Porto Alegre e as mobilizações de junho
- Detalhes
- Maurício Borges
- 01/08/2013
Em Porto Alegre, assim como na maioria das cidades do Brasil, a passagem de ônibus é reajustada nas férias, para evitar o quase certo protesto de estudantes durante o período letivo.
Em Porto Alegre, os empresários do transporte podem solicitar o aumento da tarifa em duas circunstâncias: depois de acontecer o dissídio coletivo dos rodoviários ou quando o IGP-M acumula em 8% desde o reajuste anterior.
Geralmente os aumentos salariais dos rodoviários são insignificantes, servindo apenas como pretexto para reajustar a tarifa. Depois de levar em conta esses elementos, os empresários do transporte, por meio de sua associação, a ATP, solicitam o reajuste, quase sempre em janeiro.
Desde os idos do PT
Os protestos mais recentes contra os aumentos das passagens em Porto Alegre começaram ainda nos últimos anos do PT na prefeitura, em 2003-2004. Aquelas mobilizações contavam com algumas dezenas de manifestantes e nunca foram capazes de reverter os reajustes. Mas elas seguiam adiante.
Em 2005, no primeiro ano da gestão de José Fogaça (PPS) na prefeitura, o aumento acabou acontecendo no final de fevereiro, o que permitiu a mobilização dos estudantes que voltaram às aulas no começo de março. Foram duas semanas com muitos atos – chegando a cerca de 2 mil estudantes nas ruas –, roletaços, pneus queimados etc. Nada disso impediu que José Fogaça mantivesse o aumento da tarifa.
As manifestações continuaram a acontecer a cada aumento anunciado, ano após ano, mas sem contar com um número significativo de manifestantes, necessários para impor revisão das tarifas e derrota aos empresários do transporte e aos prefeitos. Evidenciando a relação entre prefeitos e vereadores com os empresários do transporte, que são os grandes financiadores nas campanhas municipais em Porto Alegre.
Fora de época
Em 2013, em razão do atraso do dissídio, que estava sendo discutido na Justiça, e pela interferência do Tribunal de Contas do Estado, que solicitou a revisão do cálculo, o aumento da tarifa só foi possível em março. O TCE ainda avaliou em sua auditoria que a tarifa poderia custar R$ 2,60, enquanto a ATP queria reajustar de R$ 2,85 para R$ 3,30.
Em Porto Alegre, de 1994 até 2012, a tarifa aumentara 670%, sendo que a inflação do período foi de apenas 310%, segundo o DIEESE.
Após a prefeitura reavaliar o cálculo, retirando da conta a frota reserva de ônibus, foi aprovado pelo Conselho Municipal de Transportes Urbanos (COMTU) o aumento da tarifa. No mesmo dia, 21 de março, o vice-prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (PMDB) sancionou o reajuste em R$ 3,05. No dia seguinte, foi realizada uma manifestação em frente à prefeitura. Dois dias depois, quando entrou em vigor o novo valor da tarifa, uma nova manifestação trancou a grande avenida Ipiranga, em frente a PUC-RS.
As redes sociais
Dessa vez, além do aumento acontecer em março, existia um novo elemento que facilitava a convocação das manifestações, as redes sociais, permitindo a convocação de milhares de pessoas em instantes. Diminuíam as dificuldades encontradas anteriormente: passar em escolas para divulgar; garantir ônibus para as escolas mais distantes; financiar, produzir e distribuir panfletos e cartazes etc.
A primeira manifestação divulgada pelas redes sociais, em Porto Alegre, foi em junho de 2012, com a Marcha da Liberdade. Em Porto Alegre, em 2013, foi o primeiro ano de mobilizações contra o aumento da passagem convocado nas redes sociais.
As manifestações em março de 2013 foram maiores do que as anteriores. O que registrava aumento da indignação com o reajuste e maior disposição de luta. Como resposta, na manifestação de 27 de março, houve forte repressão da polícia, acompanhada de algum quebra-quebra após a violência policial.
A mídia, com destaque para a RBS-Zero Hora, serviu-se do confronto durante a manifestação para tentar isolar o movimento. Os manifestantes foram tratados de terríveis baderneiros, agressores dos bens públicos e privados. Entretanto, nada disso impediu que o ato seguinte, em 1º. de abril de 2013, juntasse 20 mil pessoas.
Era a maior manifestação jamais realizada em Porto Alegre contra o aumento da passagem. Depois disso, horas antes da manifestação seguinte, em 4 de abril, a Justiça concedeu liminar anulando o aumento da tarifa. Era a primeira grande vitória!
De baderneiros a gente boa
Como eram as maiores mobilizações populares em Porto Alegre desde o Fora Collor, e contavam com o apoio da população, a mídia tratou de mudar o discurso, novamente com a RBS-Zero Hora na cabeça.
Os antes chamados de vândalos passaram a ser vistos com bons olhos. Claro, se parassem de ir às ruas; se a pauta ficasse só na revogação do aumento etc. Mais do que isso voltaria a ser vandalismo.
O prefeito José Fortunati (PDT), desde o início, ficou incondicionalmente ao lado dos empresários do transporte, se recusando a rever o aumento da tarifa até o fim. Afirmou e reafirmou que baixar o preço era impossível. Enquanto isso, o governador Tarso Genro, se omitiu, garantindo apenas a Brigada Militar para reprimir as manifestações.
Enfim, cada um cumpriu com o seu dever. O governo reprimiu para evitar que aumentassem as mobilizações e a mídia tentou desqualificar e isolar o movimento. Nada disso deu certo, governos e mídias foram obrigados a recuar. O exemplo de que era possível derrotar os aumentos das tarifas ganhou eco pelo país, que conhecera, igualmente, importantes lutas pela passagem nos últimos anos, em diversas cidades.
A culpa foi da Dilma
Em São Paulo, no mês seguinte à vitória em Porto Alegre, o aumento da tarifa foi anunciado. Dessa vez, fora do período de férias, para evitar de forma artificial o aumento dos índices de inflação, conforme recomendação do governo Dilma Rousseff. Com o crescimento das mobilizações em São Paulo, em pouco tempo a luta se nacionalizou e atos foram convocados para várias cidades.
Em muitos lugares, como em Porto Alegre, com a formação do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, havia um embrião de direção do movimento. Em outras cidades, outros organismos dirigentes foram formados. Entretanto, em quase todos os lugares as direções eram frágeis e foram surpreendidas pela ampliação transbordante do movimento.
As mobilizações foram uma grande escola para os jovens e para a população mobilizada. Apesar do discurso corrente de enfraquecimento da ação coletiva organizada e do predomínio de interesses individualistas, as mobilizações de junho foram efetivas em garantir as revogações dos aumentos das tarifas. Foram, portanto, vitoriosas.
Queremos tudo
As pautas foram ampliadas proporcionalmente à quantidade de pessoas e aos diversos segmentos sociais que foram às ruas. O questionamento dos gastos milionários com a Copa do Mundo reforçou o debate. Com a luta em âmbito nacional e com as pautas mais amplas, o desgaste deslocou-se dos governos municipais e estaduais, alcançando finalmente o governo Dilma Rousseff.
Os aumentos nas tarifas foram revogados em muitas cidades e, não raro, foram acompanhados de promessas de passe livre para estudantes. No calor das mobilizações de junho, as maiores da história do Brasil, o governo Dilma anunciou medidas que seriam levadas ao Congresso de modo emergencial – mais verbas para educação e saúde, passe livre para estudantes etc.
Enquanto isso, parcela significativa da militância petista divulgou boatos sobre o crescimento da extrema-direita e um possível golpe. Sugerindo construir frente única, com o governo, contra a direita. Sobretudo, procurava-se pôr fim às manifestações, fazer as pessoas saírem das ruas que, nesse momento, desgastavam o governo Dilma. O MPL de São Paulo se retirou das mobilizações, ao que tudo indica, capitulando politicamente para o PT.
O que não avança, retrocede
A seguir, as mobilizações retrocederam e perderam o caráter nacional. As pessoas pouco a pouco foram saindo das ruas e as manifestações ficaram cada vez menores. Os projetos enviados ao Congresso, agora, sem a pressão das ruas, talvez não sejam mais votados.
No contexto das grandes mobilizações, as organizações políticas mais à esquerda ficaram muito aquém do necessário. Não poucas, foram meras expectadoras, parecendo não saber o que fazer. Os sindicatos não travaram batalhas políticas e não ingressaram na luta. As palavras de ordem não respondiam as demandas crescentes das ruas. Ninguém chamou um “Fora”, para esse ou aquele governo, com algumas poucas exceções, como no Rio de Janeiro. Não se viu um cartaz colado nas ruas, nem panfletos ou jornais dos partidos de esquerda distribuídos nos atos etc.
O repertório de ação, há anos próprio da esquerda, parecia ter sido esquecido nesse junho de 2013. O movimento sindical, por falta de habilidade política ou por opção, não entrou em cena. A greve geral, ou Dia Nacional de Lutas, não chegou nem perto de cumprir a tarefa. Não conseguiu ─ ou não pretendeu ─ avançar as pautas e tampouco abraçou as pautas de junho, como transporte 100% público ou passe livre, por exemplo.
O jogo segue
Mas o jogo segue. Embora menores, as mobilizações continuam em várias cidades. Vitórias em relação à pauta do transporte continuam acontecendo. As câmaras de vereadores e prefeituras seguem sendo ocupadas – em Porto Alegre, a ocupação durou uma semana, sob o ataque da RBS-Zero Hora e o apoio da população.
A popularidade de governos em todo o país caiu de modo a comprometer não poucas reeleições, com destaque para a de Dilma Rousseff, crescentemente fragilizada, o que acresce as reivindicações do grande capital e da base aliada, para seguirem apoiando-a.
A relação do PT e de seus governos com as massas nunca mais será a mesma. Quem corre contra o tempo agora são os governos e os partidos do social-liberalismo ou da direita tradicional. Quanto mais perto das eleições mais evidentes ficam suas possibilidades de fracasso. Os governantes que almejam reeleição terão que dar concessões para não transformarem suas derrotas políticas em derrotas eleitorais.
É preciso se rearmar, não sair das ruas, ocupar quantas vezes forem necessárias as câmaras e prefeituras, convocar novos atos, tentar nacionalizar novamente as mobilizações, não recuar ou reduzir as pautas de mobilizações, etc. Os sindicatos precisam de algum modo avançar nas suas lutas, transformando-as em lutas políticas contra os governos. Nossas ações têm que servir às nossas lutas. E, talvez, assim, as massas voltem às ruas.
Maurício Borges é cientista social.
Comentários
- 2013 não foi o primeiro ano em que os protestos foram convocados por redes sociais. 2012 já contou com isso e foi o ano em que se formou o Bloco de Lutas pelo Transporte Público. Acredito que mesmo antes de 2012 já vinham se utilizando a rede para tais fins.
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