Correio da Cidadania

‘Governo tucano e reitoria terão que aprender a negociar com movimentos estudantis na USP’

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Em meio a protestos com maior visibilidade nacional, a USP voltou a ser posta de manifesto, após a decisão do movimento estudantil em ocupar a reitoria, em moldes diferentes da tentativa de 2011, na qual os estudantes se dividiram até o fim sobre a atitude, quando uma violenta operação policial acabou sumariamente com o movimento. Dessa vez, talvez por conta de novos ventos, os pedidos de reintegração de posse da reitoria foram negados pela justiça.

 

O Correio da Cidadania conversou com a advogada Luisa D’Avola, uma das porta-vozes do DCE uspiano. “A decisão de reintegração de posse por parte da polícia contra os estudantes, com certeza, seria deslegitimada pela sociedade, que hoje se coloca ao nosso lado e vê nossas pautas como justas. É algo inédito para esta reitoria e para o governo tucano, que tem como prática central a repressão aos movimentos. Eles terão que aprender a voltar atrás e negociar”, analisa.

 

A exemplo da ocupação anterior, as exigências passam pela democratização das eleições para reitor, a ser feita de forma paritária entre professores, alunos e funcionários, abolindo a lista tríplice e retirando do governador do estado a prerrogativa de nomear o reitor a seu gosto. Além disso, contesta-se o convênio que colocou a PM dentro do campus.

 

“A campanha por mais democracia na universidade é construída pelos estudantes, professores e funcionários há anos, já que, de fato, vivemos em uma das universidades públicas mais antidemocráticas do país. Agora, conseguimos casar o sentimento criado pelas manifestações de junho com a pauta histórica de luta dentro da universidade, criando uma das maiores greves dos últimos anos na USP, com possibilidade concreta de vitórias”, resume Luisa.

 

A entrevista completa com Luisa D’Avola pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Como avalia os novos acontecimentos em torno à USP nestes últimos dias, em face do novo momento que vive o país, após as manifestações de junho?

 

Luisa D’Avola: As manifestações de junho mudaram a dinâmica dos protestos no Brasil, demonstrando que a política é feita no dia a dia das pessoas, diferentemente do que se tenta impor nesta democracia burguesa, cuja participação popular é limitada ao voto ou somente aos momentos de crise institucional. Isso vale para a USP também. Principalmente, pelo fato de que as mobilizações de junho arrancaram vitórias concretas, fruto da nossa mobilização e auto-organização. Resgatou-se o sentimento na população de que a luta coletiva traz resultados.

 

Evidentemente, junho não explica, por si só, o processo que estamos vivendo na USP. A campanha por mais democracia na universidade é construída pelos estudantes, professores e funcionários há anos, já que, de fato, vivemos em uma das universidades públicas mais antidemocráticas do país. O diálogo construído com a comunidade universitária neste tempo foi fundamental para que agora conseguíssemos casar o sentimento criado pelas manifestações de junho com a pauta histórica de luta dentro da universidade, criando uma das maiores greves dos últimos anos na USP, com possibilidade concreta de vitórias.

 

Correio da Cidadania: Um dos quesitos importantes à mesa neste momento é o processo de eleição de reitor. Qual seria, em sua opinião, a forma democrática ideal para a escolha do reitor em uma instituição como a USP e o que acredita que vá ser alcançado para este próximo pleito?

 

Luisa D’Avola: O movimento defende um formato claro de eleições: diretas, paritárias entre estudantes, professores e funcionários e o fim da lista tríplice – que hoje dá ao governador do estado o poder de escolher quem é o nosso reitor. Esta, em minha opinião, é a forma mais democrática de eleições para reitor, pois coloca o processo eletivo na mão dos que estão envolvidos na dinâmica da universidade.

 

Esta é a nossa luta e esperamos que a eleição do próximo período para reitor siga tal modelo aqui defendido. Estamos desde o começo do nosso processo tentando um diálogo com o atual reitor, João Grandino Rodas, para apresentarmos a nossa proposta. Porém, ele se coloca contra o diálogo com os estudantes e cria um impasse para decidirmos qual será o novo formato de eleições.

 

Existe um debate interessante, levantado pelo governador e por parte da burocracia acadêmica: uns argumentam que, como a USP é uma universidade pública estadual, o governador, como um “representante” eleito pelo povo paulista, teria direito, sim, de intervir na escolha da reitoria, pela lista tríplice. O problema em tal lógica, para além de discutir os limites desta própria representatividade, é que não se inclui na proposta os demais setores da sociedade, que teriam todo o direito de intervir nos rumos da USP, como os movimentos sociais.

 

Correio da Cidadania: Como anda, por sua vez, a discussão em torno à presença da polícia militar dentro universidade?

 

Luisa D’Avola: A pauta contra o convênio da USP com a polícia militar também está presente em nossa manifestação. É bom lembrar que este convênio foi firmado em uma situação completamente desfavorável na universidade. A grande mídia patrocinou uma campanha depois da trágica morte de um estudante, aproveitando o sentimento de pesar para aumentar a repressão aos movimentos. E sob o argumento de que esta é uma forma de “interação” da USP com a sociedade. Acredito que, para além da criminalização notória dos movimentos, esta é uma questão fundamental de autonomia universitária.

 

O balanço do movimento é que, desde o início do convênio com a polícia, a violência no campus não diminuiu e, logo, este convênio está sendo insuficiente para o que se propõe. Queremos elaborar uma proposta alternativa de segurança na universidade, que conte com maior iluminação no campus, sua maior abertura para a comunidade paulistana e uma guarda universitária preparada para a atuação dentro de uma universidade. Uma guarda que também conte com um contingente feminino para tratar especificamente da violência contra a mulher, já que os casos de assédios e estupros no campus ainda são bastante presentes e as vítimas não contam com nenhum programa específico de apoio por parte dos gestores da USP.

 

Interessante observar também que, entre os policiais do 16º BPM, responsável por fazer a ronda na USP, já houve um sargento preso por envolvimento com o PCC. Isso fragiliza o argumento criminalizante, que colocou a polícia pra dentro da USP.

 

Correio da Cidadania: Em entrevista ao Correio em 2012, Heloísa Borsari e Cesar Minto, respectivamente presidente e vice-presidente à época da ADUSP, ao mesmo tempo em que criticavam com veemência a abertura de processos de expulsão e, portanto, a criminalização de estudantes envolvidos nas ocupações, fizeram ressalvas às ocupações que ocorriam no momento, vez que ‘não decorriam de uma decisão tomada por uma assembleia estudantil, e sim de um grupo, à revelia da decisão da assembleia’.  Ressaltavam ainda que seria este um tipo de ação complicado em períodos de baixa mobilização. O que pensa desse tipo de atuação, especialmente agora que parece ter se aberto um período de massificação das contestações pelo país?

 

Luisa D’Avola: A ocupação da reitoria em 2011 foi feita em cima de pautas justas, porém, esta questão foi pouco dialogada com os estudantes previamente, o que fez com que parte do corpo discente travasse diversas críticas à ocupação e à greve daquele ano. A reitoria, a mídia e o governo se aproveitaram das diferentes visões que o movimento tinha para jogar a sociedade contra a nossa luta. No entanto, penso que o mais importante agora é afirmar que o movimento amadureceu bastante de lá pra cá, inclusive agindo de maneira mais unitária.

 

A greve atual foi deliberada em mais de 35 cursos da universidade, em assembleias que estão ocorrendo semanalmente, bastante cheias. Esta amplitude da greve está servindo para fazermos uma grande pressão sobre o nosso reitor e para legitimar a nossa ocupação, que segue crescendo dia após dia.

 

Correio da Cidadania: A negação da reintegração de posse pela justiça corrobora um sentimento de mudanças pairando no ar?


Luisa D’Avola: Com certeza. Tivemos vitórias históricas no âmbito judicial, demonstrando que nosso movimento é justo, legítimo, e que ações políticas não devem ser resolvidas pelo aparato policial.

 

A balançada na correlação de forças na sociedade influencia as decisões do poder judiciário, já que a decisão de reintegração de posse por parte da polícia contra os estudantes, com certeza, seria deslegitimada pela sociedade, que hoje se coloca ao nosso lado e vê nossas pautas como justas. É algo inédito para esta reitoria e para o governo tucano, que tem como prática central a repressão aos movimentos. Eles terão que aprender a voltar atrás e negociar, já que também perceberam que as táticas de divisão do movimento ou de cooptação não irão funcionar.

 

Correio da Cidadania: Ainda sobre tal aspecto, correram várias matérias pela mídia, inclusive entrevistas com o reitor Rodas, cujo foco maior era a crítica às ações de ocupação, que seriam até mesmo uma ameaça aos ‘padrões de eficiência’ de uma universidade pública. Como tem visto a divulgação pela mídia deste atual momento de contestações na USP?

 

Luisa D’Avola: Acho que conseguimos construir o movimento de maneira que todas as tentativas de criminalização foram esvaziadas. Não colou a pecha de que somos vândalos, não colou de que somos um grupo isolado, não colou de que somos intransigentes e nem que estamos pleiteando privilégios. Estamos falando de uma pauta democrática, que vai contra o absurdo estatuto inspirado na ditadura militar.

 

Desta forma, fica difícil a mídia nos acertar. Eles andam mais cautelosos depois de junho. De qualquer forma, os preconceitos permanecem. A vontade de aproveitar alguma brecha dada pelo movimento também. Em resumo, a mídia segue sua linha tradicional, mas o movimento está se blindando bem. Isso não garante alguma força-tarefa deles pra tentar esgotar o movimento.

 

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.

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