Correio da Cidadania

Crescimento econômico e terrorismo midiático

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Desde o começo do ano, tenho notado que a mídia tem evocado com insistência o tal “fantasma do apagão”. Especialistas são entrevistados diariamente, articulistas bombardeiam-nos com suas opiniões e passamos a conhecer em detalhes a famigerada “curva de aversão de risco” (gráfico que mostra a altura na qual os reservatórios das usinas hidrelétricas têm que estar em cada época do ano a fim de enfrentarmos sem sustos a estação seca) e a acompanhar sua evolução diária. Isto certamente servirá de forte munição contra a resistência dos ambientalistas às novas hidrelétricas nos rios amazônicos. Já posso até ouvir os argumentos: “estes ambientalistas são contra o desenvolvimento do país”; “são insensíveis à questão do emprego”; “precisamos de energia para o desenvolvimento e os atrasos nos licenciamentos ambientais são um entrave”. E por aí vai. Creio na intencionalidade da campanha da mídia, pois a tática, de resto, é velha conhecida. Cria-se uma ansiedade na população, que não quer perder seu conforto, polarizam-se as opiniões de forma simplista, tipo bem e mal ou “utópicos” versus “realistas”, não se informa corretamente (ou desinforma-se) e pronto. O resultado é que a dita opinião pública, no Brasil ainda muito longe de ser crítica e consciente, acaba indo na direção que o poder constituído quer. Ou seja, da construção de novas estradas e hidrelétricas, independentemente de suas conseqüências para o meio ambiente.

 

Na fase crucial da crise ambiental em que nos encontramos agora no mundo (esta sim, uma crise real, e não fabricada), acho isto extremamente lamentável. Com o planeta dando mais e mais sinais de seu esgotamento, e com cientistas e ambientalistas alertando para os riscos da manutenção do modelo econômico atual, a mídia poderia ajudar muito a enfrentarmos a crise que certamente irá agravar-se, propondo discussões sérias e procurando colaborar na conscientização da população.

 

Obviamente que sei que isto seria esperar demais. A grande mídia, aqui e alhures, encontra-se praticamente toda ela identificada com o pensamento econômico dominante. E este pensamento baseia-se em algumas premissas falsas, cujas conseqüências estão levando o planeta ao colapso, como por exemplo:

 

1 - O desenvolvimento de uma nação e a qualidade de vida dos povos dependem exclusiva ou majoritariamente de crescimento econômico.

 

Neste caso, o problema é tanto conceitual quanto lógico. Se definirmos desenvolvimento e qualidade de vida apenas em termos econômico-financeiros médios de uma população, não há como escapar. Porém, desenvolvimento é muito mais do que isto, e restringirmos o conceito àqueles indicadores, ainda mais médios, é muito simplista. Como lembrou José Goldenberg, em artigo publicado (milagrosamente) no Estado de São Paulo de 21/01, qualidade de vida não depende apenas de crescimento, mas principalmente de investimentos em saúde e educação. E se adotássemos outro modelo econômico, qualidade de vida dependeria quase nada do crescimento econômico. No quesito desenvolvimento, eu iria ainda mais fundo, pois prefiro conceituá-lo envolvendo aspectos de desenvolvimento intelectual e cultural, bem como de valores humanos, como cooperação, respeito e solidariedade.

 

E mais:

 

2 - A economia mundial e a dos países necessitam de crescimento econômico contínuo e sustentado.

 

Já esta segunda premissa é falaciosa por dois motivos. O primeiro é que a necessidade de crescimento contínuo não é absoluta, mas relativa. Esta necessidade surge apenas dentro do modelo econômico atualmente adotado, mas não é um imperativo da economia, e muito menos do ser humano.

 

O segundo motivo é que ela encerra em si uma contradição lógica. Não existe absolutamente nada no universo que tenha crescimento eterno (exceto, talvez, o próprio universo). Até que os economistas criaram esta necessidade para a economia, a fim de justificar alguns desajustes atuais, como as desigualdades dentro e entre povos, por exemplo, e de gerar um mecanismo que a mantenha. Mas isto é matéria para outro artigo.

 

Ao defenderem sempre a necessidade de mais crescimento - e de mais geração de energia para sustentar este crescimento -, parece que os economistas, desde os prêmios Nobel até os repetidores de suas idéias por aqui, desacoplaram a economia do mundo natural, como se ela estivesse pairando acima dele e fosse independente da natureza. A qualquer um isto parecerá absurdo, mas não há outra forma de entender uma proposta, esta sim completamente absurda, de que precisamos de crescimento ilimitado. Parece que eles se esqueceram de algo muito simples e sem mistério: como o suprimento tanto de energia quanto de matéria prima é finito, simplesmente não há como manter um crescimento contínuo (claro que parte do crescimento pode dar-se por melhoras nas eficiências dos processos, mas isto também é limitado). É impossível. Simplesmente não há como empregar o adjetivo ‘contínuo’ para a palavra ‘crescimento’, muito menos junto com ‘sustentado’.

 

Voltando ao nosso problema local, tenho convicção de que, infelizmente, as hidrelétricas do rio Madeira sairão afinal do papel. Imagino que isto alivie a pressão por um tempo. Quando o famigerado crescimento econômico contínuo comer toda a produção energética extra, novas discussões serão iniciadas com os mesmos argumentos e novas hidrelétricas sairão do papel. Talvez, nesta fase, finalmente consigam aprovar as usinas no rio Xingu, depois no Tapajós, depois no Negro, depois ... Em cada caso, após a construção das usinas, haverá um período de relativa calmaria. Em seguida, nova crise, novo “fantasma do apagão”, novas discussões ... e assim sucessivamente. Até que todos os rios brasileiros, grandes, médios e pequenos, tenham sido transformados numa sucessão de lagos de hidrelétricas (como o Tietê, o Grande, o Paraná e alguns outros já foram). E então não haverá mais onde produzir energia desta fonte. Imagino, quando este dia chegar, com que cara ficarão os economistas e a mídia. Será que neste dia então finalmente eles irão perceber que crescimento econômico contínuo é absurdo?

 

 

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.

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