Correio da Cidadania

Novo ataque ao Código Florestal

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Está em tramitação, na Câmara dos Deputados, mais um Projeto de Lei (PL) de alteração do Código Florestal (na verdade uma combinação, com modificações, de três projetos isolados) que contém alguns aspectos que podem ser bastante negativos ao meio ambiente. O pior deles refere-se à redução, para fins de recomposição, da área de Reserva Legal na Amazônia de 80% para 50%, bem como à possibilidade de empregar-se o plantio de árvores exóticas (exóticas, em biologia, refere-se a espécies que não ocorrem naturalmente em determinado local) nesta recomposição. Vamos traduzir isto. Recomposição significa a regeneração de floresta promovida pelo proprietário que desmatar mais que o permitido. Na Amazônia, é lícito desmatar apenas 20% de uma propriedade, o restante (80%) sendo considerado Reserva Legal, uma área protegida por lei. Quem desmatar mais está cometendo crime ambiental. E como tem proprietários de terra criminosos por lá! Porque a devastação até as frentes de ocupação é geral. O que o tal artigo propõe, na prática, é uma anistia a quem desmatou mais do que o permitido, para fins de recomposição. Se fosse apenas isto, não seria ideal, mas seria algo que poderia ser discutido. Pouco razoável é imaginar que alguém que já desmatou mais do que o permitido irá recompor a área. Ao contrário, normalmente trabalham para que a área permaneça desmatada, por exemplo queimando e matando continuamente as árvores e palmeiras que insistem em crescer por lá.

 

Porém, o projeto prevê que, em determinadas regiões, 30% da área do imóvel (não coincidentemente, justamente a diferença entre os 80% exigidos de Reserva Legal atual e os 50% propostos nos casos de recomposição) podem ser plantados com espécies florestais, nativas ou exóticas, inclusive palmeiras. Bingo! Aí é que está o pulo do gato. Com esta brecha, o que se tem na prática é uma redução permanente da Reserva Legal de 80% para 50%. Isto porque nem Chapeuzinho Vermelho vai acreditar que um proprietário irá algum dia recompor os tais 30% com espécies nativas (ou exóticas, mas que tenham algum valor para a conservação). Podendo fazer algo que lhe dê lucro, como o plantio de espécies comerciais ( como pinheiros, eucaliptos ou palmeiras, estas últimas cada vez mais em evidência com o crescimento dos biocombustíveis), por que faria algo que lhe dará gastos, ao plantar espécies nativas? As indústrias do biodiesel e a de papel e celulose também poderão ver nesta brecha uma grande possibilidade de expansão de suas atividades na Amazônia.

 

Já defendemos nesta coluna (em “Palmeiras são a melhor opção para os biocombustíveis”, de Rodolfo Salm) o plantio de palmeiras nativas e exóticas em áreas já degradadas na Amazônia. Agora, o plantio de outras espécies exóticas não é nada interessante do ponto de vista ambiental e não deveria estar incluído no projeto. Monoculturas de pinheiro e eucalipto não irão auxiliar na regeneração da mata e nem poderão ser usadas pela fauna. Além disso, no caso das palmeiras, seu plantio deveria ser feito como uma etapa na regeneração da mata, e não como um fim em si. O cultivo de palmeiras, aliás, pode seguir dando lucros após a regeneração do ecossistema.

 

Há aqui um importante aspecto que precisa ser lembrado. Até o momento, o que impera na grande maioria da região amazônica é uma situação à margem do Estado de Direito, uma ausência do Estado, seja como prestador de serviços, seja de seu aparato fiscalizador (apesar do esforço heróico de alguns funcionários de determinados órgãos). O desrespeito contínuo às leis (não só ambientais) pelos desmatadores é a norma vigente, assim como uma promiscuidade destes setores com os poderes públicos municipais e esferas dos estaduais. Então, esta mudança não vai ajudar em nada na contenção do desmatamento – e pode até atrapalhar. Quem já desmatava, vai continuar desmatando e agora, com a novidade, ainda vai poder vender as terras para outras empresas utilizarem-na para o plantio de árvores exóticas e mudar-se para desmatar em outro lugar. E quem desmatou e ficou não vai recompor nada. E tudo vai ficar por isto mesmo, pois esta é a lei por lá.

 

Aqueles que acompanham os problemas ambientais do país devem lembrar-se da tentativa anterior de mudança do Código Forestal, em 2000/2001, liderada pelo deputado Moacir Micheletto (PMDB/PR), com amplo respaldo da bancada ruralista. Como a proposta continha diversos pontos danosos ao meio ambiente, houve rápida e intensa mobilização de diversos setores da sociedade e as mudanças felizmente não passaram.

 

O projeto atual contém ainda outros pontos negativos (e alguns positivos também), mas é bom ficarmos de olhos abertos, pois essa turma dos ruralistas (e outros desmatadores de plantão) não desiste e vai tentar piorá-lo ainda mais. Os projetos de lei iniciais eram mais danosos que este substitutivo e um deles (de Wandenkolk Gonçalves – PSDB/PA) propunha, inclusive, a mudança pura e simples da Reserva Legal na Amazônia para 50%. Mas o pior é que o projeto atual, ao invés de seguir seu curso, voltou para outra comissão, a de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, por pedido de Marcos Montes (PFL/BA). Desta comissão, reduto dos ruralistas (da qual faz parte o nosso bom e velho Moacir Micheletto), não se pode esperar nada de muito promissor. Ao contrário, imagino que um novo projeto, pior ainda que o aqui analisado, deverá ser apresentado. Precisamos estar atentos e acompanhar de perto os próximos movimentos, para mais uma vez nos mobilizarmos. Sugiro às pessoas que entrem no sítio da Câmara dos Deputados, procurem o projeto de lei (canto inferior direito do sítio – o número do PL é 6424 de 2005) e cadastrem-se para acompanhamento. Eu já o fiz.

 

 

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.

 

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