Junho de 2013 segue em disputa
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- Raphael Sanz
- 04/06/2014
O documentário Junho, dirigido por João Wainer, teve sua pré-estreia no Cine Itaú da rua Augusta, ontem (terça, 3), às 20h. O documentário, feito em parceria com um tradicional jornal paulistano, trouxe ao público uma narrativa clara sobre a luta contra o aumento de tarifas do transporte em junho do ano passado, durante a Copa das Confederações, e a maneira como ela impulsionou outras lutas em todo o país, além de entrevistar personagens importantes durante esse processo.
Tendo em vista que os protestos começaram contra os aumentos nas tarifas do transporte público, um grande êxito do documentário, bem ressaltado por Pablo Ortellado no debate posterior à exibição, foi a contextualização da história do Movimento Passe Livre. Em uma narrativa muito bem contada, através de um fio condutor baseado em entrevistas com o próprio Pablo Ortellado e com as ativistas do MPL Elena Judensnaider – coautora, ao lado de Pablo, do livro 20 Centavos, que resgata a cobertura midiática da luta contra a tarifa – e Nina Capello - entrevistada no meio de uma manifestação -, conta a gênese do movimento lá em 2003, com a revolta do buzu em Salvador, passando pelas vezes que Florianópolis barrou a tarifa, pelas primeiras lutas em São Paulo, até chegar ao movimento de 2013, dando um contexto histórico real do que aconteceu e contrapondo aquele senso comum que diz que os protestos começaram do nada.
Na sequência, mostrou como se desenrolaram os acontecimentos nos dias de luta contra o aumento, com um pouco dos bastidores da política institucional e muito da atmosfera das ruas. Os críticos mais exigentes podem dizer que faltaram análises mais aprofundadas. Mas, como bem pontuou o sociólogo Demétrio Magnoli, não se pode esperar que um documentário seja um tratado de sociologia e ciência política, ainda mais com o formato que se propôs a usar.
Foi feita uma boa análise da grande virada na opinião pública após a dura repressão policial do dia 13 de junho – retratada de maneira incisiva – e uma crítica ao papel da mídia corporativa durante todo esse processo. Inclusive – e aí vem a honestidade da produção –, criticando o editorial da Folha de S. Paulo do dia 12 de junho, que pedia mais repressão, comparando-o ao do concorrente Estado de S. Paulo, e mostrando que ambos se completavam.
Pecou pelo humor. Explorou demais os apresentadores de televisão sanguinários e viciados em opinião pública. Mostrou o óbvio: que esses apresentadores não têm formação política, e esbravejam contra ou a favor de qualquer coisa que suas pesquisas de audiência apontem como vontade dos telespectadores.
Outras questões foram também abordadas, como o aparecimento de setores de grupos à direita do espectro político nas marchas no dia 17 de junho, culminando com a saída do MPL dos atos na região central da cidade e a tão falada influência das mídias digitais e redes sociais - influência esta bastante criticada e posta em um lugar razoável, ou seja, longe do papel de protagonista. Ainda pontuou a questão da desigualdade social no país, mostrando protestos e manifestantes periféricos, suas ideias e discursos. Poderia ter reservado um espaço maior para a periferia, isso talvez enriquecesse o documentário.
Analisando as falas dos entrevistados, o debate posterior (que contou com o próprio João Wainer, o pesquisador da USP Pablo Ortellado, o sociólogo Demétrio Magnoli, o coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho e o militante do MPL Leonardo Cordeiro), a imprensa e, principalmente, o teor das campanhas eleitorais que ainda engatinham, percebe-se que a autoria dos protestos de um ano atrás ainda está sendo reivindicada.
A propaganda do candidato tucano à presidência é a mais gritante e significativa em relação a essa disputa. Assim como as tentativas governistas de justificar os injustificáveis gastos, impactos e legados que a Copa do Mundo deixará por essas bandas, uma vez que a luta em 2014 é contra o caráter oportunista e desumano do megaevento. Resta-nos observar os acontecimentos que estão por vir nas próximas semanas, pois, com certeza, serão as ruas de junho de 2014 que definirão o legado das ruas de um ano antes.
Raphael Sanz é jornalista.
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