‘O déficit habitacional no Rio é gritante; vai provocar mais lutas e mobilizações’
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- Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação
- 28/04/2014
Como já se viu claramente em outras cidades do país, a luta por moradia também está na ordem do dia no Rio de Janeiro. Assim como a violência do Estado no trato das urgências sociais da sociedade brasileira. Foi esse o enredo da ocupação do antigo terreno da Telerj, no bairro Engenho Novo, que durante 12 dias reuniu 5 mil famílias, até a reintegração de posse de 11 de abril, deixando-o novamente ocioso e abandonado, conforme solicitou a concessionária atual, a Oi-Telemar.
“Este terreno estava há muito tempo abandonado e, depois de ocupado, a ação judicial e a reintegração de posse foram quase imediatas. Eu participei da reintegração do Pinheirinho, em São José dos Campos, e essa foi muito parecida em termos de violência, brutalidade e truculência policial. Um negócio impressionante”, disse o assistente social Guilherme Simões, em entrevista ao Correio.
Como se vê, novamente o Estado brasileiro tomou partido do poder econômico em uma querela acima de tudo social, reflexo de um crescente aumento do déficit de moradia que assola o país, conforme estudos recentemente realizados. Isso significa, como ressaltou Simões, a incapacidade do programa Minha Casa Minha Vida em incluir no mercado habitacional as famílias de baixa renda, o que tende a agravar tensões na opinião do entrevistado.
“O Estado que se diz democrático de direito desenvolve uma política de segurança muito forte contra as populações, mas não garante direitos básicos como, por exemplo, de moradia. Entendemos que há uma relação com os megaeventos, mas não só isso, porque a especulação imobiliária e da indústria da construção civil é algo perene. Dessa forma, nós vamos ter um cenário bastante complicado para o próximo período e, sem dúvida, com conflitos urbanos”, resumiu.
A entrevista completa com Guilherme Simões, mais uma realizada em parceria com a webrádio Central 3, pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Primeiramente, como se deu a realização da ocupação do terreno da Telerj?
Guilherme Simões: A ocupação foi no Engenho Novo, no prédio que pertence à OI-Telemar, e se iniciou no dia 31 de março. O local era um complexo de prédios e terrenos ociosos, onde entraram cinco mil famílias, que foram brutalmente despejadas no dia 11 de abril.
Correio da Cidadania: Por que o governo procedeu a reintegração de posse tão abrupta e truculenta, dada a ociosidade do local?
Guilherme Simões: É interessante lembrar que o terreno tinha uma complicação. Na verdade, o terreno é da União, mas existia um contrato de concessão para a OI, que venceria, se não estou enganado, no ano que vem.
Este terreno estava há muito tempo abandonado e, depois de ocupado, a ação judicial e a reintegração de posse foram quase imediatas. Pouco antes, houve uma audiência de conciliação que não foi frutífera.
A OI se colocou de maneira muito enfática pela realização da reintegração de posse. A prefeitura do Rio de Janeiro e o governo do estado não tiveram nenhuma preocupação com a situação das famílias e a reintegração foi extremamente violenta. Inclusive, contrariando o posicionamento da polícia militar, que nessa audiência dizia não ter preparo para realizar a reintegração. Dois dias depois da audiência (em 9 de abril), a reintegração aconteceu de maneira atabalhoada, extremamente violenta.
Eu participei da reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos, e essa foi muito parecida em termos de violência, brutalidade e truculência policial. Um negócio impressionante.
Correio da Cidadania: Que respostas e soluções foram oferecidas pelo poder público?
Guilherme Simões: A situação dessas famílias é muito precária no momento. A prefeitura realizou uma negociação, mas na realidade apenas confundiu e dividiu as famílias com a finalização de um cadastro. E muitas famílias ficaram em situação de rua. Neste momento, ainda há algumas famílias acampadas na frente da Catedral do Rio de Janeiro.
A luta por moradia é mais do que atual, tanto no Rio de Janeiro quanto no resto do Brasil. Mas especialmente no Rio de Janeiro, as lutas sociais, como essa por moradia, são tratadas como crime. As famílias ficaram acampadas durante quatro dias na frente da prefeitura e foram escorraçadas pela guarda municipal e pela polícia militar de uma maneira absurda.
Portanto, a realidade atual é de muita dificuldade para as lutas de moradia, mas, ao mesmo tempo, de muita atualidade, de muita necessidade. Os governos precisam dialogar. No caso do Rio de Janeiro, a prefeitura municipal e o governo do estado precisam dialogar com os movimentos, precisam dialogar com o problema do déficit habitacional, que é gritante na cidade e só vai provocar mais lutas, mais mobilizações. A política do terror e da repressão não costuma ser eficaz do ponto de vista de Estado Democrático de Direito; ela vai invocar novas lutas, novas ocupações e novas mobilizações.
Correio da Cidadania: Já que você mencionou, como está o quadro do déficit de moradia no Rio de Janeiro e das políticas públicas para a habitação?
Guilherme Simões: O prefeito Eduardo Paes, junto com o governador Cabral e agora o Pezão, anunciam uma quantidade de milhares de unidades pelo programa Minha Casa Minha Vida, em todo o estado. Mas eles não detalham uma coisa importante: o fato de que a maior parte dessas unidades habitacionais não é destinada às famílias mais carentes, que têm a renda média familiar mensal de R$1.600,00. A maior parte das casas não é destinada a tais famílias, de modo que temos um problema enorme. O Rio de janeiro, hoje, é segunda cidade do país com maior déficit de moradia, em números absolutos. Só perde pra São Paulo.
Correio da Cidadania: Esse acontecimento já pode ser visto como reflexo direto das remoções e desapropriações promovidas recentemente em nome de obras a serem realizadas como suporte aos megaeventos?
Guilherme Simões: Sem dúvida que há uma relação. Os megaeventos, não só a Copa e as Olimpíadas, mas também as megaobras, causam um efeito absurdo de especulação imobiliária. É a valorização do território que tem o significado prático de segregação territorial. Os mais pobres são expulsos para as regiões mais longínquas, sem ter condição nenhuma de arcar com o custo de vida das regiões recém-valorizadas.
Uma outra questão que se relaciona ao despejo daquela região é a consolidação das UPPs. As UPPs também fortalecem a valorização do território, aumentando os preços dos aluguéis, dos imóveis etc., e fazem com que as famílias mais carentes não tenham mais condição de arcar com as despesas.
Portanto, o cenário que está pintado no período é de luta por moradia. É uma necessidade básica, das mais importantes pra qualquer pessoa, e não há outra alternativa, senão brigar e lutar por esse direito. Porque o Estado que se diz democrático de direito desenvolve uma política de segurança muito forte contras as populações, mas não garante direitos básicos como, por exemplo, de moradia. Entendemos que existe uma relação com os megaeventos, mas não só isso, porque a especulação imobiliária e da indústria da construção civil é algo perene.
Dessa forma, nós vamos ter um cenário bastante complicado para o próximo período e, sem dúvida, com conflitos urbanos.
Clique aqui para ouvir o áudio da entrevista.
Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.
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