Brasil: o que está e o que vem por aí
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- Osvaldo Coggiola
- 24/07/2013
A greve geral de 11 de julho não foi a continuação das massivas mobilizações populares de junho. Muito parcial na maioria das grandes cidades, quase inexistente fora delas, não conseguiu parar, com exceção de Porto Alegre, o sistema de transportes. Os bloqueios de estradas e avenidas, onde ocorreram (poucos) foram realizados por um baixo número de pessoas. As manifestações de rua foram muito pequenas em relação às grandes marchas de junho: 8 mil pessoas, no máximo, na Avenida Paulista. Boa parte dos manifestantes recebeu dinheiro de centrais sindicais do país, algumas (CUT, Força Sindical) de enormes recursos financeiros. Nos poucos lugares onde houve atividades combativas (Fortaleza, Porto Alegre, São José dos Campos, Belém, Natal) foi notório o trabalho da CSP-Conlutas, apesar desta representar somente 2% do movimento sindical.
O PSTU, ainda assim, concluiu que o “11 de julho foi a continuação das manifestações de junho” (Opinião Socialista, 17 de julho), o que nem o estudante menos informado se atreveria a dizer. Os movimentos responsáveis pelas jornadas de junho, o MPL em primeiro lugar, ignoraram a greve. A CUT, por sua vez, pagou seus “manifestantes” para que carregassem bandeiras (industrialmente confeccionadas) de apoio ao governo, que dominaram os atos públicos (em junho, não se viu nenhuma sequer parecida).
A resposta de Dilma Rousseff à “voz das ruas” ficou reduzida a nada. A promessa de consagrar 100% dos royalties do petróleo em alto mar (menos de 8% da renda petroleira, nas mãos do capital privado internacional) foi mutilada e postergada pelo Congresso. A “reforma política”, anunciada como Assembleia Constituinte e depois reduzida a uma modificação reacionária de um par de mecanismos eleitorais, foi simplesmente enterrada no Congresso Nacional. Dilma, que não teve tempo de ir à reunião da Direção Nacional do PT, teve tempo pra receber publicamente um representante parlamentar do PSOL, que lhe manifestou seu apoio. Frente ao óbvio vendaval de críticas, o PSOL emitiu um comunicado distanciando-se de seu senador, mas apoiando a (enterrada) reforma política. Os principais partidos de esquerda se colocaram em rota pública de divergência ou colisão com o movimento popular.
Lula saiu de sua mudez (pelas páginas do New York Times...) para caracterizar as mobilizações como produto do progresso da última década: os carros particulares teriam invadido as ruas, entorpecendo o transporte público. Nenhuma palavra sobre os lucros e monopólios do transporte privatizado. Convocou também, era necessário, uma “renovação do PT”. A reunião da direção deste partido, em meados de julho, foi um episódio de uma crise: manifestou sua insatisfação pela ausência de Dilma e oficializou nove listas para as eleições internas de 10 de novembro, com seis candidatos a presidente do partido. A esquerda do PT, um aparato alheio ao movimento popular, apostou todas as suas fichas neste processo.
Toda a sujeira cumulada do Estado (regime) brasileiro aparece agora. Os pouco mais de 5500 municípios do país usam nada menos que 510 mil “cargos de confiança”, muitos com salários mensais superiores a 10 mil dólares. Professores e médicos municipais padecem, ao mesmo tempo, salários de fome, para não falar da infraestrutura com a qual lidam. A corrupção e a crise econômica se cruzam no BNDES, o banco estatal cuja carteira de créditos ao setor privado aumentou de R$ 25,7 bilhões (12 bilhões de dólares) em 2001, para R$ 168,4 bilhões (84 bilhões de dólares) em 2010, com uma taxa decrescente de crescimento do investimento privado, atualmente no patamar zero. A maioria das empresas beneficiadas registra prejuízos ou se encontra em falência. A mais importante é a EBX, de Eike Baptista, o “capitalista do Lula”, beneficiária de R$ 10,5 bilhões em dinheiro público. A crise capitalista está iluminando o buraco negro da corrupção brasileira.
O papa Francisco vem ao “maior país católico do mundo”, no qual a proporção de católicos caiu de 92% em 1970 para 65% em 2010%, em favor das seitas mafiosas evangélicas, que governaram o país na última década ao lado do PT. O corvo-mor vem também para conter o movimento juvenil, desviando-o, chamando o governo petista a “escutar a voz das ruas” – abrindo mais espaço para a igreja católica e reduzindo o dos evangélicos. Os “teólogos da libertação” (os irmãos Boff e Frei Betto) se somaram calorosamente a essa operação político-religiosa. O Vaticano pôs os imensos gastos papais no Brasil na conta do Estado, os evangélicos pressionaram o governo para que os reduzissem, em uma contenda pública. A esquerda, aqui, olha para o outro lado.
Diante do imobilismo político, o PMDB busca se transformar no eixo do regime, reafirmando sua aliança com o PT e o apoio a Dilma, ao mesmo tempo em que bombardeia o Congresso com todas as suas iniciativas políticas. Nas atuais condições, é quase uma roleta russa. As centrais sindicais marcaram uma nova greve geral para... 30 de agosto. Isolada e sem conexão com qualquer plano de luta conjunto, a jornada será uma nova saudação à bandeira. A juventude em luta anda por outros caminhos. Depois de Belo Horizonte, os jovens de Porto Alegre, organizados no “Bloco de Lutas”, ocuparam a Câmara dos Vereadores, da qual só se retiraram mediante um compromisso escrito pelo passe livre nos ônibus e trens para estudantes e desempregados, sem isenção de impostos para as empresas concessionárias. O caldo está fermentando. A vitória por pontos no primeiro round pode se transformar em nocaute do governo nos próximos assaltos.
Osvaldo Coggiola é historiador.
Traduzido por Gabriel Brito, do Correio da Cidadania.