Correio da Cidadania

Após caminhada, manifestação termina com violência no Centro de Porto Alegre

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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 

Reportagem produzida conjuntamente por Iuri Müller, Samir Oliveira, Rachel Duarte, Igor Natusch, Bernardo Jardim Ribeiro e Ramiro Furquim

 

O protesto desta segunda-feira (24) em Porto Alegre seguiu por caminhos distintos dos que até então vinham sendo percorridos e, diferentemente do ato de quinta-feira (20), contou com uma condução clara e orientada. As semelhanças entre as duas manifestações são poucas e coincidem principalmente em um ponto: ambas terminaram em confronto de manifestantes com a Brigada Militar.

 

Enquanto o ato de quinta-feira havia sido o mais desorganizado, com muitas divergências sobre o roteiro a ser seguido e visivelmente dominado por causas e bandeiras bastante alheias ao transporte público, a manifestação desta segunda-feira foi distinta: demonstrou que as forças sociais que iniciaram os protestos em Porto Alegre se articulam para evitar a dispersão de pautas e o esvaziamento do caráter político das demandas. Desta vez, o Bloco de Lutas pelo Transporte Público conseguiu liderar a comissão de frente da marcha, que ostentava uma imensa faixa com os dizeres: “que os ricos paguem a conta”.

 

Um caminhão de som dava o tom dos gritos de protesto, que cobravam da presidente Dilma Rousseff a efetivação do passe livre nacional e condenavam a criminalização de manifestantes. Nesta manifestação, ficou escancarada a disputa política que existe nas ruas. Setores organizados que compõem o Bloco de Lutas portavam cartazes com cobranças claras e vinculadas a temas que sempre estiveram na pauta do movimento. Por outro lado, havia, também, forte presença de faixas exigindo o fim da corrupção e punição para “todos os políticos corruptos”.

 

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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 

Ao lado de uma pessoa com um cartaz que dizia “na dúvida, siga à esquerda”, marchava outra com a mensagem “nem esquerda, nem direita, eu quero é ir para frente”. Outro manifestante pedia “mais pão e menos circo”. Mas o cartaz mais utilizado em toda a marcha era o que exibia cinco causas consideradas prioritárias: extinção da PEC 37, saída de Renan Calheiros do Congresso, investigação de irregularidades em obras da Copa do Mundo, fim do foro privilegiado e a aprovação de uma lei que torne corrupção um crime hediondo.

 

Sindicatos se agregam à liderança do protesto

 

A marcha desta segunda-feira foi conduzida por um grupo claramente integrado por militantes de movimentos sociais, coletivos políticos e partidos de esquerda. Resultado da articulação da Coordenação de Movimentos Sociais (CMS) neste final de semana, que esteve reunida para traçar uma pauta clara e uma atuação conjunta nos próximos protestos. Constituída em 2003, para se manter independente do governo do Partido dos Trabalhadores (PT), a coordenação é composta pela CUT, MST, Cpers, CTB, CGTB, estudantes secundaristas, pastorais sociais da Igreja Católica, entre outros sindicatos e movimentos estudantis.

 

Em alguns momentos, houve conflito com pessoas que exigiam a saída dos partidos políticos da caminhada, mas não chegou a ocorrer nenhuma briga mais grave. Internamente, o Bloco de Lutas é formado por diversas correntes da esquerda – como anarquistas, quilombolas, militantes do PSOL e do PSTU. No ato desta segunda, esses grupos se fizeram presentes de forma mais sólida. Na última manifestação, havia prevalecido, por muitas vezes, um tom apolítico, antipartidário e ufanista, fruto de eventos criados nas redes sociais por indivíduos desvinculados organicamente das primeiras passeatas contra aumento da passagem em Porto Alegre. Nesta segunda-feira, o combate a essas pautas difusas ficou evidente.

 

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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 

Após percorrer as proximidades do Gasômetro, manifestação encontra a Borges de Medeiros e ruma ao Centro

 

Com o Bloco de Luta pelo Transporte Público à frente da caminhada, milhares de pessoas deixaram a Praça Montevidéu em direção à Avenida Mauá, por onde andaram até alcançar as cercanias da Usina do Gasômetro. Após o trecho da Loureiro da Silva, passaram a marchar pela Avenida Borges de Medeiros. O carro de som que orientava a direção dos manifestantes anunciava que, então, o destino seria o Centro de Porto Alegre. O protesto era pacífico e houve tolerância inclusive para desviar dos carros que ainda trafegavam pelas pistas. Militantes da juventude de partidos políticos, de movimentos sociais e independentes mantinham o coro forte, apesar do ruído incessante do helicóptero da Brigada Militar que passou a acompanhar a avenida em voo baixo.

 

Na Borges de Medeiros, moradores dos prédios próximos piscavam as luzes para saudar os manifestantes, que cantavam mais alto à medida que se aproximavam das zonas centrais de Porto Alegre. A amplitude da avenida permitiu que se enxergasse o tamanho da manifestação. Outra vez, a cidade teve cerca de dez mil pessoas marchando pelas ruas, mesmo em uma noite de chuva e frio. Do alto do Viaduto Otávio Rocha, foi estendida uma faixa que mostrava o teor – ao menos do bloco dianteiro da manifestação – desta noite: “Brasil: ame o povo, não a bandeira”. Ainda assim, vários manifestantes entoaram por alguns momentos os hinos do Brasil e do Rio Grande do Sul, da mesma maneira que gritaram pela ausência de partidos nos protestos.

 

Algumas quadras após passar por baixo do viaduto, no entanto, a atmosfera ficou carregada de espera e tensão. Nas ruas perpendiculares à Borges de Medeiros, a Brigada Militar fechava os caminhos que levariam à Praça da Matriz. Na esquina com a Rua Jerônimo Coelho, foram disparadas as primeiras bombas de efeito moral. Policiais disseram, posteriormente, que neste momento um pequeno grupo de pessoas começava a realizar saques em lojas do local. Era possível ver um princípio de correria nas quadras mais próximas ao Largo Glênio Peres, mas a marcha se mantinha coesa e seguia descendo a avenida.

 

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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 

Bombas jogadas do alto e gás por toda a parte: a Brigada Militar ataca a manifestação

 

Perto da esquina com a Rua dos Andradas, entretanto, a Brigada Militar, que alegou estar controlando um foco de saques naquele ponto, atirou inúmeras bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral na multidão que se mantinha alheia aos ataques a lojas e buscava continuar caminhando. Com a enorme fumaça provocada pelo gás e a ação contínua da tropa de choque, que atirava bombas de efeito moral, milhares de pessoas entraram em pânico e tentaram fugir.

 

A aglomeração de pessoas e a impossibilidade de evacuar o local por conta do cerco realizado pela Brigada Militar fez com que a marcha se dispersasse por todos os pontos possíveis.

Dezenas de pessoas passaram mal com as bombas jogadas na multidão já difusa. Manifestantes relataram depois que algumas bombas teriam sido jogadas da sacada de prédios próximos, onde policiais também estariam localizados. Os que foram fortemente atingidos pelo gás se afastavam cambaleantes, enquanto que quem ainda reuniu forças corria aos gritos de “covardes!”, “violenta é a polícia!” e “polícia fascista!”.

 

Para muitos, a operação da Brigada Militar marcou o final da manifestação – ainda que centenas de pessoas tenham continuado a rumar pelas ruas de Porto Alegre, em pontos imprecisos de resistência. Os saques também continuaram, e não pareceram ter qualquer relação com o ato desta noite. O vídeo abaixo mostra o momento em que as bombas foram arremessadas na multidão:

 

 

Perseguições e saques se acumulam pelas ruas de Porto Alegre

 

Horas depois, policiais militares que se localizavam em frente à prefeitura afirmaram que a ação aconteceu porque houve uma tentativa de saque na loja Paquetá e porque algumas pessoas atiraram pedras na direção de policiais. Seguranças da mesma loja afirmaram que de fato algumas pessoas adentraram à força o estabelecimento, mas que foram repelidos inclusive por manifestantes, que impediram os saques. Com milhares de pessoas correndo em distintas direções pelas ruas centrais de Porto Alegre, a Brigada Militar buscou perseguir alguns grupos. Parte deles seguia atacando pequenas lojas do Centro, ao passo em que tentavam adivinhar as próximas movimentações da polícia.

 

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Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

 

Por volta das 22 horas, havia concentração de manifestantes na Cidade Baixa e na Avenida João Pessoa, além dos que buscavam retornar pela Borges de Medeiros após a violenta intervenção policial. A reportagem do Sul21 flagrou agentes da inteligência da Brigada Militar, chamados de P2, que dispararam bombas de gás em meio à multidão quando a marcha ainda estava unificada. Em diversos pontos da cidade, mais de sessenta pessoas foram detidas por saquear lojas e bancos. Ativistas feridos foram encaminhados a hospitais e, segundo informações, já foram liberados. Desta vez, diferentemente dos últimos atos, não houve conflito na Avenida Ipiranga, nas quadras próximas à sede do Grupo RBS – as bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, desta vez, foram lançadas em outros pontos da cidade.

 

Houve focos de conflito em diferentes pontos da área central e bairros adjacentes. Na José do Patrocínio, grupos causaram depredações e pequenos incêndios enquanto recuavam, acompanhados de perto pela Tropa de Choque. Agências bancárias foram apedrejadas na Venâncio Aires e houve intervenção forte da polícia também no Largo Zumbi dos Palmares e em trechos da Duque de Caxias, Olavo Bilac, João Alfredo e Marechal Floriano.

 

Veja mais fotos da manifestação desta segunda-feira em Porto Alegre:

Porto Alegre
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
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Foto: Sul21.com.br
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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Iuri Müller, Samir Oliveira, Rachel Duarte, Igor Natusch, Bernardo Jardim Ribeiro e Ramiro Furquim são repórteres do Jornal Sul 21, onde esta matéria foi originalmente publicada.

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