Manifestações massivas no Brasil têm origem na esquerda
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- Roberto Leher
- 27/06/2013
No dia em que mais de dois milhões de pessoas foram às ruas, 20 de junho de 2013, a cobertura das corporações da mídia foi exemplar sobre como os dominantes operam a dominação. A cobertura da GloboNews durou muitas horas, a exemplo do que ocorreu no dia 17 quando as manifestações tornaram-se de fato massivas. A filmagem, nos dois dias, basicamente se limitou a tomadas panorâmicas a partir de helicópteros com aproximações para focalizar um automóvel em chamas ou para acompanhar os chamados vândalos. A selvagem repressão das tropas da polícia treinadas por comandantes que estagiaram no Haiti – impondo um toque de recolher com angustiante semelhança com os do dia do Golpe de Pinochet, em 11 de setembro de 1973 – quase que era celebrado como um ato civilizatório frente à barbárie. As vozes dos manifestantes se restringiram a uns poucos minutos, não mais do que dez, e ainda assim respondiam a indagações sobre generalidades. De tempos em tempos, a voz de um dito especialista procurava explicar o que era de seu óbvio desconhecimento.
Na imprensa corporativa escrita, o mesmo aconteceu. Platitudes e falsificações. Nada sobre os movimentos, nenhum aporte histórico, nenhuma empiria, nenhuma análise. Em circulação, opiniões que buscaram “puxar a brasa para as sardinhas da ordem e da reação”, silenciando, por completo, as vozes que reivindicavam consignas radicais no curso das massivas manifestações: “passe livre”, “educação pública não mercantil”, “saúde não é mercadoria”, laicidade versus homofobia, “fora Fifa”, “contra a privatização do Maracanã”, “Fora Eike”, “Não às remoções”, isso sem contar um tratamento crítico à corrupção que ultrapassa a questão moral, por exemplo, em cartazes que associavam o interesse das corporações na especulação imobiliária, os megaeventos e as isenções, repasses e empréstimos bilionários aos investidores operados pelos governos Dilma (PAC/BNDES), Sérgio Cabral e Eduardo Paes (os dois últimos, no Rio de Janeiro), levando milhares de manifestantes a bradar: “Da Copa eu abro mão, mas não da saúde e educação” – públicas. A respeito dessas consignas, não há como lutar contra a mercantilização das citadas questões vitais sem ser anticapitalista!
É certo que outros sentidos circularam nas manifestações. E foram justo estes os metonimicamente hiperdimensionados pela mídia que, por meio de insistentes e sistemáticas repetições, tomou a parte pelo todo: (i) consignas nacionalistas “verás que o filho teu não foge à luta” de fato estavam presentes, mas de modo polissêmico. Bandeiras do Brasil podiam refletir o clima da “pátria de chuteiras” propagandeado pelos governos e pela grande mídia (como ocorreu de modo preocupante na Alemanha, por ocasião da última Copa); (ii) contra a corrupção, em geral associada à defesa contra a PEC-37, como se o núcleo temático das forças que convocaram a multidão fosse o natimorto movimento “Cansei”, patrocinado por frações burguesas decadentes e em franco processo de desidratação econômica e política, e (iii) mais complexa e enigmática, as manifestações contra os partidos (e violentamente contra os de esquerda socialista), estimuladas pela mídia, em nome da suposta participação cidadã, reunindo sujeitos que ainda precisam ser melhor caracterizados – milícias vinculadas aos partidos de direita, aos empresários das empresas de transporte, agentes da repressão infiltrados, grupúsculos neonazistas (com ligação com torcidas organizadas, por exemplo). Um sentimento antipartidário difuso de jovens de classe média ecoou no apoio aos ataques sobre os militantes. Com efeito, os partidos da ordem concorreram para tal sentimento. O infrutífero abaixo-assinado contra Renan Calheiros na presidência do Senado, reunindo mais de 1,2 milhão de assinaturas, o entusiasmo por Joaquim Barbosa no processo de julgamento do chamado “mensalão”, processo de corrupção congruente com o Estado particularista, mas interpretado como uma quebra de confiança na esfera privada, a traição, e o descrédito nas organizações coletivas, engolfadas pela cooptação e pelo transformismo, tornando-as desprovidas de relevância social, concorreram para a difusão desses sentimentos. Na versão da grande mídia, foram os conservadores os verdadeiros responsáveis pelas convocações, eclipsando os sujeitos que, a partir da esquerda, possibilitaram a deflagração do movimento.
O presente texto não tem a pretensão de explicar as multitudinárias manifestações. Existe muito a ser investigado, analisado e restará muito a explicar, motivando, por muitas décadas, estudos de diversos prismas. As grandes lutas sociais são assim: surpreendem, desconcertam, mas não são ‘raios em céu azul’ como querem fazer crer as corporações que controlam os principais meios de comunicação, inclusive os principais blogs de apoio ao governo federal.
Para compreender o recente movimento de massas no Brasil, é importante distinguir analiticamente duas dimensões do protesto social para, a seguir, pensá-lo como totalidade. Um primeiro plano é a convocatória. Quais os movimentos (e pautas) que tiveram capacidade de, por meio das redes sociais, convocar as manifestações? O pressuposto é que existem sujeitos organizados em torno de um ou de vários movimentos que discutiram e consensuaram a realização das manifestações. O segundo nível é a análise dos que atenderam a convocatória, assumindo-a como sua, empenhando-se em sua divulgação e, sobretudo, tomando a decisão de comparecer. Será que são sujeitos que finalmente despertaram para os problemas e para a importância da manifestação política ou, alternativamente, são sujeitos com diferentes formas de inserção em causas sociais e que, por determinados motivos, como a brutal repressão policial em São Paulo, a ineficácia dos abaixo-assinados via internet e o recrudescimento da inflação real compreenderam que a hora era de ir às ruas?
Compreendendo a convocatória
Para não incorrer no erro criticado, busco examinar inicialmente os sujeitos que realizaram a convocatória do que pode ser considerado o estopim das manifestações: o abusivo preço das passagens de ônibus, cujo Grito (nos termos de J. Holloway (1)) foi difundido pelo Movimento do Passe Livre (MPL), colocando brevemente em relevo as formas de organização, suas alianças, suas formas de luta, suas consignas e o modo como suas reivindicações são recepcionadas pelos governos. Pretendo, a seguir, esboçar proposições para tornar pensáveis o acolhimento das convocatórias por parte de um imenso contingente que, até o momento, ainda não havia protagonizado um movimento de massas.
O estudo, ainda preliminar, é uma má notícia para os “intelectuais” a soldo dos jornalões e das televisões. O exame das lutas no período 2004-2012 registradas no Observatório Social da América Latina (OSAL (2)), infelizmente encerrado em 2013, permite concluir que o movimento que vinha empunhando a luta contra as tarifas extorsivas que serviu de deflagrador das grandes manifestações em curso no país possui origem na esquerda e, mais do que isso, as manifestações não existiriam sem a esquerda. O MPL, embora autônomo frente aos partidos, é de esquerda e interage com os partidos de esquerda (3). Ao longo da década de 2000, empreendeu lutas com sindicatos e movimentos sociais e tem objetivos afins aos que empreendem lutas no mundo do trabalho.
Outra má notícia está dirigida aos pós-modernos encantados com as redes e com os novos movimentos sociais. O MPL, desde sua origem, faz lutas “a quente” nas ruas, lutas que frequentemente foram ferozmente reprimidas pelo aparato repressivo.
Finalmente, o movimento, ao recusar o vanguardismo e sua expressão organizativa, o substitucionismo, praticados por partidos socialistas, não é antissocialista e, por conseguinte, anticlassista. Ao contrário, compõe uma forma de pensar e praticar a política que há muito está presente nas lutas antissistêmicas latino-americanas, a exemplo dos Zapatistas, do movimento estudantil que promoveu a célebre Ocupação da UNAM (México, 1999) por longos 10 meses, das Lutas da Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca – APPO (2006), das lutas do movimento Pinguim no Chile (2006) e dos levantes da juventude pela educação pública no Chile, em 2012-2013 e as ocupações das reitorias pelos estudantes das universidades federais em 2006, assim como a ocupação da USP em 2007.
A matriz político-organizativa das referidas manifestações guarda similaridades com o movimento Zapatista, não devendo ser confundida, entretanto, com as formulações anarquistas (4). Muito de suas formas de agir e pensar foram sistematizadas por John Holloway em seu importante livro Mudar o Mundo sem Tomar o Poder (2002), obra que, mesmo que não seja diretamente indicada como de referência do movimento, influenciou movimentos afins, difundindo um certo modo de fazer política.
O MPL vem se configurando como um dos mais imaginativos e interessantes movimentos da juventude. Recusa a tutela externa, faz avaliações de conjuntura próprias (em assembleias livres), mantém uma estrutura organizativa horizontalizada, pratica a rotatividade dos portavozes e representantes, empreende ações diretas e aborda um problema real para os jovens, a mobilidade urbana e o péssimo serviço de transporte, caro e ineficiente, e que toca profundamente os setores da classe trabalhadora mais pauperizados e explorados, que sentem no bolso o saqueio das tarifas exorbitantes. Assim, embora muitos de seus participantes sejam provenientes das classes médias, encontraram um meio de interagir com os trabalhadores mais duramente explorados.
Já em junho 2004, antes de sua formalização, demonstrou notável capacidade convocatória em Fortaleza, quando reuniu 5 mil manifestantes contra o aumento de tarifas. A resposta, em Fortaleza, foi a habitual: 15 feridos por balas de borracha e 40 detidos. A intolerância com as bandeiras do MPL deve-se aos laços orgânicos entre as empresas de transporte e os governos. O que pode ser mais pedagógico para ensinar aos jovens do que o modo como os governos saem em defesa das empresas? Em janeiro de 2006, o MPL realizou uma manifestação que mobilizou cerca de 500 pessoas no Distrito Federal (DF) contra o aumento de 20% nas passagens do transporte urbano. O governo mobilizou mil policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da cavalaria e um helicóptero. O movimento cresceu, estendendo-se por três dias, ampliando o arco de forças na luta, abrangendo movimentos que, em geral, não participavam das lutas estritamente partidárias e sindicais, como, Radicais Livres, Anarcopunk, Hip Hop, Arte e Educação, a Associação de Skatistas do Paranoá, aos quais se somaram movimentos já inseridos em lutas classistas, como o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), o MST e os Diretórios Centrais de Estudantes (DCEs) da Universidade de Brasília (UNB) e do Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).
Desde então, as lutas contra os aumentos organizadas pelo MPL se espalharam no país, havendo concentração em Santa Catarina (Joinville e Florianópolis), São Paulo (Campinas e capital), Brasília, Salvador e, por meio de outras formas de organização, em centenas de cidades pelo país.
As suas pautas enfatizam temas que sugerem a busca de aliança com os setores da classe mais explorados (passe livre para setores sem renda). Recusando a tese de que o poder está em toda parte e em nenhum lugar, ao gosto dos defensores da Multidão, como Hard e Negri (Império), o MPL identifica os loci do poder político formal, priorizando as suas representações locais (expresso em ocupações de prefeituras e câmaras de vereadores, na defesa da municipalização do transporte coletivo) e nomeia as empresas que exploram o transporte, enfrentando os conluios destas com as prefeituras (defendendo a investigação das contas das empresas de transportes e denunciando as isenções e calotes tributários e os repasses de verbas do poder público).
Também distintamente do que apregoam os pós-modernos, o MPL defende as alianças com a classe trabalhadora organizada. Exemplos simbólicos desses gestos precisam ser apontados. Em agosto de 2007, o MPL de São Paulo lançou carta de apoio ao direito de greve dos metroviários, reivindicando transporte público gratuito e de qualidade. Na carta, o movimento apoiou a greve dos metroviários, a legitimidade de suas reivindicações e fez diversas críticas à privatização da Linha 4 e à posição adotada pelo Metrô frente à greve dos trabalhadores: “A administração do Metrô insiste em afirmar que a greve dos metroviários deixa sem transporte milhões de pessoas, quando na verdade o alto preço da tarifa e o limitado sistema metroviário é que exclui grande parte da população do acesso aos trens do Metrô”.
O movimento reivindica a história e as lutas dos que resistiram no passado: em 7 de setembro de 2008, o MPL realizou manifestação durante o desfile do Dia da Independência em Joinville, lembrando a época da ditadura militar. Um dos integrantes, o estudante Kleber Tobler, 25 anos, foi preso por usar farda militar e uma máscara de demônio. Em maio de 2010, estiveram à frente do protesto "Churrascão da Gente Diferenciada" contra a desistência do governo do estado de São Paulo de construir uma estação de metrô na avenida Angélica, atendendo aos reclamos dos moradores do bairro da alta classe média que não desejava o metrô: “Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada...”. Demonstrando solidariedade aos sete trabalhadores mortos no desabamento causado por negligência da empresa que fazia a obra da estação da Linha 4-Amarela do Metrô, em Pinheiros, o MPL esteve no protesto junto com o Sindicato dos Metroviários de São Paulo (2010).
Igualmente, em junho de 2010, o MPL apoiou a Marcha da Liberdade que reuniu mais de 3 mil pessoas, na capital São Paulo. O protesto foi pela liberdade de expressão e contra a repressão policial, reunindo simpatizantes de diversas causas, como os favoráveis à legalização da maconha, e os defensores dos direitos de gays, lésbicas e transexuais. Para um dos organizadores do movimento, André Takahashi, a marcha conseguiu alcançar seus principais objetivos. “A Marcha da Liberdade já cumpriu o seu papel que é o de começar essa discussão sobre a liberdade de expressão e o uso das armas não letais. O emprego de armamento não letal fere a Constituição quando usado contra pessoas que estão no seu direito de se manifestar”. A Marcha da Liberdade também foi importante para promover a interação entre os diversos movimentos sociais. Segundo militantes do MPL, existe uma “tendência” de que essa troca de experiências e cooperação continue.
Em suma, o breve apanhado de algumas das ações políticas do MPL parece confirmar mais a sua proximidade com as lutas latino-americanas das últimas décadas do que com o pós-modernismo e, radicalmente distinto dos novos movimentos sociais que recusam alianças classistas com os movimentos organizados da classe trabalhadora. A recente convocatória do MPL para novas mobilizações na periferia de São Paulo (5), organizada em conjunto com o MTST e outros movimentos, como o Periferia Ativa, corrobora o posicionamento classista do movimento.
Argumentar que a convocatória deflagrada pelo MPL – e pelos movimentos que nos últimos cinco anos têm construído a unidade de ação nas lutas pelo passe livre e contra os abusivos aumentos das passagens – tem seu esteio na esquerda, guarda nexos classistas e possui considerável relação com outros movimentos da juventude, sindicatos e movimentos sociais e partidos, não equivale a afirmar que a enorme massa que compareceu aos atos após a feroz repressão policial do governo Alckmin com o aval de Fernando Haddad no ato do dia 13 de junho, ferindo jornalistas, espancando centenas e prendendo 137 pessoas, contou apenas com a presença de apoiadores ativos do MPL. Mas, sem o referido movimento, as convocatórias para os atos que culminaram nas grandes marchas não teriam acontecido no momento.
Os que compareceram
Os diversos atos e manifestações foram rotulados pela grande mídia como “Rebeldia e Vandalismo”, “Marcha da Insensatez”, “Manifestantes queimam ônibus, depredam bancos e lojas em SP” (O Globo, 12/6/13), “Riscos de novos confrontos: atos do Movimento Passe Livre, que provocaram quebra-quebras no Rio e em SP, serão repetidos hoje” (O Globo, 13/6/13). Contudo, o tom mudou após a feroz repressão, levando um importante colunista da FSP e de O Globo, Elio Gaspari, a publicar artigo com o título: “A PM começou o conflito” (O Globo, 14/06/13), reconhecendo, afinal, que os confrontos foram impulsionados pela selvagem repressão do aparato policial que, como destacado, há anos vinha reprimindo duramente os atos do MPL.
A indignação contra a insana repressão – afinal reconhecida pela mídia – repercutiu sobre um público muito maior do que o círculo do MPL. A ele se somou movimentos que já vinham demonstrando iniciativa política, como o movimento LGBT (mas sobretudo o movimento em prol do casamento homoafetivo e contra a eleição do deputado Feliciano à Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), os que se manifestaram na rede contra o Código Florestal desde 2011, os militantes empenhados nas lutas contra as remoções em virtude dos negócios imobiliários da Copa, em solidariedade aos Guarani-Kayowa em Mato Grosso do Sul, a enorme greve dos Servidores Públicos Federais em 2012. Especificamente, no Rio de Janeiro, é preciso acrescentar os que lutaram a favor da Aldeia Maracanã, contra os custos abusivos e a privatização do Maracanã, os que apoiaram ativamente a greve dos bombeiros, as dezenas de milhares de pessoas que compareceram à Marcha crítica à Rio + 20, movimentos que, no plano partidário, possibilitaram que o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, obtivesse quase um milhão de votos na cidade, campanha protagonizada fundamentalmente por estudantes.
Entretanto, não apenas motivações com cariz de esquerda levaram muitos outros milhares às ruas nos dias 17 e 20/6. Qualquer observador pode concluir facilmente que esse enorme contingente é polissêmico, plural, mas dificilmente poderia ser desvinculado de causas e mobilizações que vêm acontecendo nos últimos anos. Proposições potencialmente conservadoras (não pelo mérito da questão, mas pelo enfoque), como o “Fora, Renan” e a comoção do julgamento do dito “mensalão”, tornando o ministro do STF, Joaquim Barbosa, uma espécie de justiceiro em prol da moralidade pública, também demonstraram força e, rapidamente, foram sintetizadas nas consignas “corrupção, PEC-37, antipartidos” pela grande mídia corporativa como as verdadeiras (e essenciais) causas da mobilização que levou mais de meio milhão de pessoas às ruas no dia 20/6 no Rio de Janeiro, manifestações que se espraiaram por todo o país e geraram solidariedade em dezenas de países. Está em aberto a disputa pela imagem das manifestações e, mais do que isso, pelo seu teor!
Algumas sínteses
A reversão de expectativas otimistas na economia, pressionando o poder de compra da maioria da população, em particular da endividada parcela da classe trabalhadora indevidamente denominada de “classe C”, contribuiu para sincronizar o Brasil na crise mundial do capitalismo.
A necessidade de ofensiva dos governos, em especial do Federal, de interceder mais vivamente nos acontecimentos, levou a presidenta Dilma a fazer um pronunciamento em cadeia nacional focalizado nos temas da corrupção, do transporte e vagamente dos direitos sociais à educação e saúde, não sem fazer ameaças aos “baderneiros” e, por silenciar, dando aval ao uso feroz do aparato repressivo, inclusive mobilizando a Força Nacional de Segurança (6). Imediatamente, todos os portavozes do Estado Maior do capital saíram a público para comemorar o estupendo discurso presidencial que, afinal, colocou as coisas em seu devido lugar. Um destes portavozes explicitou o que, afinal, é o fulcro da questão:
Para a presidente Dilma, o pior que pode acontecer numa campanha eleitoral antecipada é ser envolvida em uma tentativa de levar para a esquerda radical uma classe média que em alguma medida ela estava conseguindo cooptar (7).
Para corroborar a necessidade de união de todos com o Estado Maior do capital, os intelectuais e propagandistas do governo ecoaram a tese do Golpe da Direita que estaria em marcha nas ruas (justificando a tese da união nacional, governos instituídos, empresários, movimentos sociais, centrais sindicais etc., em defesa da democracia), conferindo um poder que os grupelhos fascistas não dispõem. O que faltaria a essa ultra-direita? Em primeiro lugar, lastro em uma classe social fundamental que disponha de relevância econômica. Mas inexistem no Brasil frações burguesas relevantes que estejam fora do bloco de poder gerenciado pelo PT. Outra possibilidade seria que, mesmo sem estar amparado pelo poder econômico do imperialismo, existisse, digamos, uma direita ideológica militante e ativa. O quase desaparecimento do DEM, por meio do deslocamento de suas principais lideranças rumo à base do governo do PT (com a criação do PSD por J. Bornhausen, G. Kassab e Kátia Abreu) não valida tal avaliação. Na Europa, essa direita é nutrida pelo sentimento xenófobo, situação não verificada no país.
Assim, o verdadeiro motivo que impulsiona a tal união nacional é o afastamento dos manifestantes das ruas e da agenda da crise capitalista: desemprego, perda de poder aquisitivo, inflação, precarização do serviço público advindo dos sucessivos e bilionários cortes no orçamento do Estado, novas privatizações, leilões de bacias petrolíferas etc.
É essa a frente de luta que está colocada diante dos movimentos da classe trabalhadora, como salientou Mattos (8). O desafio é fortalecer o protagonismo dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda, do movimento autonomista classista, da juventude, assegurando ao movimento em curso um teor classista, mas nem por isso submetido ao controle de forças externas ao movimento vivo da classe, à liderança de guias carismáticos, à estruturas de comando verticalizadas etc. O conceito de democracia direta e protagônica, dos mandatos rotativos e revogáveis, forjado na Comuna de Paris, nos sovietes, no poder popular da APPO (Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca), nada tem de incompatível com a construção ativa de consensos capazes de orientar a luta diante das forças poderosas da contrarrevolução.
Notas:
1) . John Holloway Agrietar el capitalism: el hacer contra el trabajo. Bs.As.: Herramienta, 2011.
2) . http://www.clacso.org.ar/institucional/1h.php?idioma=
3) . Para compreensão do MPL que se aproxima do presente texto, embora com nuances, ver Bruno Paes Manso e Marcelo Godoy, Antiliberal e crítico do marxismo, MPL usa multidão como arma, http://a-voz-das-ruas.blogspot.com.br/2013/06/antiliberal-e-critico-do-marxismo-mpl.html
4) . Carlos Beas Torres, La batalla por Oaxaca. Oaxaca, México: Ed. Yope Power, 2007.
5) Quem não luta pelos trabalhadores, não nos representa. Ato agendado para o dia 25/6/13 no Capão Redondo e no Campo Limpo, Zona Sul, Guaianeses, zona Leste.
6). Edição do dia 20/06/2013 Tropas da Força Nacional reforçarão a segurança de quatro capitais Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte terão apoio da Força Nacional durante a Copa das Confederações. http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/06/tropas-da-forca-nacional-reforcarao-seguranca-de-quatro-capitais.html
7) Merval Pereira, Buscando Saídas, 22.06.13, http://oglobo.globo.com/blogs/blogdomerval/posts/2013/06/22/buscando-saidas-500899.asp
8) Marcelo Badaró Mattos, A multidão nas ruas: construir a saída de esquerda para a crise política, antes que a reação imprima sua direção. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8528:submanchete250613&catid=63:brasil-nas-ruas&Itemid=200
Roberto Leher é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Observatório Social da América Latina – Brasil/ Clacso e do Projeto Outro Brasil (Fundação Rosa Luxemburgo).
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