil novos educadores. As turmas estarão espalhadas por todos os estados brasileiros.
“Esses educadores e educadoras promovem ações formativas na ponta. São ações que realmente chegam nos interiores, nas comunidades, nos assentamentos onde as mulheres do campo de fato vivem”, avalia Edjane. No governo passado, a Política Nacional de Educação Popular em Saúde também havia sido descontinuada.
Não foi pouco o que a extrema-direita sabotou na saúde da população rural. A diretora da Contag conta que a pandemia foi o pior momento. “Quando os retrocessos vêm, eles sempre caem primeiro sobre a população dos municípios menores”, ela diz.
Quando veio a covid, “para receber atendimento, teste, tinha que procurar em outra cidade maior. Por isso, houve muita subnotificação”, explica.
Como se não bastasse tudo isso, no âmbito da saúde no campo, “muitas políticas e programas que respeitam os saberes populares que já existem nos territórios foram descontinuadas” nos últimos quatro anos, lamenta Edjane. “As que não foram extintas, foram desestruturadas, eles tiraram todo o orçamento e deixaram só um fantasma”, ela conclui.
A luta continua
Apesar da recepção inicial positiva aos anúncios do governo, a dirigente alagoana acredita que ainda é muito cedo para traçar um balanço final da Marcha, porque ainda está em curso o diálogo com as bases de trabalhadoras rurais para reunir opiniões sobre o saldo da ação.
“Amanhã nós vamos fazer um encontro com as 30 mulheres do nosso município que foram à Marcha para conversar sobre a continuidade da mobilização”, explica Edjane. Alertas ao cumprimento das promessas do governo, as margaridas querem “fazer o monitoramento, acompanhar os resultados, a efetivação das nossas políticas”.
“A caminhada até Brasília é só a cada quatro anos”, ela conclui, “mas a Marcha é ação permanente”.
Guilherme Arruda é jornalista do site Outra Saúde, onde esta matéria foi originalmente publicada.
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