Maioria do governo na Assembléia Constituinte indica forte desejo por mudanças no Equador
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- Eduardo Tamayo G.
- 03/10/2007
Após o contundente triunfo conseguido pelo grupo Acuerdo País (AP) nas eleições de 30 de setembro, que lhe permitirá contar com uma cômoda maioria na próxima Assembléia Constituinte, o presidente equatoriano Rafael Correa anunciou que dialogará "com todos os grupos que sinceramente buscam o bem-estar do país".
Correa ressaltou aos correspondentes da imprensa estrangeira que "agora que há um equilíbrio de forças" sentar-se-á com bancos para que estes baixem taxas de juros e com empresários para dizer-lhes que podem fazer negócios, mas que "acabaram a exploração dos trabalhadores e absurdos como a terceirização ou o 'trabalho por hora'".
O presidente também se mostrou muito crítico em relação à proposta da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) de instalar a Assembléia Nacional dos Povos do Equador na cidade de Montecristi, sede da Assembléia Constituinte.
Ressaltando que o movimento indígena tem cometido erros e que a CONAIE não é a única organização indígenas, acusou dirigentes da entidade de ter "uma visão demasiada etnocêntrica e excludente". "São bem-vindas suas propostas, mas cuidado se querem se impôr sobre as grandes maiorias - dentro destas também estão indígenas (...); uma assembléia paralela indígena nos parece um completo absurdo, totalmente fora de lugar, se querem uma fiscalização cidadã - e não haverá uma fiscalização melhor do que a que será feita pelos eleitos -, maravilhoso, mas que o façam em comum acordo com o resto da sociedade", disse Correa.
Os resultados
Segundo a contagem feita pela organização Participação Cidadã, de caráter extra-oficial, o AP deverá conseguir 71 assentos - dos quais 15 seriam nacionais e 56 provinciais. O total de constituintes é de 130, incluindo seis represantes de imigrantes, cujos resultados ainda não são conhecidos. Os resultados oficiais serão divulgados em meados de outubro, uma vez que exigem uma contagem altamente complexa devido ao grande número de candidatos participantes.
Em segundo lugar no escrutínio estaria o Partido Sociedade Patriótica (PSP), dirigido pelo ex-presidente Lucio Gutiérrez e seu irmão Gilmar, com 7,1% dos votos. Seguem o PRIAN, do magnata Alvaro Nobia (6,7%), o Partido Social Cristão (4,2%). O Movimento Popular Democrático, a Rede Ética e Democrática e o movimento UNO, entre outros, obtiveram porcentagens menores.
A direita, em geral, ficou abalada com os resultados, tendo seus planos de boicote à Assembléia frustrados. Na província de Guayas, a mais populosa do Equador, observa-se um retrocesso significativo do Partido Social Cristão, que controla há anos as prefeituras de Guayaquil e de Guayas: lá, o Acuerdo País conquistou 8 dos 16 assentos em disputa. Por outro lado, o partido do governo ultrapassou a Esquerda Democrática, de tendência social-democrata, em cidades como Quito e Cuenca e em províncias de grande população como Pichincha e Azuay.
Algumas tendências da esquerda também não foram muito bem no pleito. O recém-criado Pólo Democrático, que agrupa sindicatos petroleiros e outras organizações sociais, não deverá ter nenhum assento na Constituinte. O movimento indígena Pachakutik teria uma representação fraca, com dois ou três deputados, tendo perdido terreno em províncias de forte composição indígena como Cotopaxi, Bolívar e Chimborazo. O Movimento Popular Democrático deverá ter um bom resultado e eleger entre 3 e 7 constituintes, graças à sua campanha que "prometia apoiar Correa e desenvolver o Congresso".
A tarefa fundamental da Assembléia Constituinte, cujos trabalhos terão início em fins de outubro, será a elaboração de uma nova Constituição em substituição à atual, aprovada em 1997/1998. Embora esta tenha reconhecido alguns direitos sociais, introduziu normas para se aplicar o modelo neoliberal e a privatização de áreas estratégicas e bens essenciais, estabelecendo, ainda, o marco legal para a entrega dos recursos naturais às transnacionais e a divisão de instituições estatais como currais políticos.
Como se trata de uma Assembléia com plenos poderes, o partido do governo propõe que se dissolva o atual Congresso, cujos níveis de aceitação popular são extremamente baixos.
Em substituição ao parlamento, o presidente Correa sugere que a Assembléia nomeie uma comissão legislativa que se encarregue de aprovar, entre outras, as leis orgânicas chaves em temas sociais, econômicos, institucionais, tributários, etc. que complementariam e dariam viabilidade à nova Constituição. Esta comissão duraria o mesmo tempo que a Constituinte. Os novos parlamentares seriam eleitos depois da consulta popular que deverá ser convocada para a aprovação da nova Carta. Dado que o Acuerdo País contará com a maioria absoluta para tomar decisões, o destino do Congresso parece estar traçado. Alberto Acosta, eleito constituinte pelo AP, declarou que o Congresso "deve entrar, pelo menso, em recesso e, por isso, esperamos a compreensão dos deputados - que deveriam, eles mesmos, por dignidade, estabelecer algum mecanismo para que não aconteçam mais confrontos no país".
Algumas propostas
Alberto Acosta ressaltou que é a primeira vez em muitos anos da história equatoriana que um só movimento alcança um reconhecimento nacional. "Estamos representados majoritariamente em todas as regiões do país; creio que isto é um sinal de unidade nacional e de desejo de mudanças", comentou.
Acosta, que é cotada para presidir a Constituinte, se referiu a alguns dos eixos que impulsionará o movimento Acuerdo País na confecção da nova Carta.
"Planejamos uma revolução econômica", disse. "Queremos proprietários não-monopolistas; vamos combater monopólios e práticas oligopólicas, vamos controlar o mercado. Queremos também uma sociedade de produtores, não de especuladores; (...) queremos recuperar espaços de soberania em nossa política econômica: a soberania alimentar, a soberania energética, a soberania ecológica - esta é fundamental, pois o país que perde controle de sua natureza, perde o controle de sua economia e de sua política.
"Falamos também de uma revolução social. Vamos combater a desigualdade, a miséria e a pobreza; queremos dar educação e saúde de maneira gratuita e de primeiríssima qualidade, são direitos humanos que precisamos engessar na Constituição e na prática de futuros governos.
"Queremos combater o racismo, assim como queremos combater o fato de que existe, em nosso país, o machismo. Queremos uma sociedade com igualdades, pois esse é o caminho para fortalecer a democracia e a base para o desenvolvimento.
Também falamos de uma revolução ética, vamos combater toda forma de corrupção, algo que entendemos como abuso do poder. Faremos todos os esforços para que as sanções sejam tomadas como exemplo para que não haja impunidade àqueles que roubaram recursos do Estado".
O vice-presidente do Equador, Lenin Moreno, se referiu à necessidade de que a Assembléia Constituinte adote leis para garantir a segurança jurídica de 1,6 milhão de equatorianos portadores de deficiências. Moreno, que ficou inválido após um assalto e se locomove com a ajuda de uma cadeira de rodas, ressaltou que, mesmo antes da instalação da Constituinte, o governo irá destinar aos deficientes um elevado pressuposto de "ajudas técnicas que permitam uma igualdade de oportunidades".
A cineasta Tania Hermida, que, de acordo com os resultados extra-oficiais, foi eleita constituinte pelo Acuerdo País, declarou que irá colocar frente a seus colegas o tema dos direitos culturais como direitos humanos. "É um tema que ainda não se colocou no tapete político do Equador e este é o momento que podemos colocá-lo em debate; uma política cultural traçada como uma política de Estado resulta em uma população com capacidade para criar seus próprios referentes simbólicos, algo também muito vinculado ao tema dos meios de comunicação. É a maneira de recuperar a soberania cultural do país, recuperar os espaços simbólicos, o espaço de produção e reprodução de referências culturais.
Publicado originalmente pela ALAI.
Tradução de Mateus Alves.
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